Folha de S. Paulo
Se Chávez anunciou o socialismo do século 21,
que deu na atual ditadura de esquerda de Maduro, Trump marcha com o fascismo do
século 21
Discurso do autocrata e de seu secretário de
Defesa para enquadrar Forças Armadas na moldura da direita Maga é mais do que
preocupante
A ofensiva de Donald Trump e
de seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, sobre o alto comando das Forças
Armadas dos EUA, com o intuito de enquadrá-las
na moldura do populismo de extrema direita, demonstra que as
pretensões facho-golpistas do autocrata da Casa Branca não podem ser ignoradas.
O caráter bizarro e não raro anárquico das intervenções de Trump leva algumas vezes a avaliações de que tudo não passaria de um grande teatro movido a bravatas e ameaças inconsequentes. É um erro.
Se Chávez lançou na Venezuela o que chamou de socialismo
do século 21 (regime autoritário populista de esquerda,
aprimorado por seu sucessor Nicolás Maduro), Trump empenha-se na construção do
fascismo do século 21, que não repete exatamente a referência do século 20, mas
dela absorve e guarda as linhas de força.
Estamos diante de mais um desdobramento do
tecido totalitário
da direita do século 20, que deu ao mundo monstruosidades como
Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, além de nossos tiranetes
latino-americanos, todos apoiados por uma máquina
militar ideologizada e vigilante quanto aos "inimigos internos".
O conceito, amplamente usado pela ditadura
civil militar brasileira, ganhou especial atenção nas palavras do presidente
americano a respeito do papel das Forças Armadas em sua perspectiva antiliberal
e autoritária.
A ideia de que cidades do país possam servir
de campo de exercício para as tropas mais poderosas do planeta é assustadora, e
mais ainda quando se tratou de deixar claro que o objetivo é tê-las
perfeitamente alinhadas, marchando no mesmo passo do ideário antidemocrático
cultivado pelo atual grupo dominante norte-americano.
No quesito mais escandalosamente ideológico
coube a Hegseth o papel de showman. O ex-comentarista da Fox News, com
passagens pelos conflitos do Afeganistão e Iraque, usou todo o arsenal de
sandices do direitismo vulgar, com direito a trollagem de
"generais gordos", para dizer à elite militar que é
preciso defender —ou se render— à cartilha do Maga. Quem não quiser que peça
para sair.
A politização e instrumentalização das Forças
Armadas é um dos ingredientes clássicos do veneno golpista ao lado de outros,
como a afronta aos tribunais e o silenciamento das universidades. A receita tem
sido testada de modo mais do que preocupante por Trump e seus
colaboradores ideológicos, como Hegseth e o vice J.D. Vance. Coube a Vance,
aliás, a prerrogativa de desempatar a votação do Senado, em 50 a 50, para
chancelar a indicação de Hegseth para a Defesa.
Para nosotros que conhecemos as agruras da
América Latina, com seus lances patéticos e cruéis de repúblicas de bananas, há
uma certa familiaridade trágica com o que se vê em curso na América. De fato
não é nova —e tem um
aspecto problemático—
a ideia de que os EUA passam por um processo de latino-americanização. Estamos
na realidade diante de uma novidade, o advento do populismo radical de direita
numa superpotência de tradição liberal cuja influência sobre os desígnios do
mundo é enorme.
Estamos também falando —e há aqui alguma
esperança— de uma sociedade que cultivou na história valores democráticos e
instituições para preservá-los. Se serão vitoriosos (ou até que ponto) é hoje a
grande interrogação.
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