quarta-feira, 26 de abril de 2017

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Precisamos de lideranças. Hoje as pessoas já não se mobilizam em função de interesses partidários e políticos em sentido estrito, mobilizam-se eventualmente por causas: a paz, a participação das mulheres, a ecologia, a moral – esse vai ser um factor grande na situação brasileira, “eu sou a favor de um comportamento mais transparente, eu não quero mais saber de político que enrole”. O político de modo geral enrola no modo de falar. Os que estão a ganhar no mundo de hoje, inclusive no Brasil, são aqueles que vão cara a cara, dizem o que querem, o que pensam, o que são. Não dizem que são uma coisa e fazem outra, isso desmoraliza.

*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente na entrevista ao jornal Público, Lisboa, 22/4/2017

Reforma trabalhista avança e governo mira Previdência

Governo obtém vitória e reforma trabalhista avança na Câmara

Proposta, que serve como termômetro para reforma da Previdência, teve 27 votos a favor e 10 contrários

Daiene Cardoso, Fernando Nakagawa, Eduardo Rodrigues, Igor Gadelha, Adriana Fernandes, Idiana Tomazelli e Paula Dias | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A primeira batalha o governo ganhou com folga. O placar que garantiu a aprovação do texto da reforma trabalhista na comissão especial da Câmara, 27 a 10, deu novo ânimo ontem aos negociadores do Palácio do Planalto. Hoje, em votação no plenário da Câmara, o governo terá uma visão mais realista sobre a posição dos deputados que compõem sua base de apoio. Mas precisará apenas de maioria simples (metade dos presentes mais um, a partir de um quórum mínimo de 257) para aprovar a reforma que integra o conjunto de medidas para tentar reativar a economia.

O ponto básico da reforma trabalhista – o que privilegia o acordado entre patrões e empregados em relação à legislação trabalhista – foi mantido na redação final do texto, que diz que “a convenção ou acordo coletivo tem força de lei e prevalecerá sobre as disposições legais”. Houve ainda inclusões ao projeto original, como benefícios a gestantes e deficientes.

Projeto da reforma trabalhista teve três mudanças na última hora

Relator do projeto que altera a CLT avalia que há clima favorável para aprovação da proposta no plenário da Câmara nesta quarta-feira

Daiene Cardoso, Fernando Nakagawa e Isadora Peron | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo conseguiu nova vitória no Congresso com o avanço da reforma trabalhista na Câmara. Após ceder em alguns pontos, o texto-base foi aprovado com o apoio de 27 deputados da comissão especial e apenas dez votos contra. Na última hora, o projeto recebeu mais de 30 emendas. O relator Rogério Marinho (PSDB-RN) comemorou a tramitação e avalia que há clima favorável para aprovar a reforma no plenário hoje.

Horas antes de ser avaliado pela Comissão Especial, o texto foi alterado para tentar contornar a pressão de grupos insatisfeitos. Nesse ajuste, o relator acatou três sugestões: manteve a exigência de laudo médico para gestantes ou lactantes que trabalham em ambientes insalubres, proibiu contrato intermitente para profissionais que seguem legislação específica e ajustou a norma sobre trabalho de deficientes.

Reforma trabalhista avança, e governo tenta ampliar apoio

Proposta é aprovada em comissão especial e deve ir hoje a plenário

Principais pontos, como fim da contribuição sindical obrigatória e jornada flexível, foram mantidos. Planalto intensifica negociação por mudanças nas leis do trabalho e na Previdência. PMDB deve fechar questão

O governo conseguiu aprovar ontem, por 27 votos a dez e com poucas mudanças, a reforma trabalhista na comissão especial. Os pontos principais, como o fim da contribuição sindical obrigatória, a flexibilização das jornadas, a possibilidade de demissão negociada e a determinação de que o negociado com os sindicatos prevaleça sobre a lei, foram mantidos. O governo buscou acelerar a votação e tentará obter o aval do plenário da Câmara ainda hoje. E, na semana que vem, deve ter início a apreciação da reforma da Previdência. O Planalto intensificou a negociação com partidos da base para diminuir as resistências às reformas.

Reforma trabalhista avança

Após passar na comissão especial, texto deve começar a ser votado hoje no plenário da Câmara

Bárbara Nascimento | O Globo

BRASÍLIA - Às voltas com a resistência de partidos da própria base aliada para apoiar as reformas de seu interesse no Congresso — a trabalhista e a da Previdência —, o governo deve passar, hoje, por seu primeiro teste: a votação, no plenário da Câmara, do projeto de lei que modifica as relações de trabalho. O substitutivo do relator Rogério Marinho (PSDB-RN) foi aprovado, ontem, na comissão especial que analisou o tema na Casa, por 27 votos favoráveis e dez contrários. A expectativa é que a tramitação da matéria pelos deputados seja concluída ainda esta semana, seguindo para o Senado.

Reforma trabalhista avança e será votada hoje

Comissão aprova reforma trabalhista, que vai a plenário nesta quarta-feira

Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

Por 27 votos a 10, comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (25) o texto-base do relatório do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) sobre a reforma trabalhista. O principal embate em torno do tema, porém, está marcado para a votação no plenário da Casa nesta quarta (26).

Falta ainda a análise de emendas —chamadas de "destaques" no jargão do Congresso—, ainda nesta terça.

Uma das prioridades do governo de Michel Temer em 2017, a reforma trabalhista traz como algumas das principais modificações a prevalência do negociado entre patrões e empregados sobre a lei, a possibilidade de fracionamento das férias em três períodos, restrições a ações trabalhistas, regulamentação de contratos provisórios e fim da obrigatoriedade da contribuição sindical.

A votação desta quarta no plenário será o primeiro grande teste sobre a musculatura da base de Temer para aprovar a reforma da Previdência, também em fase final de análise por comissão especial, e que precisa de um apoio mais robusto —pelo menos 60% dos congressistas, por se tratar de emenda à Constituição.

Reforma reduz poder de sindicatos e corta custos

Adriana Aguiar, Zínia Baeta, Marta Watanabe e Arthur Rosa | Valor Econômico

SÃO PAULO - Prevista para ser votada hoje ou amanhã na Câmara, a reforma Trabalhista vai alterar grande parte da jurisprudência da Justiça do Trabalho que hoje resulta em condenações às empresas. A nova legislação também reduzirá o poder de negociação dos sindicatos, criará novos tipos de contratos de trabalho e tentará mudar a ideia de que o funcionário é a parte mais fraca na relação de emprego ao criar o conceito de "autonomia individual do trabalhador".

As mudanças, segundo empresários, trarão mais segurança jurídica aos empregadores. A Fiesp entrevistou representantes de 495 indústrias e 77% deles manifestaram essa opinião. Outro benefício seria a redução de custos e o aumento da competitividade das empresas.

Planalto intensifica negociação para garantir apoio da base aliada

Moreira diz que PMDB na Câmara deve fechar hoje a favor de reformas

Geralda Doca | O Globo

-BRASÍLIA- Para evitar atitudes como a do PSB, que assumiu uma posição contrária às reformas trabalhista e previdenciária na última segunda-feira, o partido do presidente Michel Temer, o PMDB, está se preparando para fechar questão o quanto antes em torno da aprovação das propostas encaminhadas pelo governo ao Congresso. A avaliação é que há maior resistência entre peemedebistas no Senado.

Segundo explicou ao GLOBO o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, a bancada do partido na Câmara deve fechar ainda hoje posição a favor das reformas. Quando a proposta chegar no Senado, onde há divergências, a questão será avaliada.

— A bancada federal vai fechar questão — disse o ministro.

Ao ser perguntado sobre as resistências no Senado, o ministro respondeu: — Cada caso na sua hora. Na semana passada, o presidente do partido, Romero Jucá (RR), foi provocado a convocar a executiva nacional, com o objetivo de definir uma posição partidária pró-reformas. Porém, diante das divergências, a questão está em banho-maria.

Essa indefinição, na avaliação de interlocutores, é ruim. “Se o próprio partido do presidente não fecha questão, por que os outros da base farão isso?”, indagou uma fonte.

Após PSB se posicionar contra, PPS trabalha para fechar questão a favor das reformas; PR não decidiu

O presidente do partido, Roberto Freire, teria iniciado as conversas para que a legenda apoie as medidas; PR ainda não chegou a um entendimento

Erich Decat | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Num movimento contrário ao tomado pelo PSB, a cúpula do PPS trabalha para fechar um posicionamento oficial a favor da votação das reformas da Previdência e Trabalhista no Congresso.

Segundo o Estado apurou, após encontro com o presidente Michel Temer, que reuniu na última segunda-feira, 24, todos os integrantes do primeiro escalão para pedir apoio às propostas, o ministro da Cultura e presidente do PPS, Roberto Freire, iniciou as conversas para que a legenda feche questão a favor das medidas.

Atualmente, o PPS conta com oito deputados devendo ter a bancada ampliada para nove nos próximos dias. A ideia inicial de Freire é ouvir os parlamentares ao longo desta semana e anunciar o posicionamento da legenda em reunião da Executiva prevista para o início de maio.

Com a decisão, o PPS segue alinhado com a cúpula do governo que viu na segunda-feira o PSB anunciar que não pretende apoiar a votação das reformas da Previdência e Trabalhista.

PT quer tornar depoimento de Lula um evento

Partido considera que pedido de adiamento é tentativa de esvaziar o ato

Cristiane Jungblut | O Globo

-BRASÍLIA- A cúpula do PT definiu como estratégia “turbinar” e transformar num evento o depoimento do ex-presidente Lula em Curitiba ao juiz Sérgio Moro, nas investigações relacionadas à Lava-Jato. Dirigentes pretendem acompanhar Lula à capital do Paraná, independentemente da data em que ocorrer o depoimento.

A Polícia Federal pediu para que Moro transfira o depoimento, inicialmente marcado para o dia 3 de maio, mas o juiz ainda não determinou o adiamento. O PT já estava mobilizando os movimentos sociais para uma manifestação em Curitiba no dia 3, e os dirigentes ainda divergem sobre manter ou não a manifestação diante da possibilidade de adiamento.

Eterno assessor de Lula, Gilberto Carvalho está fazendo a interlocução com os movimentos sociais. A avaliação de alguns petistas é que o adiamento teria o objetivo de tentar desmobilizar os militantes.

STF solta dois presos da Lava Jato e adia decisão sobre Dirceu

Letícia Casado | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu nesta terça (25) soltar dois presos da Operação Lava Jato. Um terceiro preso, o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), vai ter o pedido de liberdade analisado pelos ministros posteriormente.

Os ministros concederam liberdade a João Carlos Genu (ex-assessor do PP) e ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Eles já foram condenados em primeira instância pelo juiz Sergio Moro, mas as apelações ainda não foram analisadas pelo Tribunal regional federal da 4ª Região, em Porto Alegre, que julga os recursos das decisões de Moro.

Fazem parte da Segunda Turma do STF os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Edson Fachin, relator da Lava Jato na corte.

Previdência vai poupar R$ 2 tri em 20 anos

Fabio Graner | Valor Econômico

BRASÍLIA - Mesmo com as concessões que já foram feitas na proposta de reforma da Previdência - e, eventualmente, mais algumas que o governo não consiga evitar -, a economia proporcionada em 20 anos, quando o fim do chamado "bônus demográfico" estiver evidente, poderá superar com folga os R$ 2 trilhões.

Cálculos da área econômica com base no relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA) apontam que as mudanças reduziram a economia prevista de R$ 800 bilhões para R$ 600 bilhões em dez anos. Porém, mais relevante - e que não tem sido destacado pelo governo - é que vão gerar até o fim da década de 2030 uma redução nos gastos previdenciários mais de cinco vezes superior à estimada para a primeira década de vigência.

Maia encerra votação sobre recuperação dos Estados após contrapartida ser retirada

Presidente da Câmara decidiu suspender a sessão depois que parlamentares excluíram do texto do projeto a elevação da alíquota de Previdência dos servidores estaduais para 14%

Isadora Peron | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Após um novo revés para o governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidiu encerrar a sessão desta terça-feira, 25, sem concluir a votação do projeto que cria um regime de recuperação fiscal para Estados endividados.

A decisão de Maia aconteceu após o plenário excluir do texto do projeto a contrapartida que previa a elevação da alíquota de Previdência Social dos servidores estaduais para 14%.

Eram necessários 257 votos para manter o texto inicial do projeto, mas foram registrados apenas 241 votos favoráveis. Outros 185 deputados votaram contra a medida. O destaque para derrubar a contrapartida foi proposto pelo Solidariedade, que faz parte da base do governo.

O enigma

Sem nunca ter publicado um livro em vida, o pensador italiano, um dos mais influentes do século XX, tem sua obra revisitada e reinterpretada em novos livros, 80 anos após a sua morte

Leonardo Cazes | O Globo / Segundo Caderno

O regime fascista de Benito Mussolini não queria criar um mártir. Em 24 de abril de 1937, após dez anos e cinco meses de prisão, decidiu soltar Antonio Gramsci, principal liderança do Partido Comunista Italiano (PCI). Após uma década de maus tratos no cárcere, Gramsci, de saúde frágil desde a infância, já estava condenado. Morreu três dias depois, numa clínica em Roma, aos 46 anos. Sem nunca ter publicado um livro em vida, tornou-se um dos mais influentes pensadores do século XX, com sua original e heterodoxa contribuição ao marxismo. E, 80 anos após sua morte, seus trabalhos são lidos, relidos e, em alguns casos, até “reescritos”.

DIVULGAÇÃO
Desde a década de 1990, ganharam força as pesquisas que buscam reconstituir a produção de Gramsci à luz da filologia histórica. Seguindo essa linha, a partir de 2007 começou a ser editada na Itália a “Edição nacional dos escritos de Antonio Gramsci”, sob responsabilidade da Fundação Instituto Gramsci, com objetivo de estabelecer a versão definitiva de todos os seus manuscritos. Esse trabalho vem dando novo impulso aos estudos da obra do pensador italiano, agora livre das amarras políticas do século passado, como é o caso de dois livros recém-lançados no Brasil: o ambicioso “Dicionário gramsciano”, organizado por Guido Liguori e Pasquale Voza, e “Modernidades alternativas: o século XX de Antonio Gramsci”, de Giuseppe Vacca, ex-diretor do Instituto Gramsci.

Isso porque, além dos cerca de 2 mil textos políticos e jornalísticos publicados na imprensa entre 1914 e 1926, a parte mais importante da produção do pensador italiano são os seus 33 cadernos manuscritos, feitos na prisão entre 1929 e 1935, mais conhecidos como “Cadernos do cárcere”. É no período de reclusão que Gramsci desenvolve seus conceitos mais conhecidos, como “hegemonia”, “revolução passiva”, “sociedade civil” e a “filosofia da práxis”. Contudo, pela própria natureza dos cadernos e pelas limitações impostas pelos fascistas, trata-se de uma “obra em progresso”, na definição de Liguori, professor da Universidade da Calábria e presidente da seção italiana da International Gramsci Society (IGS).

FHC"O sistema político-partidário no Brasil acabou"

O antigo Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso reconhece que as investigações de corrupção provocaram graves danos para a imagem do Brasil, mas acredita no funcionamento das instituições e na regeneração do país. Se aparecerem líderes capazes de mobilizar a sociedade para uma nova causa.

David Dinis e Rita Siza | Público

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, fundador e presidente do Partido da Social-Democracia Brasileira, antigo Presidente do Brasil (1995-2002), não tem ilusões quanto à situação que o país atravessa: "É complicado", "é difícil", disse ao PÚBLICO, numa entrevista em Lisboa. Sem atenderem aos desejos de reforma da sociedade, os partidos perderam a predominância, mas ainda não fizeram a reflexão necessária para recuperar a confiança dos cidadãos, incrédulos com as revelações da mega investigação Lava Jato.

• As notícias que nos têm chegado do Brasil, e já há alguns anos, são de crise económica, crise social, crise política: manifestações, impeachment, a mega investigação da Lava Jato... Tem andado muito pelo país e por fora: pensa que isto prejudicou irreversivelmente a imagem do Brasil?

Claro que tem prejudicado. A imagem do Brasil começou a fortalecer-se quando nós restabelecemos a democracia, acabámos com a inflação e estabelecemos programas sociais que diminuíram as diferenças de renda no país. Isso dava a impressão de que o Brasil tinha resolvido os seus problemas. Mas era uma ilusão. Houve possibilidade de aprofundar o que começou bem, desde a Constituição de 88 e até ao primeiro Governo do Presidente Lula, mas a uma certa altura, a partir da crise de 2007 e 2008, tiveram a ilusão de que era preciso crescer através do aumento do consumo e do crédito, sobretudo público. E isso criou uma bolha, uma expansão falsa de prosperidade. Quando a Presidente Dilma foi eleita, ela acentuou esses traços que vinham de antes, a nova matriz económica. Ela tentou ser mais ortodoxa no segundo mandato, mas as pessoas não acreditavam e a essa altura já tinham estourado os escândalos de corrupção. Muito frequentemente diz-se uma platitude: sempre houve corrupção. Mas não foi isso o que aconteceu no Brasil. Não foi a corrupção individual, foi a corrupção como instrumento de manutenção do jogo político e do poder. Isso foi novo. Começou com o Mensalão, e depois o Petrolão viu-se que a extensão era muito maior do que se imaginava. Isso abalou a imagem da capacidade do Governo brasileiro, e do Brasil como país. É inegável que isso mexeu com a imagem do país.

• Mas acha que os danos são irreversíveis?

Irreversíveis não, nada é irreversível na História. E o Brasil conseguiu organizar instituições que operam, como agora. A despeito de tudo, as instituições funcionam: a justiça e a polícia são órgãos de Estado e não de Governo, o Congresso bem ou mal funciona. Não existe risco de golpe militar, os brasileiros não estão preocupados com isso. É um avanço qualitativo importante. Então não acho que seja irreversível.

Advertência póstuma do filósofo Zygmunt Bauman

Ensaios póstumos do pensador analisam a busca da utopia em um passado idealizado

Antonio Pita | El País

Você já reparou que os filmes e romances de ficção científica são classificados com uma frequência cada vez maior nas seções de cinema de terror e de literatura gótica, ou seja, em um futuro tenebroso no qual ninguém gostaria de viver? Pode parecer algo irrelevante, mas para Zygmunt Bauman, um dos pensadores mais influentes do século XX, é o reflexo de que começamos a buscar a utopia em um passado idealizado, uma vez que o futuro deixou de ser sinônimo de esperança e progresso para se tornar o lugar sobre o qual projetamos nossas apreensões. O sociólogo e filósofo polonês deixou desenvolvida essa tese da retrotopia (a busca da utopia no passado) em dois escritos, os primeiros traduzidos ao espanhol depois de sua morte, em janeiro, aos 91 anos. São o ensaio Retrotopia (Retrotopia) e o texto Symptoms in Search of an Object and a Name (Sintomas em Busca de um Objeto e de um Nome) parte de uma obra coletiva sobre o estado da democracia, The Big Regression (O Grande Retrocesso), que chega às livrarias espanholas no dia 27 e reúne nomes como Slavoj Žižek, Nancy Fraser e Eva Illouz.

“O futuro é, em princípio ao menos, moldável, mas o passado é sólido, maciço e inapelavelmente fixo. No entanto, na prática da política da memória futuro e passado intercambiaram suas respectivas atitudes”, aponta. Bauman fala sobre medos como o de perder o emprego, do multiculturalismo, de que nossos filhos herdem uma vida precária, de que nossas habilidades de trabalho se tornem irrelevantes porque os robôs saberão fazer –melhor e mais barato– o nosso trabalho. Em suma, medo porque tudo o que era sólido agora é “líquido”, usando o adjetivo que popularizou Bauman.

Lei desacreditada é lei inútil | *Almir Pazzianotto Pinto

- O Estado de S. Paulo

Goste ou não o PT, a reforma trabalhista é vital para recuperar a economia e os empregos

Os obstáculos superados pelo governo para aprovar a lei que libera a terceirização antecipam as barreiras asnáticas e ideológicas que dificultarão a reforma trabalhista. Aos opositores da modernização pouco importa que 13,5 milhões de cidadãos se encontrem desempregados e outros tantos sobrevivam com ocupações temporárias e do comércio ambulante. A crise é tão profunda que o trabalho por conta própria deixou de ser opção. Em 2016 o Brasil perdeu 1,4 milhão de autônomos, assim chamados todos os que ganham a vida como pessoa física.

A Lei n.º 13.429/17 demonstra como a falta de objetividade gera consequências negativas. Basta observar que o contrato civil de prestação de serviços, vulgarmente denominado terceirização, foi incorporado à Lei n.º 6.019/74, que disciplina o trabalho temporário. A trintenária discussão cingia-se à diferença entre atividade-fim e atividade-meio, causada pela má redação do inciso III da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (pela qual fui, também, responsável). A rigor, bastaria um único artigo de lei que reconhecesse a terceirização de serviços como negócio legítimo, independentemente da natureza e da finalidade. Em outras palavras, o velho problema resolver-se-ia corrigindo o inciso III.

Luta pela sobrevivência | Merval Pereira

- O Globo

Com reformas, Temer luta por seu governo. O presidente Michel Temer luta pela vida de seu governo, que depende necessariamente da aprovação da reforma da Previdência, mas terá uma boa vitória se conseguir aprovar hoje a reforma trabalhista, que ontem passou pela fase de comissões sem grandes danos. É natural que esteja endurecendo com aliados para garantir o apoio, mas esse tipo de aliança costuma ser fluida e só mesmo depois da votação será possível saber o que funcionou.

OPSB, por exemplo, fechou questão contra ambas as reformas, mas dividiu-se na comissão sobre a trabalhista, o que leva a crer que não conseguirá votar unido contra a reforma da Previdência. Uma pequena vitória de Temer dentro de um quadro que se apresenta bem mais difícil do que o Planalto previa.

Aprovadas as reformas, mesmo com todas as mudanças que tiveram que ser feitas, o governo estará garantido até 2018, com a retomada de um crescimento incipiente que servirá para amenizar o clima tenso que vivemos.

Negociar é preciso e faz bem à Previdência | Fabio Graner

- Valor Econômico

"Aprovar essa idade mínima seria uma revolução"

As recentes mudanças anunciadas na reforma da Previdência Social têm gerado inquietação no mercado, analistas políticos e em parte da imprensa. Teses de que o governo já recuou muito e cedo demais pululam nos jornais e em comentários a clientes. A realidade, contudo, é complexa e demanda maior frieza nas análises e reações mais moderadas. Afinal, mesmo com todas as alterações já feitas e eventualmente mais algumas (desde que não alterem o núcleo da reforma), a economia acumulada em 20 anos, quando o fim do chamado bônus demográfico estará evidente, pode superar com folga a marca dos R$ 2 trilhões. Não é pouca coisa.

Cálculos da área econômica sobre o relatório apresentado pelo deputado Arthur Maia (PPS-BA) apontam que as mudanças feitas geram uma perda de cerca de um quarto da economia originalmente estimada para a primeira década do novo sistema. Com atualização dos dados de 2016 e também da grade de parâmetros econômicos, a estimativa de redução de despesas na proposta original ficou em torno de R$ 800 bilhões ao longo de dez anos. Agora, com as mudanças apresentadas por Maia na semana passada, a projeção é de economia em torno de R$ 600 bilhões no período.

Expectativa x realidade | Vera Magalhães

- O Estado de S. Paulo

Os políticos abatidos pelo listão da Odebrecht adotaram o pragmatismo político e já estão revendo os cálculos eleitorais para o ano que vem

Passada a temporada de negativas indignadas, os políticos abatidos pelo listão da Odebrecht adotaram o pragmatismo político e já estão revendo os cálculos eleitorais para o ano que vem.

Virtuais presidenciáveis e governadores e senadores que disputariam a reeleição deverão se contentar a voltar para a “planície”. No caso, se darão por satisfeitos se obtiverem um mandato para deputado, que lhes garanta foro privilegiado e os livre de ter os processos remetidos para a vara do juiz Sérgio Moro em Curitiba.

A força do Planalto | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

O fim do imposto sindical representa uma verdadeira reforma, pois teria como repercussão imediata o enxugamento e a redução do número de sindicatos

Palácio do Planalto deu uma demonstração de força ontem na Câmara, ao aprovar o relatório do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) na comissão especial da reforma trabalhista por ampla maioria: 27 votos a favor e 10 contra. Numa manobra regimental, as 24 emendas ao projeto que estavam sendo apreciadas perderam efeito com o encerramento dos trabalhos da comissão, provocado pelo início da sessão ordinária da Câmara. Para serem analisadas, terão que ser reapresentadas como destaques, durante a votação em plenário, o que pode ocorrer ainda hoje. O presidente de Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o grande articulador da reforma na Casa, pretende concluir a votação até amanhã e exibi-la como um troféu governista, para sinalizar a aprovação da reforma da Previdência.

A vitória governista confronta a greve geral convocada pelas centrais sindicais para sexta-feira, que ganhara corpo com a reforma trabalhista. Ao pautá-la, o governo acirrou os ânimos sindicais e algumas categorias de trabalhadores do setor privado, mas a aprovação às vésperas da greve geral tende a esvaziar o movimento, que poderia ser mais amplo. Não esperem, porém, uma sexta-feira tranquila nas grandes cidades: haverá muita confusão, principalmente no trânsito, por causa das manifestações. O protesto mobiliza principalmente as categorias de servidores públicos que perderão privilégios com a reforma da Previdência, embora militares, professores, mulheres e trabalhadores rurais tenham conquistado algumas vantagens em relação ao projeto original do governo, durante as negociações com o relator da reforma previdenciária, deputado Arthur Maia (PPS-BA).

O molho de tomate de Palocci | Elio Gaspari

- O Globo

Num Brasil da Lava-Jato, um prefeito como ele teria sido abatido em 2001, quando avançou na merenda escolar

Ninguém duvida de que Palocci tem muito o que contar. Adúvida é se Antonio Palocci fala ou não fala. Que ele tem o que falar, ninguém duvida. Afinal, foi ministro da Fazenda de Lula, chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff e queridinho da plutocracia nacional. Um petista do bem, para quem tinha horror à espécie. Espera-se que ele fale de Lula e teme-se que fale do naipe de atrevidos da banca. Não se podendo saber do que vai acontecer, fale-se do que já aconteceu.

Em 2001, o comissário Palocci era prefeito de Ribeirão Preto e sua administração licitou a compra de 12 produtos para abastecer 40.500 cestas dos programas sociais e da merenda escolar do município. Na lista constavam latas de “molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas”. Comerciantes locais reclamaram, pois no mercado não havia molho de tomate com ervilhas. A prefeitura poderia ter retirado a ervilha do molho e o problema estaria resolvido, mas sustentou que havia dois fabricantes e foi em frente. Falso. O único fabricante de molho de tomate com ervilha ficava no Rio Grande de Sul.

Vozes das trevas | Ranier Bragon

- Folha de S. Paulo

Só faltava mesmo o Tinhoso para completar a história.

Uma torrente de delações devasta sem dó partidos de A a Z, políticos que encheriam Sodoma e Gomorra derretem sob o fogo da Lava Jato —logo, nada mais natural que o Capiroto esteja metido na coisa.

Marqueteiro de Lula e Dilma, o agora delator João Santana diz que escondeu Michel Temer na campanha de 2014 porque pesquisas internas apontavam queda nas intenções de voto quando o então candidato a vice na chapa do PT dava as caras.

O motivo? A ligação da imagem de Temer com o "satanismo" —o que, teria dito o marqueteiro, deriva de supostos escritos do século 17.

Desastre em três dimensões | Miriam Leitão

- Globo

Ficção da defesa de Dilma não fica em pé. A ex-presidente Dilma diz que João Santana e Mônica Moura foram induzidos a delatar “fatos inexistentes” para ter redução da pena, e que eles não precisavam receber por fora porque eram os “profissionais de marketing mais bem pagos na história”. A conta no exterior existe, eles disseram que receberam, e a Odebrecht disse que pagou. Se é tudo falso, por que eles estariam inventando crimes para se culparem?

Em recente entrevista, Dilma sustentou que Marcelo Odebrecht tinha sofrido uma “espécie de tortura” e agora diz que Santana e Mônica foram induzidos a falar mentiras. Quem estaria por trás dessa “tortura” e da indução à confissão de falso crime? Pelo que está implícito, ela quer dizer que foi o Ministério Público e a Justiça.

A situação da ex-presidente se complica. Da mesma forma que o atual presidente Temer, seu companheiro de chapa, e também respondendo a julgamento no TSE. As investigações vão derrubando a tese de que ela nada fez de errado que justificasse o que aconteceu ao seu governo.

A greve, muito além da esquerda | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Seja qual for a dimensão da greve, é quase certo que o protesto vai difundir o mal-estar com as reformas por quase todos os cantos do país, além de dar cara mais geral à insatisfação.

As manifestações públicas contra as reformas estavam marcadas pelo seu caráter político mais estrito: tocadas por partidos de esquerda e sindicatos associados, inimigos de Michel Temer, militantes de centrais sindicais.

Sim, o protesto ainda é convocado por centrais (todas, recorde-se). Mas deve contar com apoio grande de professores, 2,2 milhões no ensino básico de quase 49 milhões de crianças e jovens, além dos 400 mil professores de 8 milhões de universitários, por exemplo importante.

O protesto se torna mais capilar, chega às esquinas das famílias, gostem ou não de reformas. Mesmo as escolas da elite, ao menos em São Paulo, prometem parar.

O funcionalismo e a greve geral | Cristiano Romero

- Valor Econômico

Adesão a movimento será maior no serviço público

As centrais sindicais prometem promover, na sexta-feira, "greve geral" com o objetivo de protestar contra a tramitação de duas reformas institucionais propostas pelo governo: a trabalhista e a previdenciária. De antemão, já está claro que as categorias que mais vão aderir ao movimento são as do serviço público. A tática é paralisar principalmente os transportes, impedindo que a maioria dos trabalhadores saia de casa para trabalhar.

A participação de funcionários públicos tem um lado anedótico - quando era sindicalista, o ex-presidente Lula costumava dizer que, sem corte de ponto, greve de funcionário público é férias - e outro bem mais sério. Quando se debatem contra mudanças na superdeficitária Previdência, os empregados do serviço público estão apenas defendendo seus interesses, que eles sabem contrários ao da maioria da população brasileira.

Em 2003, Lula chegou ao poder e, em poucos meses, enviou ao Congresso Nacional projeto de emenda constitucional propondo a unificação das regras de aposentadoria de funcionários públicos e trabalhadores celetistas (INSS). Parte da base parlamentar de apoio ao governo e toda a oposição simplesmente não entenderam aquilo: "Como? Lula quer acabar com privilégios dos funcionários públicos?".

A perplexidade se justificava: os sindicatos das principais categorias do funcionalismo eram filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT. A curiosa aliança existente entre partidos de esquerda e sindicatos do funcionalismo se deu no Brasil porque, nos estertores da ditadura, ambos tinham em seus discursos a defesa de um Estado forte, centralizador e intervencionista - o Estado que os militares criaram, inchado e razão primeira das injustiças sociais que grassam no país, e que já estava falido desde a crise da dívida externa, em 1982.

Cem Dias de Solidão | Monica de Bolle

- O Estado de S. Paulo

Trump não entende que suas políticas provavelmente teriam exatamente o efeito de elevar os déficits externos

No fabuloso livro de Gabriel García Márquez, José Arcadio era o patriarca da família Buendía, homem empreendedor e extravagante, alimentado por sonhos de grandeza. Fundador da cidade de Macondo, Buendía era orientado pelo cigano Melquíades, que alimentava suas extravagâncias. Infelizmente, José Arcadio enlouqueceu e foi amarrado a uma árvore. Amarrado permaneceu, mesmo depois de libertado das cordas que o mantinham preso.

Donald J. Trump não é o patriarca da família Trump, mas espécie de José Arcadio da segunda geração com jeito de patriarca. É extravagante, sonhos de grandeza o alimentam, como bem revela seu mote de campanha. É orientado por gente de todo o tipo, mas há um ar de cigano Melquíades na Casa Branca, na pele do nacionalista-populista Steve Bannon. Ao final desta semana, Trump completará 100 dias como presidente dos Estados Unidos, período que costuma delinear as chances de que o novo governo consiga emplacar durante o mandato a agenda de reformas e políticas que o elegeram. O que fez Trump nesses 100 dias? Mais fácil dizer o que Trump não fez.

A relevância do fim do imposto sindical – Editorial | O Globo

A extinção da contribuição compulsória, se confirmada pelo Senado, será a concretização de proposta de Lula para a modernização das entidades

Num bom exemplo de como agir enquanto fervilham delações na Lava-Jato envolvendo políticos, a Câmara aprovou ontem, em comissão, a reforma trabalhista. Assim, ela poderá passar logo pelo plenário e seguir ao Senado, para votação final, e ir à sanção do presidente Temer. Não há maiores riscos, porque o quorum exigido para este projeto é simples.

É enorme a importância desta reforma para desatravancar o mercado de trabalho, por meio da redução, em larga escala, do risco jurídico do empregador.

A simples instituição do conceito de que o acertado entre patrões e empregados tem prevalência sobre o cipoal da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), salvo alguns direitos, é um forte sopro de renovação numa regulação que vem da ditadura Vargas do Estado Novo, na década de 40 do século passado.

Os limites da negociação – Editorial | O Estado de S. Paulo

Depois de ceder até em alguns pontos da reforma da Previdência que considerava intocáveis, o presidente Michel Temer anunciou que as negociações estão encerradas e que, agora, a base governista no Congresso tem de se empenhar ao máximo para aprovar a emenda constitucional. Ao traçar essa linha, Temer esclarece que o projeto não pode mais ser modificado, sob pena de torná-lo inócuo para a pretendida reversão do colapso do sistema previdenciário e, por extensão, das contas públicas. Daqui em diante, e essa é a mensagem presidencial, cabe aos parlamentares apoiar ou rejeitar a reforma tal como ela está, e cada um deve arcar com as consequências de sua decisão, considerando que a rejeição às mudanças na Previdência resultará na drenagem de recursos de áreas cruciais para o desenvolvimento do País, como saúde e educação, para honrar o pagamento de aposentadorias.

“Não vamos mais ceder na reforma da Previdência”, disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Vamos com esse texto para ganhar ou perder. Temos responsabilidade com o Brasil e as futuras gerações. Quebraram o Brasil.” O líder do governo na Câmara, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), também afirmou que “não há espaço para concessão”. Ribeiro deu a declaração depois de ter participado de uma reunião de três horas, no domingo passado, entre ministros e líderes da base aliada com Temer. Nesse encontro, foram traçadas as estratégias para arregimentar os votos necessários à aprovação. Não será uma tarefa fácil, especialmente porque nem mesmo o partido do presidente, o PMDB, aceitou “fechar questão”, isto é, determinar que todos os seus parlamentares votem a favor da reforma. Diante disso, é natural que os demais partidos governistas também relutem em garantir ao presidente amplo apoio ao projeto.

Como Temer aposta a sobrevivência de seu governo na aprovação das reformas, em especial a da Previdência, a base governista, grande parte da qual reconhecidamente fisiológica, farejou aí a oportunidade de arrancar do presidente mais e novas concessões, e mesmo assim nada disso é garantia de aprovação. O receio de traições é tão grande que a ordem de Temer é que, a partir de agora, ministros só recebam parlamentares – e ouçam seus pleitos – depois que estes votarem a favor do governo nas matérias de interesse do Palácio do Planalto.

Nominalmente, o governo tem uma base com mais de 400 deputados na Câmara, número muito acima dos 308 necessários para aprovar a reforma da Previdência. Essa base foi construída por meio do tradicional toma lá dá cá, em que a Esplanada dos Ministérios se encheu de ministros “políticos”, isto é, de apadrinhados de partidos governistas, na presunção de que estes votariam em peso a favor do governo. Mas o momento crítico da economia, a impopularidade de Temer e o avanço do discurso da oposição, segundo o qual as reformas acabarão com direitos sagrados dos brasileiros, tornam esse apoio incerto.

Vícios estatais – Editorial | Folha de S. Paulo

Por contarem com volume expressivo de receitas próprias, que podem ser manipuladas sem a mesma vigilância imposta às verbas do Orçamento, as empresas estatais são candidatas naturais a protagonizar episódios de malversação do dinheiro público.

Será ocioso mencionar, no exemplo mais óbvio, os bilhões desviados da Petrobras por meio do esquema investigado pela Lava Jato. Ou o escândalo do mensalão, que veio à tona após a revelação de pagamento de propina nos Correios e chegou aos gastos com publicidade do Banco do Brasil.

Hoje depauperadas, nem tanto pela corrupção quanto pela gestão irresponsável, as empresas federais passam por ajustamentos forçados em suas contas e práticas. Velhos vícios, no entanto, não se abandonam com facilidade.

Reportagem desta Folha acaba de pôr sob suspeição concorrência ora conduzida pelo mesmo BB, também na área de publicidade. O jornal teve acesso antecipado ao nome da empresa que seria a primeira colocada na licitação, quatro dias antes da divulgação oficial do resultado.

França derrota velhos partidos e dá um ultimato ao centro – Editorial | Valor Econômico

A vitória do candidato liberal independente Emmanuel Macron no primeiro turno, à frente da extrema-direita da Frente Nacional de Marine Le Pen, afastou de imediato o perigo de saída da França da zona do euro, mas deixou o sistema político francês em frangalhos. As fundações da V República de Charles De Gaulle, construída em 1958, ruíram, com a expulsão nas urnas de suas principais forças partidárias - Republicanos, à direita, e Partido Socialista, à esquerda. Macron é o franco favorito para o segundo turno, em 7 de maio, mas terá de criar um partido para governar, algo que seu movimento Em Marcha não tem, e conquistar o apoio da direita moderada, o que não está assegurado.

Os mercados financeiros comemoraram a vitória parcial com alívio. O socialista Benoît Hamon (6,36 milhões de votos, 6,3% do total) e o republicano François Fillon (20%, 7,2 milhões de votos) conclamaram os franceses a votarem em Macron. As pesquisas, que acertaram o resultado, dão vantagem de mais de 60% para ele na próxima rodada nas urnas. O rompimento da União Europeia por um de seus núcleos, a França, tornou-se remoto.

Apostila | Fernando Pessoa

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.

Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...

Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.

Edu Lobo - O Trenzinho do Caipira