quarta-feira, 26 de abril de 2017

França derrota velhos partidos e dá um ultimato ao centro – Editorial | Valor Econômico

A vitória do candidato liberal independente Emmanuel Macron no primeiro turno, à frente da extrema-direita da Frente Nacional de Marine Le Pen, afastou de imediato o perigo de saída da França da zona do euro, mas deixou o sistema político francês em frangalhos. As fundações da V República de Charles De Gaulle, construída em 1958, ruíram, com a expulsão nas urnas de suas principais forças partidárias - Republicanos, à direita, e Partido Socialista, à esquerda. Macron é o franco favorito para o segundo turno, em 7 de maio, mas terá de criar um partido para governar, algo que seu movimento Em Marcha não tem, e conquistar o apoio da direita moderada, o que não está assegurado.

Os mercados financeiros comemoraram a vitória parcial com alívio. O socialista Benoît Hamon (6,36 milhões de votos, 6,3% do total) e o republicano François Fillon (20%, 7,2 milhões de votos) conclamaram os franceses a votarem em Macron. As pesquisas, que acertaram o resultado, dão vantagem de mais de 60% para ele na próxima rodada nas urnas. O rompimento da União Europeia por um de seus núcleos, a França, tornou-se remoto.


Mesmo assim, as tensões criadas pela globalização continuam a trazer mudanças de fundo. Donald Trump implodiu o jogo político de centro, onde a política americana era jogada, e chegou à Presidência. Os franceses rejeitaram os partidos tradicionais, incapazes de reverter a decadência econômica do país, uma crise econômica séria e um desemprego que parece permanente de dois dígitos.

As bruxas continuam à solta, porém. A Frente Nacional, de extrema direita, conseguiu arregimentar pela primeira vez mais de 20% dos eleitores, sua maior marca percentual, conquistando 7,68 milhões de votos. O esquerdista Jean-Luc Mélenchon quase derrota os republicanos, com 19,58% dos votos - 7 milhões de sufrágios. Com uma campanha moderna, Mélenchon teve média bem acima da nacional e chegou a primeiro colocado em Marselha, Grenoble, Le Havre, Montepellier e Lille. Ou seja, 41% dos franceses rejeitaram os partidos tradicionais nas urnas e optaram pelos extremos, diante de 24% que colocaram suas esperanças em um candidato que nunca concorreu a um cargo eletivo.

A clivagem entre os candidatos no segundo turno estão claras. Macron defende a União Europeia, um programa moderado de redução do Estado (demissão de 120 mil funcionários), redução de impostos em direção à média da UE (de 33% para 25%) e para empresas que contratem trabalhadores pouco qualificados. Macron não é avesso à imigração, com controle. Marine já divisou o que julga flancos vulneráveis do candidato novato. Qualificou-o de "fraco", de "candidato dos oligarcas", incapaz de deter o terrorismo islâmico e partidário da "globalização descontrolada". Ela defende a saída da UE, é avessa a acordos comerciais e favorável a limites à imigração, tarifas protecionistas e taxação de empresas que contratem mão de obra "não francesa".

Após décadas correndo da direita para a esquerda, e vice-versa, o eleitorado francês tenta uma saída pelo centro. A eleição legislativa de junho pode surpreender e ofertar boa bancada a Macron, diante de disputas intestinas nos partidos que foram humilhados nas urnas, como os socialistas e republicanos. Perto de chegar ao poder, Macron deve atrair bom número de políticos oportunistas. Mas é também provável que tenha que negociar, em posição de minoria, com legendas tradicionais que reinaram até agora.

A tarefa de Macron não é fácil. Em leitura clara, o maior partido francês, por votos, é hoje a Frente Nacional. O segundo, os Republicanos em baixa, tem um eleitorado em que parcela não desprezível tende para Le Pen. O grande empresariado apoia o liberal Macron e suas promessas de modernização das leis trabalhistas, abertura de mercado e libertação do jugo da histórica e pesada burocracia estatal. Com um programa moderado liberal e sem um partido dominante, o ex-executivo do banco Rothschild terá de encarar adversários imponentes, como os sindicatos, e a rejeição da esquerda e direita radical.

Macron terá provavelmente de governar saltitando da direita à esquerda em busca de acordos, para executar um programa de compromisso. É último biombo entre forças extremistas de direita e de esquerda em franca ascensão. Se finalmente vencer o segundo turno, terá de sepultar a quinta versão da República francesa, sem o apoio popular entusiasmado que a primeira obteve.

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