quarta-feira, 13 de março de 2019

Merval Pereira: Difícil de engolir

- O Globo

Tudo indica que a relação do crime organizado com a política foi exacerbada no Rio nos últimos tempos

Atese improvável de a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes não ter tido motivação política nem mandante, apenas pelo ódio de um miliciano à atuação da vereadora, faz a apresentação de novos dois suspeitos parecer uma peça de ficção. Uma versão difícil de engolir.

O delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios da Capital, que deu a coletiva de imprensa em que as investigações foram apresentadas, disse que não tem “a mínima ideia” se houve mandante, e qual sua motivação. É o mesmo que o miliciano Orlando de Curicica acusou de tê-lo coagido a confessar o crime em troca de proteção à sua família.

O governador Wilson Witzel, que liderou a entrevista, é o mesmo que, em comício em Petrópolis durante a campanha, aparece em um vídeo comemorando a destruição de uma placa com o nome da vereadora.

O mesmo também que, ao assumir o governo em janeiro, retomou velhas práticas políticas. Ao mesmo tempo em que colocava a segurança pública como prioridade, apoiando uma legislação que permita o abate de bandidos armados, atendia a pedidos políticos para nomear delegados e comandantes de batalhões, sistema que havia sido abolido pela intervenção militar na segurança pública do Rio, que se encerrou em dezembro.

Bernardo Mello Franco: Saber quem puxou o gatilho é só o começo

- O Globo

Mais importante que saber quem matou Marielle é identificar os mandantes do crime. O espetáculo de ontem deixou um cheiro de exploração política no ar

A prisão de dois acusados de matar Marielle Franco está longe de solucionar o caso. Mais importante que saber quem puxou o gatilho é identificar os mandantes do crime, que também tirou a vida do motorista Anderson Gomes. Pelo que se ouviu ontem, a Polícia Civil e o Ministério Público ainda vão demorar a apresentar respostas convincentes.

O delegado Giniton Lages, chefe da Delegacia de Homicídios, disse não ter “nem ideia” de quem ordenou a execução. “Hoje não sabemos se havia mandantes”, afirmou. Ele sugeriu que o ex-PM Ronnie Lessa, apontado como autor dos tiros, pode ter agido sozinho porque tinha “ódio a políticos de esquerda” e “resolvia diferenças ideológicas com violência”. Essa versão não combina com as características do crime nem com o perfil do acusado.

É difícil acreditar que um crime premeditado, que exigiu dias de planejamento, tenha como motivo uma mera antipatia pela vereadora. Além disso, Lessa era uma figura conhecida no submundo policial. Passou dos batalhões da PM para a guarda pessoal de um chefão do crime na Zona Oeste do Rio.

Bruno Boghossian: Coração das trevas

- Folha de S. Paulo

Para autoridades da intervenção na segurança do Rio, máquina política dá guarida a milícias

Em fevereiro, quando policiais chegaram aos endereços de 13 integrantes do Escritório do Crime, 8 deles já haviam fugido. A operação Os Intocáveis fora preparada com sigilo, mas os investigadores perceberam que alguém havia alertado a quadrilha de matadores de aluguel suspeita de assassinar Marielle Franco e Anderson Gomes.

A apuração das mortes da vereadora do PSOL e de seu motorista são uma aula sobre a blindagem que milícias e o crime organizado em geral recebem da máquina política e institucional do Rio. Por um ano, os autores do assassinato foram acobertados por uma estrutura que funciona até hoje dentro do poder público.

Autoridades federais que atuaram na intervenção na segurança do estado em 2018 encontraram uma rede para proteger milicianos e contraventores. O complô usava a força política para se perpetuar. Raul Jungmann, então ministro da Segurança, dizia que o mecanismo transformava o Rio no “coração das trevas”.

Ricardo Noblat: O Estado do Crime

- Blog de Noblat / Veja

Por que mataram Marielle

Enquanto não se souber quem mandou matar a vereadora Marielle Franco, e por que, a prisão dos executores do assassinato de pouco adiantará para dar início ao que de fato importa – o eventual desmanche do Estado do Crime. Pois foi isso o que se tornou o Estado do Rio de Janeiro.

O Brasil é um dos países campeões do mundo em número de homicídios. São mais de 66 mil por ano. O crime organizado está espalhado por toda parte. Mas foi no Rio que as facções criminosas e os grupos paramilitares chamados de milícias capturaram o aparelho do Estado.

Não existe o Estado de um lado e o Estado do Crime do outro. Os dois são uma coisa só. Cerca de 2 milhões e meio de cariocas vivem em regiões onde a presença do Estado do Crime se faz sentir de maneira avassaladora, permanente e cruel. Mas os demais não estão a salvo de suas consequências.

Ali, o Estado de Direito foi praticamente abolido. Há segmentos dele que ainda sobrevivem, embora cada vez mais enfraquecidos, minados por dentro. A reconstrução do Estado de Direito cobraria muito tempo e um preço que talvez o país, e especialmente os cariocas, não estejam dispostos a pagar.

É o que ouço há anos de autoridades federais da área de segurança pública. É o que a sucessão dos fatos parece demonstrar. O esclarecimento da morte de Marielle, por si só, infelizmente não significará muita coisa. Tristes tempos, estes, que custarão a passar. Se é que, um dia, de fato passarão.

Bolsonaro quer saber quem mandou matá-lo

Eles contra nós

Ninguém escolhe os pais que tem, nem os filhos, quanto mais os vizinhos. Mas presidente da República, os habilitados a votar escolhem. E também seus representantes no parlamento.

Bolsonaro, que à época do assassinato da vereadora Marielle Franco preferiu nada comentar a respeito, ontem, provocado por jornalistas, abriu a boca para dizer platitudes e mais uma grossa besteira.

A besteira, e tomara que fosse apenas uma besteira: ele disse que está interessado em saber quem encomendou sua morte ao pedreiro Adélio Bispo que o esfaqueou em Juiz de Fora.

Do seu ministro da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro já ouviu como resposta que Adélio agiu sozinho, por conta própria, e que o atentado não foi encomendado por ninguém.

Hélio Schwartsman: O capitão e o general

- Folha de S. Paulo

Vice, general Hamilton Mourão se tornou a voz da racionalidade na nova gestão

“Sempre aconselhei o meu pai: tem que botar um cara faca na caveira pra ser vice. Tem que ser alguém que não compense correr atrás de um impeachment.” Essas foram as palavras que Eduardo Bolsonaro, o filho trinigênito, usou em agosto para comentar a escolha do general Hamilton Mourão para compor a chapa presidencial com Jair Bolsonaro.

À época, o raciocínio fazia sentido. Mourão, afinal, poucos meses antes, fora exonerado do cargo que ocupava no Exército após dar declarações que soaram golpistas e não conseguia controlar a própria língua, envolvendo-se em sucessivas controvérsias. Desde que o governo teve início, porém, o quadro mudou.

Enquanto o general fez as pazes com seu superego e tornou-se a voz da racionalidade na nova gestão, o capitão parece ter perdido qualquer elo que já tenha tido com o bom senso e cria para si mesmo encrencas gratuitas dia sim, dia não.

Para ficarmos na Quaresma, depois do caso do “golden shower”, que ocorreu há apenas seis dias, Bolsonaro já disse que devemos ademocracia à boa-vontade dos militares e reproduziu uma mentira em suas redes sociais para atacar covardemente mais uma jornalista, desta vez Constança Rezende, do Estadão. Põe-se agora a arbitrar o conflito entre as alas olavista e militar no MEC. Duvido que termine bem.

Elio Gaspari: O governo tem rumo, o da crise

- Folha de S. Paulo / O Globo

A quitanda não tem troco, mas vende fiado emendas constitucionais

O professor Delfim Netto avisou que a partir do dia 2 de janeiro o governo precisaria abrir a quitanda todas as manhãs oferecendo beringelas e troco à freguesia. A quitanda tem oferecido encrencas, baixarias e tuítes. Se isso fosse pouco, o "Posto Ipiranga" de JairBolsonaro vende fiado três projetos de emendas constitucionais, daquelas que precisam de três quintos das duas Casas do Congresso. Pode-se até pensar que a da reforma da Previdência será aprovada. Qual? A que conseguir os três quintos.

Como se planejasse dificuldades, o ministro Paulo Guedes anunciou que pretende propor a desvinculação das despesas orçamentárias. Nova emenda constitucional. Tem mais. Uma medida provisória determinou que as contribuições sindicais não podem ser descontadas na folha de pagamento dos trabalhadores. Ótima ideia, porque a nobiliarquia do sindicalismo quer que os trabalhadores tenham todos os direitos, menos o de decidir se contribuem para suas guildas. O fim do desconto compulsório abalará todos os sindicatos, que bem ou mal, devem cuidar dos interesses dos trabalhadores. Para evitar esse colapso surgiu outra boa ideia, acabar com a unicidade que obriga que cada categoria tenha um só sindicato por município. Em tese, havendo competição, o sistema funcionará melhor. Para o estabelecimento da pluralidade será necessária uma terceira emenda constitucional.

Vistas separadamente, cada uma dessas propostas faz sentido. Juntas, coligam os interesses dos sindicalistas, dos marajás da Previdência às corporações da saúde ou da educação. Separados, esses blocos podem ser batidos. Juntos, até hoje estão invictos.

Há na pregação do ministro Paulo Guedes algo de José Wilker no comando da inesquecível caravana Rolidei do "Bye Bye Brasil" de Cacá Diegues. Quem viu o filme lembra que no seu momento de glória poética o Lord produziu o supremo símbolo da modernidade: neve.

Rosângela Bittar: As crises dos 70 dias têm a mesma origem

- Valor Econômico

O grau de improvisação do governo é muito alto

A grave crise que se instalou no Ministério da Educação, detonada por um fantasma que nem mora no Brasil, uma espécie de exterminador do presente, e amplificada por muitos fofoqueiros discípulos, culminou esta semana com a demissão de quase uma dezena de funcionários do MEC, mas preservou o ministro Ricardo Vélez, que quase foi junto. Ela tem a mesma origem de todas as crises políticas ocorridas nesses 70 dias de governo Bolsonaro.

É a mesma do Itamaraty, que apresentou seu enredo com a demissão do embaixador Paulo Roberto de Almeida, e tem exatamente a mesma motivação da crise do Palácio do Planalto, que resultou na primeira demissão de ministro neste governo, a de Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência. A razão de tudo é o desgoverno, o descompromisso, a ausência de autoridade, a falta de comando e completa ignorância em matéria de ideias sobre o que fazer em cada área. Uma fumaça rala, nenhum fato.

Quem souber onde o ministro colombiano, que lotou o ministério com estudantes de teologia do interior de Minas, São Paulo e Paraná, quer chegar, ganha a medalha do mérito educativo. A pasta que está sob sua responsabilidade tem problemas sérios, já diagnosticados e com início de superação, inclusive do ponto de vista legal, deixados prontos pelos antecessores. No entanto, ele não leva adiante o que encontrou. Qual o destino da reforma do ensino médio, há 20 anos em destaque entre os maiores problemas da educação do país? O que Vélez fará do Fies, além de desnudá-lo em uma promessa de Operação Lava-Jato da Educação que tem a pretensão de pegar de jeito os grandes conglomerados da área? O que os teólogos entendem de Prouni, de ensino básico, de aprendizagem infantil?

Não é isso que importa ao governo pelo que se evidenciou neste início.

O presidente Jair Bolsonaro continua a viver, como reiterou ontem, uma situação-fantasia. Diz que mantém um ministério técnico e que dá liberdade aos respectivos ministros para escolher suas equipes. Mas foi ele que determinou ao ministro Vélez a exoneração Ricardo Wagner Roquetti do cargo de diretor de programa da Secretaria Executiva do MEC. E foi por sua determinação também que o ministro da Justiça, Sergio Moro, foi obrigado a cancelar a nomeação da especialista em segurança pública Ilona Szabó para o cargo de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ou seja, o presidente participa ativamente das crises de comando que se instalaram na Esplanada a seus pés.

Vera Magalhães: Primeiros passos

- O Estado de S.Paulo

Começou a desanuviar o ambiente para o governo no Congresso. Nada que assegure, por ora, a maioria necessária para votar a reforma da Previdência – nem próximo disso, na verdade. Mas começa a ser debelado o franco mal-estar que havia, e que se traduzia na armação de arapucas para derrotar o Executivo em votações. Aconteceu no decreto do sigilo dos documentos, e outra mina terrestre foi armada nas emendas à medida provisória que reestruturou os ministérios. “Se votar hoje, o governo, como foi concebido por Bolsonaro, desmorona”, resumiu um veterano de Congresso.

Não será votada tão cedo, mas a MP, com todas as armadilhas, está lá, com prazo contando, como um lembrete. E o recado é que deputados e senadores querem saber do governo se ele os vê como aliados ou inimigos a serem exterminados. Não se trata da emenda “x” ou do cargo “y”, mas do princípio.

O que Rodrigo Maia levou a Bolsonaro na conversa que tiveram no fim de semana foi que os deputados temem que aprovem os projetos do governo num dia e, no seguinte, sejam “asfixiados” em suas bases, sem ter que prefeitos sejam atendidos pelos ministros, recursos sejam liberados, enfim, que tenham ferramentas para exercer os mandatos.

Bolsonaro demonstra começar a entender a necessidade de fazer política, mas ainda se mostra muito apreensivo com a quebra de discurso junto ao seu eleitorado mais radical. De certa forma, ainda é refém do discurso de campanha – que incorre diariamente no erro de reafirmar nas redes sociais.

Vinicius Torres Freire: A segunda grande guerra de Guedes

- Folha de S. Paulo

Ministro da Economia propõe outra reforma que vai causar muito conflito político

O ministro Paulo Guedes (Economia) quer acabar com a obrigação do governo de gastar nisso ou naquilo e de reajustar certas despesas. Para que tal medida revolucionária tenha algum efeito nas contas federais, o que deveria acontecer, na prática?

1) Fim do reajuste obrigatório de salários, aposentadorias etc.;
2) Demissão facilitada de servidores;
3) Corte em saúde e educação.

No caso de estados e municípios, não seria muito diferente, embora a parte maior da conta tenda a ficar com os funcionários públicos.

Guedes foi enfático. Disse ao jornal O Estado de S. Paulo que em breve vai mandar ao Congresso projetos a fim de implementar seus planos, de modo que os parlamentares sejam livres para alterar 100% do projeto de Orçamento (que é elaborado pelo Executivo, obedecidos montes de vinculações).

Goste-se ou não da ideia, na prática vai ser preciso comprar aquelas brigas listadas no início deste texto. Por quê?

Como já se escreveu aqui tantas vezes, 69,8% da despesa federal vai para Previdência (INSS) e salários de servidores. Outros 10,2% das despesas estritamente obrigatórias são picados em vários itens, de corte difícil, inviável ou impossível.

Na soma desses 10,2%, há o 1% do Fundeb, dinheiro enviado a estados e municípios para completar a verba da educação das crianças.

Há os 2,7% do seguro-desemprego. Outro 1% é gasto com sentenças judiciais. Mais 1% vai para as despesas de manutenção e investimento de Legislativo, Judiciário e Ministério Público.

Há 1,3% do abono salarial do PIS/Pasep, que o governo já pretende reduzir a quase nada por meio de uma emenda da reforma da Previdência.

Mais 1% vai para subsídios, muitos tão alegremente concedidos por deputados e senadores.

Tem 1% que é compensação pela redução da contribuição patronal para o INSS.

É fácil perceber onde está o filé a ser cortado. Para começar, reajustes de salários e Previdência.

Míriam Leitão: Os limites da desvinculação

- O Globo

Discutir a desvinculação do Orçamento do governo é crucial, mas a promessa do ministro Paulo Guedes de liberar R$ 1,5 trilhão é inviável

O projeto de desengessar o Orçamento é crucial para a União, estados e municípios. O país está ficando ingovernável pelo volume de destinação obrigatória. Mas prometer que os políticos terão controle sobre R$ 1,5 trilhão, como fez o ministro Paulo Guedes, é vender uma ilusão. Há despesas que permanecerão sendo obrigatórias, mesmo se for aprovado o fim das vinculações. Desse total do Orçamento, R$ 637 bilhões são pagamentos ao INSS e R$ 350 bilhões são despesas de pessoal. Além disso, há R$ 60 bilhões de Benefício de Prestação Continuada, e mais R$ 44 bilhões de custeio da máquina pública, que já sofreu muitos cortes nos últimos três anos de crise. Não será trivial mexer nessas despesas.

É preciso entender a importância da tarefa, mas não se vender terreno na lua. Primeiro: é fundamental enfrentar o problema do excesso de rigidez orçamentária. Vários economistas de candidaturas de pontos opostos do campo político defenderam isso nas últimas eleições. Segundo: não é verdade que os políticos poderão decidir sobre R$ 1,5 trilhão porque mesmo desvinculando eles não poderão, por exemplo, decidir não pagar aposentadorias e salários, entre outras diversas despesas.

O projeto, se for bem-sucedido, evitará que o Brasil bata contra um muro. E o país está indo velozmente na direção desse muro. No Orçamento de 2019, 90,4% são despesas obrigatórias. E vem crescendo ano a ano, reduzindo o espaço do executivo e do legislativo. Já há estados em que a soma dos gastos obrigatórios é maior do que a receita. Há muitas perguntas que precisam de respostas: em quais despesas é possível mexer? Como ampliar o espaço de decisão para os representantes eleitos? A desvinculação reduzirá as receitas destinadas para as áreas essenciais como saúde e educação?

Paulo Guedes não está sozinho. Outros economistas vêm alertando para isso há muito tempo. A diferença é que ele diz que vai propor, e agora, em abril. Em tese, o ministro está correto. Mas não pode parecer que num passe de mágica, com uma PEC de nome bonito, PEC do pacto federativo, tudo se resolverá. “Os deputados vão entender que, em vez de discutir R$ 1,5 milhão ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão do Orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados”, disse ele na entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo”.

Cristiano Romero: Estados: mais um custo da Nova Matriz

- Valor Econômico

Dilma levou economia para o período anterior ao tripé

Um dos maiores equívocos cometidos pela equipe econômica do governo Dilma Rousseff (2011-maio de 2016) foi liberar os governos estaduais do cumprimento de sua parte na meta fiscal do setor público consolidado (União, Estados e municípios). Desde a renegociação das dívidas dos Estados, em 1997, esses entes da Federação entregavam anualmente à União superávit primário de 1% do PIB. Não havia falha: em caso de inadimplência, o governo federal se apropriava de receitas próprias dos Estados.

A decisão foi tomada em 2013 e a justificativa para tamanha irresponsabilidade foi a tese de que os governadores teriam mais facilidade para investir do que a União, uma vez que não estão sob o escrutínio do TCU nem da imprensa. Liberados da obrigação em ano pré-eleitoral, governadores usaram a folga não para investir, mas para reajustar os salários dos funcionários públicos, relevantes formadores de opinião na sociedade. Em alguns casos, os vencimentos foram majorados em 50%. Esta é uma das principais explicações para a crise fiscal dos Estados, problema que agora terá que ser enfrentado às custas da maioria dos brasileiros, que, ao contrário dos funcionários, não têm estabilidade no emprego nem aposentadoria integral.

Em 2013, a "Nova Matriz Econômica" já fazia água. Eleita em 2010 graças à popularidade do então presidente Lula e ao sucesso inquestionável de seu governo na economia, Dilma mudou tudo ao fim do 8º mês de mandato. Antes, conspirou com um aliado para derrubar o principal representante de Lula em sua gestão - Antonio Palocci, chefe da Casa Civil e único defensor do arcabouço econômico que catapultou o ex-sindicalista à Presidência.

Sem Palocci, Dilma se viu livre para mudar a política econômica que, desde o início do segundo mandato de FHC, em 1999, ajudou a estabilizar a economia após o fim da âncora cambial vigente desde o lançamento do Plano Real, em julho de 1994. Com mais avanços do que retrocessos, aquele modelo, amparado no tripé metas para inflação, geração de superávits primários e câmbio flutuante, diminuiu a volatilidade do produto, dando maior previsibilidade aos agentes econômicos.

Monica De Bolle*: Moeda moderna?

- O Estado de S.Paulo

Vale refletir mais antes de se aventurar pelo terreno pantanoso da monetização do déficit público

No meio acadêmico aflora um debate interessante sobre a natureza da moeda, o escopo das políticas macroeconômicas, e a capacidade de os governos se endividarem com poucas consequências concretas. O debate sobre a natureza da moeda já está conosco há algum tempo, desde que se percebeu que a política de juros muito baixos que ainda prevalece passados mais de 10 anos da crise financeira global não gerou pressões inflacionárias como se imaginava. Já o debate sobre as consequências da dívida pública voltou à tona após a publicação de artigo de Olivier Blanchard, que, como eu, trabalha no Peterson Institute for International Economics. O autor argumentou recentemente que os governos – alguns governos, não todos – podem ter uma capacidade de endividamento maior do que imaginávamos sem que isso cause problemas indesejáveis, como uma crise fiscal.

Aqui nos EUA, há quem esteja tentando usar o argumento de Blanchard para justificar o que hoje se conhece pelo nome de Modern Monetary Theory, ou MMT. Simplificando a teoria ao seu núcleo básico, ela afirma que governos capazes de emitir a sua própria moeda não podem falir. Portanto, a única restrição que impediria governos de elevar gastos para expandir a demanda doméstica e o crescimento é a inflação. Para um país que conviveu com mais de duas décadas de inflações altas e hiperinflação, o conceito é para lá de estranho. Já para o caso atual dos EUA, em que os juros permanecem baixos e foram nulos durante boa parte do período pós-crise sem que disso resultasse qualquer pressão inflacionária, há razões para talvez repensar como funciona a política monetária. Dito isso, a MMT não parece o melhor caminho por alguns pecados originais contidos na própria teoria.

Mas, antes, devo dizer o que ela tem de bom ou correto. A MMT afirma que a política monetária é indissociável da política fiscal em economias que emitem moedas fiduciárias. Isso porque a moeda fiduciária é uma nota promissória emitida pelo governo: quando o governo imprime uma nota de 1 real, a nota em si nada vale, isto é, não tem valor intrínseco como teria uma moeda de ouro. A nota de 1 real emitida pelo governo sinaliza que o governo se compromete a redimir o detentor da nota a totalidade desse valor nominal. O detentor aceitará a nota desde que tenha a confiança de que o governo lhe pagará integralmente – de forma indireta – o valor prometido. Estabelecida essa relação de confiança entre o governo e os demais participantes da economia, a moeda pode então ser usada como unidade de conta – a unidade em que preços e salários são cotados – assim como meio de troca. Como o lastro da moeda é a crença na capacidade de pagamento do governo, a política monetária e a política fiscal são gêmeas siamesas.

Luiz Carlos Azedo: Os fantasmas de Marielle e Anderson

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense


“O presidente Bolsonaro vive aquela situação do devoto que quanto mais reza, mais assombração aparece”


Os fantasmas da vereadora Marielle Franco (PSL) e do motorista Anderson Gomes atormentam o clã Bolsonaro, por causa do envolvimento político e eleitoral com as milícias fluminenses. Por isso mesmo, não deixa de ser muito relevante a afirmação de Jair Bolsonaro no sentido de que as investigações cheguem aos mandantes do crime. Para a Divisão de Homicídios da Capital, porém, o caso é um crime de ódio, ou seja, estará resolvido com a punição dos dois acusados: o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz.

O presidente Bolsonaro vive aquela situação do devoto que quanto mais reza, mais assombração aparece. Ronnie foi preso em casa, no condomínio na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, onde o presidente também tem residência. Pra complicar, a filha de um dos assassinos namorou um dos seus filhos. Mera coincidência, disse a promotora que investiga o caso, Simone Sibílio, também coordenadora do Gaeco. Afinal, é muito comum o filho namorar a filha do vizinho.

“É possível que tenha um mandante. Eu conheci a Marielle depois que ela foi assassinada. Não a conhecia, apesar de ela ser vereadora lá com meu filho no Rio de Janeiro. E também estou interessado em saber quem mandou me matar”, disse Bolsonaro. Chegar aos mandantes do crime não é uma tarefa fácil, mas é uma necessidade para separar o joio do trigo e desfazer mal-entendidos. O presidente da República precisa exorcizar esses fantasmas, até porque o caso Marielle Franco pautou os debates na Câmara, ontem, com a oposição na ofensiva; e a base governista, baratinada.

A Operação Lume, que investiga o caso, tem possibilidades de puxar o fio da meada. Realizou 32 mandados de busca e apreensão contra os denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munição e outros objetos. Houve buscas em dezenas de endereços de outros suspeitos.

Prisões são passo importante para elucidar caso Marielle: Editorial / O Globo

Agora, polícia precisa avançar para identificar os mandantes e a motivação do assassinato

As prisões do policial militar reformado Ronnie Lessa e do ex-PM Elcio de Queiroz, durante a Operação Lume, da Polícia Civil, ontem de manhã, são um passo importante para esclarecer o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, crime que completa um ano amanhã.

Segundo investigadores, Lessa foi quem disparou os tiros contra Marielle e Anderson. E Queiroz dirigia o Cobalt que seguiu o carro da vereadora na noite de 14 de março de 2018, da Lapa ao Estácio. Além das prisões, policiais estão cumprindo mandados de busca e apreensão para ampliar as apurações.

Para chegar aos suspeitos, a polícia ouviu 230 testemunhas e analisou dados cadastrais de 33 mil linhas telefônicas, das quais 318 foram interceptadas.

O delegado Giniton Lages argumentou que o fato de os acusados terem permanecido o tempo todo dentro do carro dificultou as investigações, já que eles não puderam ser identificados por câmeras ou testemunhas. A participação de um agente público e de um ex-agente teria sido outro complicador.

Aliás, as investigações mostram que essas quadrilhas de milicianos merecem mesmo estar incluídas no plano do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, contra o crime organizado. Elas têm de ser enfrentadas. Só na casa de um amigo do PM Ronnie Lessa, a polícia encontrou 117 fuzis.

De qualquer forma, as prisões feitas ontem renovam as esperanças de que o crime seja finalmente esclarecido. É o que as famílias e a sociedade pedem desde o primeiro momento.

O caso Marielle Franco: Editorial / O Estado de S. Paulo

A prisão de dois suspeitos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco é importante desdobramento numa investigação que já se arrasta há um ano e que, por todo seu simbolismo, acirra os já crispados ânimos políticos do País. A solução desse rumoroso caso, que chocou e ainda choca os brasileiros, é imperiosa não apenas para esclarecer o crime em si, mas pela necessidade de desarmar os oportunistas que dele se aproveitam para seu proselitismo ideológico.

Contudo, até que haja certeza sobre a autoria do crime – e sobre quem mandou executá-lo –, é provável que continuem a abundar teorias as mais diversas, alimentando toda sorte de denúncias destinadas a comprometer este ou aquele adversário político, considerando que a vítima era vereadora do PSOL e ativista de direitos humanos. É preciso que haja tranquilidade e firmeza, por parte das autoridades, para conduzir as investigações a salvo dessas pressões.

O próprio perfil dos suspeitos presos ontem certamente será suficiente para alimentar muitas especulações sobre suas reais motivações. Segundo a Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro e o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), ligado ao Ministério Público, o autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foi o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, de 48 anos. O outro detido é o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, que estaria dirigindo o carro usado para emboscar Marielle.

A participação de dois policiais, conforme a denúncia, sugere ligação com as chamadas milícias – organizações criminosas formadas por policiais que aterrorizam favelas cariocas e que vêm ganhando poder político no Rio de Janeiro.

Lava Jato em xeque: Editorial / Folha de S. Paulo

Procuradores acertam em alertar para o risco de processos irem para a Justiça Eleitoral, mas erraram ao prever fundo

A Operação Lava Jato aproxima-se de seu quinto aniversário com poucos motivos para comemorar. Ao menos por enquanto, o período é de preocupação com o julgamento marcado para esta quarta (13) no Supremo Tribunal Federal.

Acionada pela Procuradoria-Geral da República, a mais alta corte do país precisará dizer, de uma vez por todas, a quem cabe julgar crimes comuns (como corrupção e lavagem de dinheiro) quando cometidos em conexão com delitos eleitorais (como caixa dois).

Sem uma definição explícita, o STF tem remetido todos esses casos para a esfera da Justiça Eleitoral —e a própria experiência se encarrega de atestar que essa opção se traduz, passe o trocadilho, em deslavada impunidade.

Não por acaso, membros do Ministério Público Federal entendem que está em jogo o futuro do combate à corrupção. Para eles, o Supremo deveria manter no âmbito eleitoral apenas os desvios tipicamente relacionados aos pleitos.

Existem boas razões para isso. Criada em 1932, a Justiça Eleitoral brasileira encarrega-se de regular os processos de votação. Seus juízes atuam de dois a quatro anos nessa esfera e com frequência acumulam funções. Ademais, entre os julgadores há advogados e cidadãos não especializados.

União faz mais um plano para socorrer os Estados: Editorial / Valor Econômico

O ajuste fiscal do novo governo, que começa pela reforma da previdência, terá de encontrar uma forma de contemplar a delicada situação financeira dos Estados. Há um projeto pronto para isso, o Plano de Equilíbrio Fiscal, que, mais uma vez, colocará algum dinheiro novo à disposição dos governadores, condicionados a exigências de aperto nas contas. Não se conhecem os detalhes do plano, em especial, de onde sairá o dinheiro. O plano, além de dar algum alívio financeiro aos Estados, também é uma necessidade política - os Executivos estaduais podem ter alguma (não muita) influência sobre as bancadas que votarão as mudanças na previdência.

A história dos socorros aos Estados é um relato de fracassos e sucessos parciais. Sem a renegociação das dívidas e a Lei de Responsabilidade Fiscal - e antes deles, a privatização dos bancos estaduais - o Plano Real não teria conseguido debelar a inflação. Planos de estabilização na Argentina, por exemplo, malograram porque foram incapazes de colocar freio nas despesas dos Estados.

A reestruturação das dívidas, às custas do Tesouro, e a LRF sobreviveram por mais de uma década, período em que a economia brasileira deslanchou. Diante de políticas desastrosas, como a da presidente Dilma Rousseff, e de pavorosa recessão, as fragilidades dos mecanismos institucionais vieram à tona. Na prática, nenhuma das penalidades previstas para quem descumprisse a lei foi aplicada. Os Tribunais de Contas, que deveriam fiscalizar as finanças estaduais, abdicaram de seu papel, quando não contribuíram ativamente para a deterioração das contas.

O aparente equilíbrio foi mantido por muito tempo porque o crescimento da economia, logo das receitas estaduais, tornava mais fácil o cumprimento dos parâmetros da lei, como o do endividamento em relação à receita líquida total e o teto para os gastos com pessoal em relação às receitas. Quando veio a recessão, após o governo Dilma ter autorizado Estados que não tinham rating adequado a se endividar mais, o panorama financeiro que se descortinou era desanimador. No período de alta do ciclo econômico, os Estados incharam a folha de pagamentos, contando, além disso, com espertezas contábeis. No período de baixa do ciclo, bateram diretamente às portas do Tesouro, mas sempre relutando em aceitar programas de ajustes recomendados.

Polícia prende 2 por morte de Marielle e busca mandante

PM e ex-policial são acusados de executar vereadora e motorista; para MP, crime teve motivação política

Roberta Jansen Fabio Grellet / O Estado de S. Paulo

O PM reformado Ronnie Lessa e o exPM Élcio Vieira Queiroz foram presos ontem no Rio, acusados de assassinar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. A dois dias de o crime completar um ano, a polícia ainda busca o mandante e a motivação para o ataque. “Isso será respondido em uma segunda fase”, disse o delegado Giniton Lages, responsável pela investigação.. 

Para o Ministério Público, Marielle foi assassinada por motivação política. Presos durante a madrugada, Lessa e Queiroz foram denunciados por homicídio qualificado e tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado. O governador Wilson Witzel levantou a possibilidade de os acusados fazerem delação premiada. Jair Bolsonaro disse ser “possível” haver mandantes. A polícia também cumpriu 34 mandados de busca e apreensão. Em um deles, na casa de um amigo de Lessa, foram apreendidos 117 fuzis, maior volume da história do Rio.

Dois dias antes de a execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes completar um ano, a Polícia Civil prendeu ontem dois acusados de participação direta no crime: o PM reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, e o ex-PM Élcio Vieira Queiroz, de 46. Lessa teria sido o autor dos disparos. Queiroz teria dirigido o carro que levava o assassino. Ainda não se definiram possíveis mandantes e a motivação.

“Essas questões serão respondidas na segunda fase (da investigação)”, afirmou o delegado Giniton Lages, responsável na Delegacia de Homicídios pelo caso. Ele limitou-se a dizer que “foi um crime de ódio, com motivação torpe”. Para o Ministério Público do Rio, Marielle foi morta por sua atuação política. Lessa e Queiroz foram denunciados pelo homicídio qualificado de Marielle e Anderson e pela tentativa de homicídio de Fernanda Chaves, assessora da vereadora que também estava no carro e escapou viva do ataque.

Polícia prende dois suspeitos do assassinato de Marielle

PMs são presos sob suspeita de matar vereadora Marielle Franco

Morte da vereadora do Rio de Janeiro completará um ano no dia 14

Lucas Vettorazzo, Ana Luiza Albuquerque / Folha de S. Paulo

RIO DE JANEIRO - A Polícia Civil do Rio prendeu na manhã desta terça-feira (12) dois suspeitos de participarem do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), dois dias antes de o crime completar um ano, em 14 de março. Ambos são ligados à Polícia Militar.

Às 5h, uma equipe reduzida composta de integrantes da Delegacia de Homicídios e do Ministério Público do Rio cumpriu mandados de prisão em endereços dos suspeitos: o policial militar reformado Ronnie Lessa, 48, e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, 46. Ambos negam participação no crime.

Segundo a denúncia, Lessa disparou os tiros que mataram Marielle, e Queiroz dirigiu o carro que interceptou a vereadora, de onde partiram os disparos.

O delegado titular da Delegacia de Homicídios do Rio, Giniton Lages, disse em entrevista coletiva que as investigações do caso, ocorrido há 363 dias, ainda estão no início. Mas a segunda fase já foi deflagrada, com a expedição de ao menos 34 mandados de busca e apreensão que visam determinar se há mandantes para o crime e qual a motivação exata do assassinato.

Na mesma entrevista, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), declarou que Lessa e Queiroz poderão receber uma oferta para fazerem delação premiada.

Mônica Benício, viúva de Marielle Franco, disse à Folha que considera a operação um passo importante nas investigações, mas lamentou que ainda não haja respostas a respeito de eventuais mandantes.

"Não basta prender mercenários, é importante saber quem mandou articular tudo isso e qual foi a motivação", afirmou, acrescentando que, apesar da lentidão das investigações, mantém a esperança de que essas respostas cheguem.

"O Brasil hoje deve satisfação ao mundo. Não há, para mim, a possibilidade de isso não ser respondido. Não é só pela preservação da memória da Marielle, mas pela garantia da nossa democracia."

Na versão apresentada pela polícia, o carro de onde foram feitos os disparos começou a se movimentar na região da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, às 17h24. O carro utilizado no crime, segundo a investigação, é clonado e foi movimentado pela última vez em dezembro. A próxima fase também deverá avançar na responsabilização dos envolvidos na clonagem.

O veículo seguiu para a Tijuca, zona norte, e às 19h09 estacionou próximo ao local onde a vereadora participava de uma palestra, na Lapa.

Polícia prende acusados de matar Marielle, mas não aponta mandantes

Dupla detida pode fazer delação premiada; MP suspeita de motivação política para o crime

Uma operação da polícia e do Ministério Público prendeu o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz, acusados de serem os assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, crime que completa um ano amanhã. Segundo a denúncia, Lessa deu os tiros, e Queiroz dirigiu o carro. Os investigadores afirmam que há provas robustas contra a dupla. Embora não se descarte ter sido um crime de ódio, o delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios, disse que a descoberta de possíveis mandantes fica para uma “segunda fase” do trabalho. Na denúncia, o MP afirma que Marielle morreu “em razão da atuação política”. De acordo com o governador Wilson Witzel, os dois detidos, que negam envolvimento, podem fazer delação premiada.

RESPOSTA PELA METADE

SUSPEITOS DE EXECUÇÃO DE MARIELLE E ANDERSON SÃO PRESOS, MAS POLÍCIA NÃO DIZ SE HÁ MANDANTE

Chico Otavio e Vera Araújo / O Globo

Quem mandou matar Marielle Franco? A operação que resultou, ontem, na prisão de dois acusados de executarem o crime trouxe informações à tona, mas não respondeu à pergunta e ainda pôs em dúvida um possível crime encomendado. Sabe-se, agora, que há indícios de que o sargento reformado da PM RonnieL essa, de 48 anos, atirou na vereador a do PSOL e no motorista Anderson Gomes; e de que Élcio Vieira de Queiroz, de 46, expulso da corporação em 2015, dirigiu o Cobaltus a do no ataque. Entre as hipóteses levantadas pela polícia está ade crime de ódio, motivado por uma aversão dos supostos autores abandeiras da esquerda. No entanto, os perfis e o patrimônio dos suspeitos indicam que algo maior pode estar por trás da ação.

Realizada por volta das 4h, a chamada Operação Lume (uma referência à localidade do Centro onde Marielle prestava contas à população sobre seu mandato) contou com dois mandados de prisão e 36 de busca e apreensão. Entre os endereços visitados por equipes da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público está uma mansão de Lessa no condomínio Vivendas da Barra, o mesmo onde Jair Bolsonaro tem uma residência — investigadores, no entanto, não estabeleceram qualquer relação entre o presidente da República e o caso. O imóvel é incompatível com os vencimentos de um sargento da reserva. Para os investigadores, o ex-PM recebia dinheiro para cometer assassinatos: ele seria integrante do grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime. Trata-se de uma quadrilha que age a serviço de contraventores e milicianos, e que, por me iode pagamentos de propina, contaria coma proteção departe da polícia
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MAIOR APREENSÃO DE FUZIS
Agentes usaram até detectores de metais para vasculhara mansão de Lessa. Buscaram fundos falsos, tiraram telhas e entraram numa caixa-d’água. Apreenderam documentos e computadores, mas foi na casa de um amigo dele, no Méier, que encontraram uma possível prova de seu envolvimento com atividades criminosas: um paiol com 117 fuzis desmontados — foi a maior apreensão desse armamento já feita no estado. O dono do imóvel disse que, sem saber, guardava o arsenal (que incluía silenciadores e cerca de 500 projéteis), para o PM da reserva, que também vai responder por tráfico de armas.

‘PASTOR CLÁUDIO’ MEMÓRIAS DE UM EX-MATADOR

Documentário estreia amanhã com depoimentos fortes de ex-delegado assassino de nove vítimas da ditadura. Ao GLOBO, ele diz que, se antes ‘tirava vidas, hoje recupera’ com trabalho evangélico

Fabiano Ristow / Segundo Caderno / O Globo 

Cláudio Guerra analisa cada uma das fotografias de vítimas da ditadura que são projetadas diante dele. “Esse foi executado por mim”, diz ele, casualmente, apontando para um rosto. “Já esse aqui foi incinerado por mim.” O olhar, impassível, avança sobre outras imagens. “Esse aqui também.”

É assim, com frieza chocante, que o homem assume ter executado pelo menos nove e queimado o corpo de 12 pessoas ligadas a movimentos de esquerda durante o período em que trabalhou como delegado e agente do SNI (Serviço Nacional de Informações) e do Dops do Espírito Santo, nos anos 1970. O depoimento é registrado no documentário “Pastor Cláudio”, que estreia amanhã após ser exibido em competição no Festival do Rio, em 2017.

Durante pouco mais de uma hora, Guerra relembra, em entrevista a Eduardo Passos, psicólogo e ativista de direitos humanos, os assassinatos e desaparecimentos pelos quais foi responsável. Chega a simular o momento em que deu um tiro à queima-roupa em Nestor Vera, integrante do Partido Comunista Brasileiro. O jornalista estava preso a um pau-de-arara, “mais morto do que vivo”.

“Esse me marcou. Ele estava ajoelhado. Atirei em sua cabeça. Foi um gesto de misericórdia”, descreve Guerra. Éa única vez durante o documentário que ele admite ter sentido pena. As outras execuções, afirma, foram “atos impessoais”. Estava, afinal, apenas “cumprindo ordens”.

Pablo Neruda: Castro Alves do Brasil

Castro Alves do Brasil, para quem cantaste?
Para à flor cantaste? Para a água
cuja formosura diz palavras às pedras?
Cantaste para os olhos para o perfil recortado
da que então amaste? Para a primavera?

Sim, mas aquelas pétalas não tinham orvalho,
aquelas águas negras não tinham palavras,
aqueles olhos eram os que viram a morte,
ardiam ainda os martírios por detrás do amor,
a primavera estava salpicada de sangue.

- Cantei para os escravos, eles sobre os navios
como um cacho escuro da árvore da ira,
viajaram, e no porto se dessangrou o navio
deixando-nos o peso de um sangue roubado.

- Cantei naqueles dias contra o inferno,
contra as afiadas línguas da cobiça,
contra o ouro empapado do tormento,
contra a mão que empunhava o chicote,
contra os dirigentes de trevas.

- Cada rosa tinha um morto nas raízes.
A luz, a noite, o céu cobriam-se de pranto,
os olhos apartavam-se das mãos feridas
e era a minha voz a única que enchia o silêncio.

_ Eu quis que do homem nos salvássemos,
eu cria que a rota passasse pelo homem,
e que daí tinha de sair o destino.
Cantei para aqueles que não tinham voz.
Minha voz bateu em portas até então fechadas
para que, combatendo, a liberdade entrasse.

Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro
torna a nascer para a terra livre,
deixam-me a mim, poeta da nossa América,
coroar a tua cabeça com os louros do povo.
Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens.
Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.

Simone - O amanhã