A austeridade pura e dura perde, mas resta o problema de como financiar os
Estados
Dois eventos do fim de semana demonstram que a Europa está entalada não
apenas em uma crise econômica, mas também política e até anímica. Primeiro, a
eleição francesa. Perde o presidente identificado com a rígida política de
austeridade imposta pela Alemanha.
Segundo, a queda do governo holandês, forçada pela extrema direita que dava
apoio externo a uma coligação de liberais e democrata-cristãos. A extrema
direita rejeita a austeridade e por isso descolou-se dos partidos que querem
ampliá-la.
Falando apenas da França, Andrés Ortega, um dos mais lúcidos analistas
espanhóis, escreve para "El País": "O resto dos europeus devemos
agradecer por estas eleições: entrou na campanha a necessidade de que a Europa
tenha uma política de crescimento, e não só de austeridade. Está se abrindo
caminho para a ideia (...) de que a austeridade cega e bruta não assegura
crescimento, mas o contrário, e ao final obrigará a mais austeridade e
condenará à depressão".
De fato, o primeiro colocado na França, o socialista François Hollande, foi
claro ao defender a tese de que a disciplina fiscal é, sim, necessária, mas é
também insuficiente (na verdade, é daninha) se não houver crescimento.
Hollande repetiu no domingo que vai defender a mudança do pacto fiscal
europeu para incluir crescimento, além da austeridade.
Com essa tese, ficou em primeiro lugar. Mas é preciso levar em conta que os
candidatos antissistema (a extrema direita, a esquerda de Jean-Luc Mélenchon e
candidatos nanicos) levaram algo em torno de 35% dos votos, mais que Hollande
(28,6%).
Dá para entender esse labirinto quando se considera que a gestão Sarkozy foi
a evidência de que a austeridade nem produz crescimento nem está reduzindo
deficit e dívida. O crescimento médio do quinquênio foi inferior a 1% ao ano; o
desemprego pulou para 10%, o mais alto em 12 meses; a dívida passou de 64,8% do
Produto Interno Bruto para 86,2%; e o deficit foi para 5,7%, quase o dobro dos
3% que são o teto autorizado pelo tratado que instituiu o euro.
Fica então combinado que austeridade, por si só, não está dando resposta nem
às angústias do eleitor nem aos temores do mercado de que a dívida fique
impagável.
O problema é que estimular o crescimento, como parece pedir o eleitor, custa
caro, ainda mais que é preciso manter o Estado de Bem-Estar Social de que a
Europa se orgulha -e com razão.
O Estado francês não consegue, desde 1974, cobrir o que gasta apenas com o
que arrecada. Precisa tomar dinheiro nos mercados, que, obviamente, cobram
mais.
O diferencial entre o que a França paga para rolar sua dívida na comparação
com o padrão que é a Alemanha passou de praticamente zero em 2006 para 1,90
ponto percentual em novembro, quando a crise grega ardia, caiu para 1,41 ponto
na semana passada, mas subiu ontem para 1,54.
Se os mercados continuarem a votar na contramão do voto dos eleitores contra
a austeridade pura e dura, o labirinto europeu ficará ainda mais complexo, como
dito aqui mesmo há uma semana.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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