"Uma das lições que Hitler deixou é como, às vezes, é estúpido ser
inteligente." Eis uma frase de Adorno e Horkheimer que os franceses
deveriam meditar. Os filósofos de Frankfurt aludiam a essas explicações
articuladas e cheias de dados que provavam, de maneira absolutamente
convincente, a impossibilidade dos nazistas chegarem ao poder na Alemanha.
Em 2002, após o resultado das eleições francesas que colocou a extrema
direita de Jean-Marie Le Pen no segundo turno, lembro-me de ouvir explicações
da mesma natureza.
Um professor universitário amigo demonstrava, por exemplo, que o problema
todo fora a inépcia do governo socialista em marcar eleição em época de feriado
escolar, o que teria aumentado a abstenção dos professores.
Como no caso de Adorno e Horkheimer, ninguém queria ver o óbvio, a saber,
que havia uma enorme faixa de eleitores racistas, xenófobos dispostos a, agora,
falar em voz alta. Faixa que devia ser combatida como prioridade política
número um, em vez de "analisarmos sem preconceitos".
Exatos dez anos depois, um fenômeno semelhante acontece. Agora, a França é o
país europeu que tem a extrema direita mais forte (17,9% para sua candidata,
Marine Le Pen).
No entanto esse número é muito maior, já que seu presidente, Nicolas
Sarkozy, é daqueles que não sente dor no coração quando mobiliza os sentimentos
mais baixos da população (como a islamofobia, a caça a ciganos e os discursos
sobre "o homem africano que não entrou na história").
O verdadeiro objetivo maior dessa eleição era retirar a Frente Nacional da
posição de definidor da pauta do debate político. O único candidato que
compreendera isso foi o esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que levou uma batalha
solitária contra os temas da extrema direita e em favor de uma sociedade
mestiça. Ele chegou a aparecer em terceiro lugar nas pesquisas, mas perdeu
fôlego na reta final.
A razão para tal esgotamento lança luz sobre a estupidez da inteligência. Um
dos traços maiores dessa eleição foi a exposição da inutilidade dos intelectuais.
Em vez de insistir na importância de retirar a Frente Nacional da cena
política, os mais midiáticos se deleitaram em atirar contra Mélenchon e seus
traços "jacobinos" (como o fez Michel Onfray e os verdes) ou fazer
pregação suicida pelo voto nulo (como o fez Alain Badiou), como se estivéssemos
em 68, com suas brigas entre a esquerda libertária, os comunistas e a miríade
de grupelhos.
Com isso, os intelectuais de esquerda só serviram para desmobilizar e fazer
vista grossa diante de uma catástrofe anunciada. Prova de que a inteligência é
sempre a última a ver o abismo. Há de perguntar quem precisa de inteligência
parecida.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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