O ex-presidente Lula teve longa tertúlia com Dilma e o vice-presidente Michel Temer começou a ouvir cada deputado do PMDB. A aliança PT-PMDB enfrenta sua mais grave crise
Na noite de anteontem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma conversa de quatro horas com a presidente Dilma Rousseff. Deixou o Palácio da Alvorada às 23h. Pouco transpirou dessa a conversa — a primeira, presidencial, depois de três semanas — exceto o fato de Lula estar preocupado com os rumos da coalizão governista. Ao longo do dia de ontem, o vice-presidente Michel Temer recebeu, individualmente, dezenas de deputados do PMDB, avaliando a disposição de cada um em relação ao governo. Não há dúvida de que a aliança entre os maiores partidos da coalizão que apoia Dilma vive sua mais grave crise desde a eleição da petista — e já contamina outros partidos da base.
No fim de março, em entrevista ao jornal Valor Econômico, Lula afirmou que, para a reeleição de Dilma, o PT não poderia trincar a aliança com o PMDB. Depois disso, vieram os problemas na economia, as manifestações de junho e a reação dos peemedebistas e de outros aliados às iniciativas unilaterais de Dilma, como as propostas de constituinte exclusiva e o plebiscito. Tudo isso diluído num caldo de reclamações sobre a coordenação política e o mau atendimento de pleitos dos deputados, que engrossou depois da eleição do deputado Eduardo Campos (RJ) como líder da bancada peemedebista na Câmara, na qual tem uma aguerrida tropa de choque. Em maio, na votação da MP dos Portos, Cunha decidiu medir forças com o Planalto e acabou derrotado em oito votações.
O cristal trincou e para evitar que a jarra quebre de vez é que Temer deflagrou a atuação psicanalítica, aparentemente por conta própria, não a pedido da presidente. Antes de falar com Temer, cada deputado ouviu do assessor político do vice-presidente, o ex-ministro Eliseu Padilha, o pedido para que respondesse a um questionário, no qual são perguntados sobre indicações feitas para cargos no governo, liberação de emendas e questões eleitorais no estado de origem. Muitos deles, entretanto, disseram não ter respondido a todas as perguntas por considerá-las intempestivas. No fim, a pergunta crucial: você apoiaria a reedição da chapa Dilma-Temer para a eleição presidencial de 2014?
“Como vou responder, se nem sabemos se ela será mesmo candidata?”, disseram dois deputados à coluna. Lembrados de que ela já foi lançada como tal pelo PT, dizem que, depois dos protestos de junho e da queda nos índices de aprovação do governo, a candidatura será reavaliada até pelo próprio PT, que não correrá o risco de mantê-la na disputa com apenas 30% de aprovação. A conversa de cada um com Temer foi rápida (a procissão continuará hoje) e previsível: queixas de Dilma, do governo e do PT, especialmente o da Câmara, onde os petistas, sob o comando do deputado Ricardo Berzoini (SP), conseguiram impedir anteontem, na Comissão de Orçamento, que o PMDB aprovasse o Orçamento impositivo.
Na outra ponta da corda
Entre os interlocutores de Dilma, a crise com o PMDB é comentada quase sempre com uma pergunta: “O Eduardo Cunha e seu grupo querem ir para a oposição? Se quiserem, terão que assumir isso e racharão novamente o PMDB”. Isso porque, no Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-presidente José Sarney (PPMDB-AP) e outros notáveis também trabalham, como Temer, para reduzir a temperatura. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-AL), como devedor de Eduardo Cunha pelo apoio à eleição para o cargo, vem tendo comportamento ambíguo. Foi o principal coveiro da proposta de plebiscito para a reforma política, mas, com Renan, aceitou a proposta de Dilma para que nenhum dos vetos antigos seja derrubado, o que criaria problemas fiscais para o governo.
Na era Fernando Henrique, o PMDB era cindido entre um grupo que apoiava o governo e outro que votava com a oposição. Assim foi também na primeira fase do governo Lula, que, em 2006, negociou a pacificação do partido e seu ingresso no governo. Embora existam peemedebistas falando até em “declaração de independência” em relação ao Executivo (supostamente precedida da entrega dos ministérios e de demais cargos), o mais provável é que prevaleça agora, com uma Dilma enfraquecida, a velha ambiguidade, com Eduardo Cunha liderando uma fração oposicionista.
Dilma já foi ao fundo do poço e agora começará a recuperar a popularidade, dizem os governistas, lembrando que o recesso vem aí, que no segundo semestre não estão previstas votações dramáticas, exceto a do Orçamento, e que 2014 será engolido pela campanha. Ou seja, ela não teria, daqui para a frente, tanta dependência do apoio parlamentar do PMDB. Tal como Cunha, ela também está esticando a corda. Mas, para ser candidata, precisará do partido inteiro, e não da metade.
Esses artistas…
Se conhecessem o Congresso, os artistas que obtiveram do Senado a rápida aprovação da nova regra de direitos autorais teriam feito a mesma pajelança anteontem na Câmara. “Tantas estrelas foram ao Senado, aqui não apareceu nem um violeiro”, disse o deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA). Resultado: a Câmara mexeu no projeto, que voltará ao Senado para nova votação.
Outros artistas
Dilma agora balançará a bandeira: tentou a reforma política com plebiscito, o Congresso a rejeitou. O PSDB apresentou outra proposta de reforma, reiterando sua necessidade. A elite do Congresso, entretanto, seguirá fingindo que fará uma reforma. Assim não fosse, o prazo dado à comissão especial seria de 45, não de 90 dias.
Fonte: Correio Braziliense
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