• Ex-governador fluminense tentou unir dois modelos da política brasileira
- O Globo
RIO - O trabalhismo e a social-democracia são modelos que marcaram a política brasileira nas últimas décadas. Em várias situações ao longo da História, seus interesses entraram em conflito. Ao assumir o governo fluminense, em 1994, Marcello Alencar tentou juntar as duas vertentes. Experimentou conciliar o choque de gestão pregado pelos tucanos com o forte apelo popular do trabalhismo. Criou um trabalhismo social-democrata.
- Ele construiu um PSDB adaptado à realidade fluminense. Queria dar carne ao esqueleto do partido. Foi bem-sucedido nisso, mas fracassou pela impossibilidade do convívio entre os dois modelos. São correntes de difícil convivência - explica Marly Silva da Motta, do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas.
O advogado Marcello Nunes Alencar, que faria 89 anos em 23 de agosto, trabalhou na Subchefia da Casa Civil do presidente Getúlio Vargas, nos anos 50, e foi procurador-geral do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC) no início da década de 60. O cargo o aproximou do então presidente João Goulart, que tinha contato estreito com o meio sindical.
Mais tarde, em 1966, obteve seu primeiro cargo eletivo como suplente do senador Mário Martins, no antigo Estado da Guanabara. Atuou como intermediário entre os estudantes e o governo durante as manifestações de protesto em 1967 e 1968, o que lhe valeu a cassação dos direitos políticos em 7 de fevereiro de 1969, com base no Ato Institucional número 5 (AI-5). Foi preso duas vezes, ficando no total 180 dias detido.
Depois de uma temporada nos Estados Unidos, onde atuou como jornalista nas Nações Unidas, Marcello voltou ao país na primeira metade dos anos 70. Com a anistia, em 1979, e a volta de Leonel Brizola do exílio, foi um dos primeiros a trabalhar pela recriação do PTB, sigla perdida para a deputada Ivete Vargas, o que levou Brizola a criar o PDT.
Brizola deu a ele a Prefeitura em 1983
Em março de 83, aceitou o convite de Brizola, eleito governador um ano antes, para a presidência do Banerj. Em novembro, foi nomeado para substituir Jamil Haddad na prefeitura do Rio — curiosamente, fora reserva do antecessor no time de basquete do Flamengo campeão carioca de 1948. O prefeito era então indicado pelo governador (a eleição direta foi estabelecida em 85). Em 1 de janeiro de 1986, passou o cargo ao prefeito escolhido nas urnas, Saturnino Braga (PDT).
Voltou à prefeitura em 88, desta vez eleito. Sua divergências com Brizola começaram quando o governador, de volta ao cargo em 1991, lançou a radialista e deputada Cidinha Campos como candidata do PDT à prefeitura, contra a vontade de Marcello, que preferia seu secretário de Obras, Luiz Paulo Corrêa da Rocha. As divergências culminaram com a entrada, em 93, de Marcello e de seu grupo no PSDB, então sem expressão no estado. Sua filiação foi prestigiada por líderes nacionais do partido, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Ciro Gomes e Tasso Jereissati.
Em 94, ganhou a eleição para o governo derrotando no segundo turno Anthony Garotinho, do PDT. Foi favorecido pelo Plano Real e pela eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, que levou o PSDB a conquistar o “triângulo das Bermudas” (Rio, São Paulo, com Mário Covas, Minas, com Eduardo Azeredo).
- Ficou evidente a dificuldade de um trabalhista executar um programa social-democrata que significava privatizar, reduzir máquina pública. Havia um certo embaraço — diz Marly.
Marcello não conseguiu eleger seu candidato à prefeitura do Rio em 96, o então deputado Sérgio Cabral Filho, que mais tarde se filiaria ao PMDB, tornando-se desafeto político de Marcello. A eleição daquele ano foi vencida por Luiz Paulo Conde, impulsionado pelo prestígio do ex-prefeito Cesar Maia — como Alencar, um ex-pedetista, que se filiara ao PFL.
Defendeu a emenda da reeleição, que permitiu a Fernando Henrique disputar o segundo mandato em 1998. Mas desistiu de tentar o mesmo, segundo se comentou na época, desestimulado pela impopularidade e por problemas de saúde. Indicou pelo PSDB Luiz Paulo Corrêa da Rocha, que nem chegou ao segundo turno, quando Anthony Garotinho derrotou Cesar Maia.
Em 2000, no segundo turno da eleição municipal, como presidente de honra do PSDB fluminense, esqueceu antigas divergências e reuniu-se com Cesar, que acabou derrotando seu antigo aliado Conde. O PSDB acabou liberando o voto de seus filiados, mas Marcello deixou clara sua preferência ao dizer que Garotinho, que apoiou Conde, era um perigo para o Brasil.
Uma isquemia cerebral em maio de 2002, que deixou sequelas na fala e na locomoção, antecipou o fim da carreira eleitoral do ex-governador Marcello Alencar. Aos 76 anos, quatro depois de deixar o Palácio Guanabara, ele se preparava para se candidatar ao Senado e articulava o lançamento do então prefeito de Duque de Caxias, José Camilo Zito, para o governo do estado.
O ex-governador, embora não tenha disputado mais eleições, vinha mantendo o controle sobre o PSDB no estado na última década. Depois de provocar a saída de Denise Frossard em 2004, quando resolveu apoiar a reeleição de Cesar Maia, ele irritou o ex-senador Artur da Távola ao lançar Eduardo Paes à sucessão de Rosinha Garotinho. A decisão impediu uma nova aliança com o PFL de Cesar, que se juntou à chapa da juíza.
- Como Brizola, Marcello não gostava de sombra. O PSDB fluminense foi criado a semelhança de Marcello, muito centrado em seu líder. Isso reproduz um pouco da matiz trabalhista, totalmente diferente da social democracia paulista — comentou a professora Marly Motta.
O ex-governador Marcello Alencar morreu nesta madrugada. O ex-governador era carioca de Botafogo. Deixa viúva a segunda mulher.
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