terça-feira, 10 de junho de 2014

De olho na bola e na inflação

• Com os preços ainda mais altos por causa do Mundial, brasileiros vão preferir torcer em frente à TV, segundo pesquisa da CNC. Supermercados preveem aumento nas vendas.

Aline Salgado – Brasil Econômico

A Copa do Mundo no Brasil para a maioria dos brasileiros será pela TV, no sofá de casa. De olho na inflação, que chegou aos 6,37% no acumulado dos últimos 12 meses em maio — segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IP-CA) —, os torcedores preferiram optar por assistir aos jogos em casa e gastar muito pouco ou nada com lazer. É o que mostra pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), que coletou as intenções de consumo para os 31 dias de Mundial de 18 mil brasileiros em todas as capitais e no Distrito Federal e respectivas regiões metropolitanas do país em maio.

Segundo o levantamento, a maioria dos entrevistados — 74,4% — disse que não vai viajar e 54,5% não pretendem gastar com lazer durante os jogos da seleção. O barateamento das televisões, que baixou 4,5% em maio, segundo o IBGE, ajudou nessa escolha, mas foi o encarecimento da alimentação fora de casa o elemento determinante. Nos últimos 12 meses encerrados em maio, a alimentação fora do domicílio registrou alta de 10,09% em seus preços, enquanto os alimentos e bebidas ficaram 7,67% mais caros.

Não é à toa que a maioria das pessoas ouvidas pela CNC (53,4%) disse que vai preferir comer em casa durante os jogos. "Independente da faixa de renda, as famílias vão dar prioridade à comida dentro do domicílio. O que revela uma clara noção de que a inflação está pegando nos serviços", diz Fábio Bentes, economista da CNC.

"Alimentar-se em casa está mais barato. Quem mora em cidade-sede já percebeu essa pressão nos preços por causa dos jogos, um efeito comum a todos os países que sediaram Copa e Olimpíadas. Quem vem de fora, no entanto, não tem como fugir, mas o consumidor local tem como adotar estratégias", completa Bentes.

Nessa escalada de fuga dos preços altos, quem ganha é o varejo de alimentação. De acordo com o último balanço da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), as vendas reais de abril tiveram expansão de 10,29% em comparação a 2013. Há um ano, o setor tinha sofrido queda de 3,84% no seu faturamento. A expectativa para 2014 é de um crescimento de 3% em comparação ao ano anterior, que teve um aumento de 5%. A Copa será essencial para essa expansão.

"Estamos otimistas, embora ainda não tenhamos condições de quantificar esse aumento nas vendas porque há muitas décadas não temos uma Copa no país. Mas a expectativa é que grande parte do consumo seja pontual, feito na véspera dos jogos. Em algumas categorias, são esperadas vendas fortes, como cerveja e refrigerantes, carnes e salgadinhos", afirma Sussumu Honda, presidente do Conselho Consultivo da Abras.

Segundo o executivo, o varejo vem se preparando para uma alta no movimento mesmo com as paradas para os jogos em função da instituição de feriados e pontos facultativos nas cidades-sede. "Para abocanhar esse movimento de véspera, as grandes redes devem funcionar normalmente e devem parar apenas para os jogos e reabrir logo depois", completa Honda.

O setor de bares e restaurantes também se prepara para atrair os torcedores. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a estimativa é que o setor vá faturar 30% a mais do que no mesmo período do ano passado e até 70% a mais em dias de jogos do Brasil. Mas, segundo a pesquisa da CNC, a tendência é de que os bares e restaurantes tenham mais turistas do que nativos. De acordo com o levantamento, apenas 24,2% dos brasileiros das capitais escolheram assistir aos jogos nesses ambientes.

Para Paulo Solmucci Junior, presidente executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), há um excesso de pessimismo que deve se dissipar quando os jogos da seleção começarem. "Não tem como a Copa não ser boa para o setor, a menos que tenham manifestações. Estamos bastante otimistas. O empresário vive um aperto de rentabilidade nos últimos meses, ganhar dinheiro está mais difícil porque o segmento vem tendo pressões grandes com mão de obra, impostos e aluguel. A margem do setor sumiu, mas o faturamento está bom. Historicamente a Copa, é ótima para o nosso setor", avalia Solmucci Junior.

A confiança de que o Mundial vá trazer excelentes resultados para o setor, no entanto, não é unânime. Parte dos empresários está receoso com a perda de faturamento em função dos feriados e ponto facultativos nos municípios e estados das cidades-sede da Copa, o que levaria a uma redução direta no movimento.

"Apenas os bares e restaurantes que estão em zonas turísticas da cidade, como a Zona Sul, é que devem se beneficiar. Mas os polos comerciais localizados no Centro e nas zonas Norte e Oeste devem perder bastante, pois não terão o movimento do almoço, visto que a partir do meio-dia muitos trabalhadores serão liberados do serviço. O prejuízo será muito além dos 10%", aponta Darcilio Junqueira, superintende do Sindicato dos Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio).

Outro setor que prevê perder com a Copa é o comércio e parte do segmento de serviços não ligado ao turismo. Com lojas fechadas no meio da tarde, perde-se grande parte do faturamento. "O histórico recente das Copas mostra que o Mundial não é tudo isso para o comércio e serviços. Há setores que perdem, como combustíveis, farmácias, prejudicados pela queda na movimentação em função da redução dos dias úteis" observa Fábio Bentes.

Ainda assim, para o economista, o evento deve ajudar a trazer melhores resultados para o PIB do segundo semestre. "O consumo das famílias vai crescer, o que deve estimular um resultado melhor do PIB no próximo trimestre do que os 0,2% do primeiro trimestre. Mas será um efeito diluído", enfatiza Bentes.

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