quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Propina virou doação oficial ao PT, diz delator

'Doação ao PT era propina'

• Executivo da Toyo Setal diz que doou R$ 4 milhões ao partido entre 2008 e 2011 após ganhar contrato

Cleide Carvalho e Renato Onofre – O Globo

SÃO PAULO - O PT recebeu parte da propina cobrada de fornecedores da Petrobras por Renato Duque, ex-diretor da área de Serviços, a empreiteiras na forma de doação oficial para o partido. Somente num único contrato, fechado pela estatal com o consórcio Interpar - formado pelas construtoras Mendes Junior, SOG Óleo e Gás e MPE Engenharia -, foram depositados cerca de R$ 4 milhões na conta do partido. A informação foi dada por Augusto Ribeiro Mendonça Neto, um dos dois executivos da Toyo Setal que negociaram acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. Segundo Mendonça Neto, os depósitos foram feitos entre 2008 e 2011 pelas empresas PEM Engenharia, SOG e Setec Tecnologia.

Na prestação de contas do PT à Justiça Eleitoral, entre 2008 e 2011, há doações feitas pelas empresas mencionadas por Mendonça Neto num total de R$ 3,6 milhões. A maior parte, cerca de R$ 2,6 milhões, entrou no caixa do partido via Setal Engenharia e SOG Óleo e Gás. A Setec Tecnologia doou R$ 500 mil em 2010, mesmo valor da contribuição da PEM, no mesmo ano.

Corrupção também na Infraero
Mendonça Neto também disse ter notícia de comissão cobrada na obra do aeroporto de Brasília, em 2002, licitada pela Infraero. Disse que a MPE foi subcontratada pela construtora Beter. Um sócio da Beter teria contado que teria de pagar comissão e que o pagamento foi negociado por Carlos Wilson Rocha de Queirós Campos, presidente da Infraero no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O dinheiro que chegou ao PT foi desviado de obras da Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), no Paraná, cujo contrato de R$ 2,4 bilhões foi firmado em 2008. Segundo Mendonça Neto, o valor total da propina alcançou entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões. Houve duas negociações. Uma com José Janene (PP), que representava a diretoria de Abastecimento e havia indicado Paulo Roberto Costa. Outra com Renato Duque e Pedro Barusco Filho, da diretoria de Serviços, que, segundo Costa, representava o PT. Para Janene, foram R$ 20 milhões, distribuídos pelo doleiro Alberto Youssef.

Duque e Barusco levaram entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões. Segundo o executivo, foi Duque quem mandou doar a quantia ao PT. Para isso, Mendonça Neto diz ter se encontrado em SP com João Vaccari Neto, o tesoureiro do partido. Vaccari teria dado a orientação, mas não foi informado de que o dinheiro seria doado por ordem de Duque.

Emissário de Duque se chama "Tigrão"
Mendonça Neto detalhou como foi feita a distribuição do dinheiro. Segundo ele, parte chegava em dinheiro vivo em seu escritório na Chácara Santo Antonio, em SP, num carro-forte, e era entregue a emissários de Duque. O principal deles era "Tigrão", descrito como um homem em torno de 40 anos, moreno, altura entre 1,70m e 1,80m e "meio gordinho". Também foram feitas entregas a outros homens, como "Melancia" e "Eucalipto".

A terceira forma de pagamento foram depósitos em contas no exterior, indicadas por Duque e Barusco. Os depósitos internacionais ficaram a cargo de Júlio Camargo, outro executivo da Toyo Setal, que disse ter depositado R$ 12 milhões para a dupla e citou a offshore Drenos, na Suíça. Mendonça Neto disse que a única conta que conhece de Duque e para a qual fez depósitos chama-se Marinelo.

A conta Marinelo foi usada por Mendonça Neto para pagar a Duque mais de US$ 1 milhão de propina da obra Cabiúnas 3, de 2011. Segundo ele, Duque pediu R$ 20 milhões, mas dois parceiros do consórcio - Promon e Shanska - não aceitaram.

Foi paga então apenas a parte da SOG Óleo e Gás. O depósito na Marinelo foi feito por uma conta do executivo no Safra Panamá. O valor pago a Duque acabou sendo reembolsado pelo consórcio em reais, por meio da empresa Energex, no valor de R$ 3 milhões.

Para justificar a saída do dinheiro na contabilidade do consórcio Interpar foram feitos contratos de falsas prestações de serviços com as empresas Legend, Soterra, Power, SM Terraplanagem e Rockstar. A Rock Star foi uma das duas empresas - a outra é a JSM Engenharia e Terraplenagem - que receberam R$ 49,1 milhões do esquema do empresário Fernando Cavendish, da Delta, e do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Mendonça Neto afirmou que também as outras empresas intermediárias eram as mesmas do esquema da Delta.

Propina no Uruguai, na Suíça e em Hong Kong
Mendonça Neto contou que a negociação com Janene era dura e suas demonstrações de poder, "relevantes". Afirmou ter sido ameaçado e intimidado. Contou ainda ter pago propinas em obras das refinarias Paulínia (Replan) e Henrique Lage (Revap), incluindo aditivos. Na obra da Replan, as negociações, feitas com Duque e Janene, tiveram propina de R$ 20 milhões. Os ganhadores foram Mendes Junior, SOG Óleo e Gás e MPE.

O executivo Júlio Camargo também admitiu nos depoimentos, prestados entre 31 de outubro e 3 de novembro, pagamento de R$ 35 milhões em propina a Duque e Barusco em contas na Suíça e no Uruguai, incluindo o repasse da Interpar. Para Youssef, foram feitos depósitos em contas em Hong Kong. E reafirmou o pagamento de US$ 40 milhões a Fernando Soares, o Fernando Baiano, que intermediou a construção de duas sondas com a área de Internacional, então comandada por Nestor Cerveró.

Camargo também confirmou pagamento em espécie a emissários de Duque - os mesmos citados por Mendonça Neto. Ele disse ainda que o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, e o executivo da Odebrecht Márcio Farias comandaram diretamente o pagamento de propina de uma das obras do Comperj, sem detalhar valores.

Camargo disse ter feito doações a 11 partidos políticos entre 2008 e 2012, mas diz que não representaram repasse de propina de obras da Petrobras. Ele doou R$ 4,255 milhões no período, dos quais R$ 2,655 milhões foram para o PT. O segundo maior valor, R$ 500 mil, foi para o PTB.

O executivo disse que desconhecia o cartel, que Mendonça Neto disse ter atuado até a saída de Duque da diretoria de Serviços da Petrobras. (Colaboraram Sérgio Roxo e Silvia Amorim)

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