Sem reconhecer os erros do primeiro mandato nem o fracasso de seu "modelo" desenvolvimentista, a presidente Dilma Rousseff acaba de prometer um novo estilo de gestão para os próximos quatro anos - com mais juízo e mais cuidado com os fundamentos da economia. A promessa foi formulada em carta lida pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em evento do banco J. P. Morgan para investidores.
Convidada para a reunião, a presidente preferiu mandar um representante para ler seu pronunciamento. O objetivo da mensagem é semelhante ao da Carta ao Povo Brasileiro, assinada em 2002 pelo candidato Luiz Inácio Lula da Silva: conquistar a confiança do mercado. Mas as circunstâncias são diferentes.
O candidato Lula precisava renovar sua imagem, mostrar-se moderado e razoável e neutralizar o velho discurso petista, eliminando o temor de um calote contra os credores da dívida pública e de uma administração irresponsável. A carta da presidente Dilma Rousseff, reeleita há pouco mais de um mês, é uma promessa de bom comportamento de quem já exerceu o poder por quatro anos e criou uma herança maldita para seu segundo mandato.
O tempo foi curto para a celebração da vitória eleitoral. Logo foi preciso deixar em segundo plano a retórica de campanha para cuidar de problemas imediatos e muito graves. Permanecia o risco de rebaixamento do crédito soberano pelas agências de classificação. As contas públicas em frangalhos forçavam o governo a pedir ao Congresso a anulação da meta fiscal de 2014. Tudo apontava para mais um ano, pelo menos, de indicadores internos e externos muito ruins.
Conquistar confiança seria o primeiro desafio - passo indispensável para ganhar tempo e estimular o empresariado a assumir novos riscos e a investir. O lance inicial foi apontar como líder da equipe econômica um nome respeitado e confiável para o mercado, o economista Joaquim Levy, indicado para o Ministério da Fazenda.
A carta lida na reunião do J. P. Morgan reproduz, como compromisso presidencial, a estratégia esboçada na semana anterior pelos futuros ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central (BC). O texto vai além, no entanto, da promessa de promover um ajuste fiscal e de combater com rigor a inflação - e esse detalhe foi especialmente valorizado pelos analistas.
A nova política, segundo a carta presidencial, deverá incluir uma importante regra orçamentária. O governo tentará adequar o ritmo de crescimento do gasto público à taxa de expansão da economia. É uma regra elementar e só se deveria descumpri-la em situações muito especiais, quando há evidente insuficiência da demanda agregada. Não há nada parecido com isso, hoje, nem houve, nos últimos quatro anos, embora o governo ignorasse ou menosprezasse esse detalhe.
A nova equipe, segundo a carta, cuidará da "elevação gradual, mas estrutural, do resultado primário da União, de modo a estabilizar e depois reduzir a dívida bruta do setor público em relação ao PIB". Também essa passagem avaliza o roteiro apontado pelo futuro ministro da Fazenda: o superávit primário deverá chegar a 1,2% do PIB em 2015 e pelo menos igualar 2% em 2016 e 2017. Uma novidade importante em relação ao discurso habitual é a referência à dívida bruta. É esse o indicador mais importante para os formuladores da política, nos países mais maduros. Mas a retórica dos governantes brasileiros tende a valorizar a dívida líquida, um conceito, no caso do Brasil, muito duvidoso por causa da natureza dos créditos contabilizados a favor do Tesouro.
Mas nem tudo na carta indica uma efetiva mudança de perspectiva. O texto menciona os "efeitos externos do lento crescimento mundial" e a redução dos preços das commodities. A situação externa ainda é apontada, numa evidente mistificação, como a grande fonte de problemas. Além disso, o governo, segundo a presidente, manteve a inflação "dentro do intervalo estabelecido" - como se a meta fosse qualquer ponto até 6,5%. A promessa de seriedade é bem-vinda, mas a presidente terá de provar na prática a sinceridade de sua conversão.
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