Joaquim Levy terá, ou não, autonomia para levar à prática – como ministro da Fazenda e líder da equipe responsável pela política econômica do próximo governo – os objetivos (que antecipou ao ser anunciado para o cargo) voltados à ampla e séria reorientação dessa política, a partir do saneamento das contas públicas, gravemente deterioradas nos últimos anos? Sua escolha, bem como a possibilidade de que venha a contar com as condições necessárias para implementação das medidas vinculadas a esses objetivos, foram bem recebidas, de pronto, pelo mercado financeiro, por expressivas lideranças empresariais, pelos principais veículos da mídia e pela maioria dos analistas. Escolha que, segundo editorial da Folha de S. Paulo, de domingo último, com o título “Desafios da nova equipe”, representou o reconhecimento do fracasso da “malfadada experiência intervencionista do primeiro mandato de Dilma Rousseff”. A dúvida que segue dificultando ou limitando a maior finalidade dessa escolha – a recuperação da confiança dos investidores internos e externos – é a incerteza, predominante, a respeito da autonomia que Levy terá de fato, na gestão do ministério e no comando da equipe econômica.
O exercício dessa autonomia dependerá, primeiro, do Palácio do Planalto, da presidente e do seu estado maior (a partir do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante). E, num plano mais amplo, das reações políticas e sociais às medidas do ajuste fiscal a ser empreendido. Necessariamente bastante restritivas em face do descalabro das contas públicas decorrente da referida “malfadada experiência”, e dos demais efeitos da chamada matriz macroeconômica heterodoxa: estagnação das atividades produtivas básicas com queda dos investimentos, inflação e juros elevados e, por fim, retração do consumo, desemprego, aumento da criminalidade. Quanto à própria Dilma, sua rendição ao imperativo de uma guinada ortodoxa da política econômica – aceita sob forte pressão do pragmático ex-presidente Lula – poderá não resistir a tais reações, entre elas as de um PT empenhado em recuperar a representatividade social em processo de esgotamento. Nessa hipótese, passando a interferir em ações do ministro da Fazenda, ou desautorizá-las.
Por outro lado, uma base parlamentar governista dividida, desarticulada, ademais de dar espaço a contestações ao ajuste, poderá bloquear decisões legislativas essenciais ao seu encaminhamento. E a tais reações se juntarão as de diversos segmentos empresariais afetados por restrições do ajuste, promovidas no contexto de uma economia estagnada. Outro obstáculo que a equipe econômica e o Palácio do Planalto terão pela frente será o de uma oposição fortalecida no Congresso e socialmente. A qual, com uma postura política e institucionalmente legítima, associará o custo das restrições fiscais e da estagnação da economia ao populismo, ao aparelhamento estatal e ao intervencionismo do primeiro governo de Dilma. E tudo isso com um risco de complicação adicional, bem à frente no começo do segundo governo dela: os desdobramentos do petrolão – de seus efeitos econômicos negativos e, politicamente, do potencial de implicações perigosas para a sucessão de governos petistas.
Voltando ao risco de retirada do respaldo de Dilma ao ajuste fiscal, um fator relevante que poderá evitá -lo – assegurando a manutenção do respaldo presidencial pelo menos ao longo de 2015 – será a influência de Lula sobre ela. Influência que, mantida e continuando a ser predominante, seguirá baseando-se no mesmo cálculo político-eleitoral que forçou os convites da presidente reeleita aos dirigentes do Bradesco para o ministério da Fazenda, dos quais resultou a escolha de Joaquim Levy: o de que só com uma guinada ortodoxa será possível um reequilíbrio macro e microeconômico, por mais custoso que possa ser, seguido de uma recuperação da confiança dos investidores no governo, “virada” indispensável à viabilidade do projeto de sua volta ao poder em 2018. “Virada” semelhante à da “Carta aos Brasileiros”, adotada por recomendação de Antonio Palocci para conter e reverter o enorme “risco Lula”, na campanha eleitoral do PT em 2002. Cujo radicalismo levaria o candidato a uma possível derrota e, no caso de vitória, a um governo praticamente inviável.
Jarbas de Holanda é jornalista
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