As tarefas que os meios de comunicação de massa haveriam de cumprir nos sistemas políticos estruturados em termos de Estado de direito foram resumidos por Gurevitch e Blumler nos seguintes termos:
“1. Vigilância sobre o entorno sociopolítico, informando sobre os desenvolvimentos que provavelmente repercutiriam, positiva ou negativamente, no bem-estar dos cidadãos;
2. uma boa configuração da ordem do dia, identificando os assuntos chaves de cada dia, incluindo as forças que lhe deram forma e que têm capacidade resolvê-los;
3. plataformas para uma defesa inteligível e iluminadora das questões, por parte quer dos políticos, quer dos porta-vozes de outras causas e dos porta-vozes de grupos de interesse;
4. diálogo ao largo de todo um variado espectro de pontos de vista, assim como entre as pessoas que ocupam posições de poder (na atualidade ou prospectivamente) e o público em geral;
5. mecanismos que façam com os que ocupam ou já ocuparam cargos públicos prestem conta de como têm exercido seu poder;
6. incentivos que impulsionem os cidadãos a aprender, a escolher, a envolver-se e não a limitar-se simplesmente a seguir e olhar o processo;
7. uma resistência de princípio às tentativas por parte de forças externas aos meios de comunicação de subverter a independência,a integridade e sua capacidade de servir ao seu público;
8. um sentido de respeito a cada membro do público, em tanto que potencialmente concernido e capaz de buscar e dar um sentido ao que vê no seu entorno político”.{1}
Em conformidade com tais princípios orientam-se, por um lado, o código profissional do jornalismo e a autocompreensão ética do jornalismo como estamento profissional e, por outro, a organização de uma imprensa livre por meio de um direito concernente aos meios de comunicação.{2}
Em consonância com a concepção da política deliberativa: esses princípios não fazem outra coisa que expressar uma simples ideia regulativa: os meios de comunicação de massa hão de entender-se como mandatários de um público ilustrado, cuja disposição ao aprendizado e capacidade de crítica pressupõem, invocam e ao mesmo tempo reforçam; de modo similar à Justiça, hão de preservar sua independência em relação aos atores políticos e sociais; hão de fazer seus de forma imparcial as preocupações, os interesses e os temas do público e, à luz desses temas e contribuições, expor o processo político a uma crítica reforçada e a uma coerção que o impulsione a legitimar-se.
Assim, ficaria neutralizado o poder dos meios e ficaria bloqueada a transformação do poder administrativo ou do poder social em influência político-publicística. De acordo com esta ideia, os atores políticos e sociais só deveriam ‘utilizar’ a esfera da opinião pública na medida em que propiciassem contribuições convincentes para o tratamento dos problemas que tenham sido percebidos pelo público ou tenham sido incluídos na agenda pública com o assentimento deste.
Também os partidos políticos deveriam implicar-se na formação da opinião e vontade do público a partir da própria perspectiva deste, em lugar de tratar de influir sobre o público desde a perspectiva da manutenção do próprio poder político, não indo à esfera pública a outra coisa que extrair dele lealdade de uma população reduzida a massa.{3}
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Notas
{1} M. Gurevitch e G. Blumler, “Political communication Systems and Democratic Values”, in J. Lichtenbert (ed.), Democracy and the Mass Media, Cambridge, 1990, pp. 161 ss.
{2} Os princípios para um “pluralismo regulado” dos meios de comunicação de massas in J. B. Thompson, Ideology and Modern Cultures, Cambridge, 1990, p. 270.
{3} Uma “filosofia dos meios” similar é a que defende J. Deane, The Media and Democracy, Cambridge, 1991.
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[Cf. J. Habermas, Factibilidad y validez, Madri, ed. Trotta, 2000].
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