• Não se pode atribuir a crise anunciada do setor elétrico apenas à falta de chuvas. Os governos Lula e Dilma plantaram essa crise com extrema competência
Há uma crise anunciada no sistema elétrico brasileiro. Razões climáticas, sem dúvida, estão entre as principais causas, pois a matriz elétrica do país está calcada no aproveitamento de quedas d’água. Se, por um lado, esse aproveitamento fez com que o Brasil seja uma das nações que menos contribuem para o efeito estufa na geração de eletricidade, por outro é um sistema que vem se mostrando mais vulnerável em um quadro climático adverso, com índices pluviométricos muito aquém das médias históricas nas regiões que abrigam as bacias hidrográficas que abastecem os principais reservatórios do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
No entanto, não se pode culpar apenas a má vontade de São Pedro pela crise anunciada. As autoridades ignoraram essa possibilidade ao banir dos investimentos a construção de novas hidrelétricas capazes de armazenar água exatamente para enfrentar anormalidades. A pretexto de evitar a formação de grandes lagos que possam ter impactos sociais e sobre o meio ambiente, a legislação só passou a admitir construção de hidrelétricas a fio d’água, que são aquelas que somente utilizam a vazão natural dos rios. Nos períodos de cheia, podem atingir seu potencial, mas nos meses de pouca chuva chegam até a ser desligadas.
Com isso, a única opção para se “armazenar” energia passou a ser a instalação de usinas térmicas, que utilizam combustíveis fósseis não disponíveis no Brasil. Poluem e geram uma energia cara, mas se tornaram indispensáveis. Mesmo que não funcionem, as usinas térmicas precisam ser remuneradas para serem mantidas como reserva das hidrelétricas.
O governo Lula — com Dilma Rousseff à frente do setor, em Minas e Energia e na Casa Civil — esboçou um modelo tarifário que ignorou esse novo desenho da matriz elétrica. E no seu primeiro mandato, a presidente Dilma deixou o setor em polvorosa ao promover uma demagógica redução de tarifas, a pretexto da renovação de concessões de hidrelétricas ditas amortizadas. O populismo tarifário desfigurou ainda mais um modelo com muitas falhas. Com raras exceções, as empresas do setor elétrico perderam capacidade de investimento, o que se reflete no atraso de obras em curso, que poderiam ser bem úteis hoje, na escassez de energia. O Tesouro precisou injetar dezenas bilhões de reais no setor, ampliando o desequilíbrio das finanças públicas sem que ao menos a questão financeira pudesse ser equacionada.
Diante de uma conjuntura que se aproximava do caos, Dilma felizmente resolveu ouvir seu novo ministério, e a política de populismo tarifário foi abandonada. O preço da eletricidade passará a ter uma relação direta com o aumento dos custos de geração, transmissão e distribuição. O consumidor sentirá no bolso agora o efeito retardado da demagogia político-eleitoral. E, como na crise de 2001-2002, acabará fazendo sua parte, ajustando o gasto da energia com o orçamento doméstico. É o que o próprio governo deveria ter feito, e não fez, deixando a situação chegar onde chegou.
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