quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Desaceleração econômica põe em risco os avanços sociais – Editorial / Valor Econômico

Enquanto o governo comemorava a redução da desigualdade e da pobreza constatada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2014, era inevitável pensar no retrocesso que esses números devem mostrar neste ano, como resultado da forte desaceleração do nível de atividade, fruto dos erros da política econômica. A pesquisa foi feita em setembro, antes do primeiro turno das eleições presidenciais, quando o governo ainda pisava no acelerador dos incentivos econômicos, que começaram a ser retirados após a abertura das urnas.

Tanto a desigualdade quanto a pobreza diminuíram nos últimos anos principalmente por causa da melhoria do mercado de trabalho, que agora vem dando sinais de perda de vitalidade. A Pnad de 2014 constatou o 10º ano seguido de redução da concentração de renda no trabalho medida pelo índice de Gini, que caiu de 0,495 em 2013 para 0,490 no ano passado - quanto mais perto de zero menor a desigualdade. Em dez anos, a queda foi de 10% em comparação com o índice de 0,545 de 2004.

Mas os números trouxeram também três indicadores preocupantes. A desigualdade pela renda do trabalho aumentou na normalmente dinâmica região Sudeste, muito dependente da indústria, que já antecipava a desaceleração da produção e recuo da oferta de trabalho, o que afetou principalmente o ganho dos mais pobres. O índice de Gini subiu na região Sudeste de 0,475 para 0,478 entre 2013 e 2014. O rendimento do trabalho continuou a subir no ano passado, embora com clara desaceleração em relação aos anos anteriores. A renda avançou em termos reais 0,8%. Em 2013, o aumento da renda tinha sido de 3,9%. Em 2012, esse ganho foi de 5,5%, depois de alta de 8,1% em 2011.

Relacionado a tudo isso, está o aumento do desemprego de 6,7% para 6,9%, a maior taxa desde 2010. Houve aumento da oferta de trabalho, mas a procura por emprego foi maior, ampliando o número de desempregados, principalmente no Sudeste. O que vem acontecendo no mercado de trabalho neste ano já indica mais deterioração, que pode ser constatada em outros índices. A Pnad Contínua mostrou desemprego de 8,7% no trimestre encerrado em agosto em comparação com 6,9% um ano antes; e a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que envolve apenas seis regiões metropolitanas, estava em 7,6% em setembro frente a 4,9% em setembro de 2014. Especialistas preveem que, no ritmo atual, os índices de desemprego chegarão a dois dígitos no próximo ano.

A importante redução da pobreza conquistada nos últimos anos também está em risco com o cenário econômico de desaceleração. Depois de ter aumentado em 2013, o número de pobres e da população considerada em pobreza extrema voltou a cair em 2014, qualquer que seja o critério utilizado. Para a melhoria desse indicador contribuíram não só o mercado de trabalho, mas também o reajuste do Bolsa Família, os efeitos do programa Benefício de Superação da Pobreza e a maior eficiência do governo em atingir a população necessitada.

A Pnad de 2014 também registrou sem causas satisfatoriamente explicadas o aumento do trabalho infantil, pela primeira vez em dez anos. Mas essa não foi a única contradição escancarada pela pesquisa. O acesso a serviços públicos, por exemplo, avança timidamente. A parcela de casas com água encanada passou de 84,6% para 85,4%, e a rede coletora de esgoto chegou a 63,5% dos domicílios, praticamente sem progresso em relação aos 63,4% de 2013. Enquanto isso, apenas 4,38 milhões de lares não contavam com telefone, graças à expansão da telefonia celular, que também está se tornando o acesso preferencial à internet.

Mas a contradição mais nefasta revelada pela Pnad 2014 é na área de educação, que seria o caminho seguro para uma contínua redução da desigualdade por meio da melhor qualificação e maior produtividade da mão de obra. A pesquisa mostrou que o número de analfabetos em 2014 era de 13,2 milhões de pessoas com 15 anos ou mais, o equivalente a 8,3% da população, praticamente estacionado em comparação com os 13,3 milhões de 2013. O analfabetismo funcional, considerado pelo IBGE como a parcela de pessoas com 15 anos ou mais de idade e com menos de quatro anos de estudo, afligia 17,6% da população. Além disso, o percentual de jovens de 15 a 17 anos na escola está estagnado em 84,3% há três anos. O que melhorou nessa área foi o aumento de 77,4% para 82,2% das crianças de 4 a 5 anos na escola.

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