quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Míriam Leitão:Bagunça fiscal

- O Globo

No governo ou fora dele, ninguém sabe ao certo para onde estão indo as contas públicas. Em 2015, o rombo, como já se sabe, pode chegar a R$ 120 bilhões. Para 2016, o Congresso recebeu aquele orçamento com déficit e tenta encontrar formas de aprovar um conjunto com equilíbrio sem contar com a CPMF. Enquanto isso, as projeções de recessão aumentam, o que significa uma arrecadação menor.

O governo contava com recursos da repatriação de capital não declarado no exterior. A Câmara alterou o projeto, abrindo várias brechas pelas quais poderia passar dinheiro ilegal. Isso foi em parte corrigido pelo esforço de alguns parlamentares. Mas foi tirada do texto a proposta de que o dinheiro financiasse um fundo para ajudar na negociação da reforma do ICMS. Assim, uma ideia importante e que ajudaria uma reforma necessária foi abandonada.

A CPMF inicialmente seria temporária e para financiar a travessia desse atoleiro fiscal. O governo retirou a proposta, depois voltou com ela com um percentual menor, mas com a ideia inaceitável de que o dinheiro fosse usado para cobrir rombo da Previdência. Ora, para isso deveria ser feita uma reforma da Previdência.

O governo não fez a reforma como deveria fazer e aprovou o projeto do 85/95 progressivo que nada resolve e aumenta um gasto que já estava subindo de forma exponencial. O déficit da Previdência cresceu por problemas conjunturais, como a queda da arrecadação. Também há fatores estruturais, como o aumento acelerado da população com mais de 60 anos. Depois de aprovar a reforma errada, foi criada uma comissão para apresentar a proposta de outra reforma. A comissão deixou de se reunir, e o governo continua dizendo que fará a proposta. Fica difícil entender o que se quer no meio dessas idas e vindas.

O relator do Orçamento disse que vai propor um aumento da Cide, mas na equipe econômica se teme que isso reduza mais as receitas da combalida Petrobras, aumentando o consumo de álcool. A Cide provoca um aumento mais imediato na inflação, se for comparada com outros impostos. Permite também uma elevação mais rápida da arrecadação.

O que se especula no mercado é que o governo terá que, de alguma forma, capitalizar a Petrobras. Já houve, inclusive, pressão para que a Cide fosse usada para socorrer a empresa, o que seria um absurdo e total desvirtuamento do imposto, cuja única qualidade seria a de taxar combustível fóssil, como é tendência no mundo.

O ministro Joaquim Levy falou em evento no Rio que o Brasil precisa ser ambicioso. Ainda que ele não tenha qualificado o que quis dizer com ambição, o país precisa realmente de ter um projeto para sair do buraco em que se encontra. Isso se faz com reformas estruturais e com um plano coerente. Não faria sentido adotar a ideia defendida por alguns integrantes do governo de ampliar de novo o crédito para incentivar o consumo. Isso já foi tentado e deixou famílias endividadas, e o Tesouro com o custo do crescimento do crédito subsidiado para as empresas.

O tamanho do buraco nas contas públicas não pode ser dimensionado porque o Brasil continua afundando. O próprio Ministério do Planejamento que achava que no ano que vem o PIB ficaria em 0,2% positivo acha agora que será 1,9% negativo. O tamanho da receita que se consegue em um cenário é totalmente diferente do outro. A consulta feita pelo Banco Central junto às instituições financeiras mostra que essa previsão está piorando a cada semana. Já está em -2% de recessão para 2016. O economista-chefe para América Latina do BNP Paribas, Marcelo Carvalho, prevê 3% de recessão no ano que vem com inflação de 8%. Para 2015, o governo prevê 3,3% de queda com inflação de 9,99%, para não dizer que será 10%. Esta é a primeira vez desde 1930 em que o Brasil terá dois anos consecutivos de contração na atividade.

O cenário é muito ruim. Inflação de 10%, recessão de 3% por dois anos seguidos e falta de clareza sobre qual será o rombo fiscal nestes dois anos. Diante disso, o governo não tem um conjunto coerente de ideias para tirar o país da crise, bombardeia as poucas propostas que surgem e defende projetos como o da legalização do jogo ou vender dívida ativa, que pode levar a ganhos extraordinários para intermediários. E nisso o país continua nessa bagunça fiscal.

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