PF mira em empréstimo do BNDES a amigo de Lula
• Em 2012, outra empresa do amigo do ex-presidente Lula, com apenas 7 funcionários, pegou R$ 101 milhões do banco e valor total em três operações passa dos R$ 500 milhões; PF quer cópias de contratos para saber se liberação de créditos seguiu normas
Por Fausto Macedo, Andreza Matais, Ricardo Brandt, Julia Affonso e Mateus Coutinho – O Estado de S. Paulo
A força-tarefa da Operação Lava Jato mira em financiamentos concedidos pelo BNDES a empresas do pecuarista José Carlos Bumlai. São alvos da investigação a São Fernando Açúcar e Álcool e a São Fernando Energia 1, empresas sob administração dos filhos do amigo do ex-presidente Lula. Bumlai foi preso nesta terça-feira, 24, na Operação Passe Livre, 21ª fase da Lava Jato.
A São Fernando Açúcar e Álcool foi beneficiária de um primeiro empréstimo, no montante de R$ 64 milhões, em fevereiro de 2005, quatro meses depois do empréstimo de R$ 12 milhões concedido pelo Banco Schahin a Bumlai – dinheiro que teria sido destinado ao PT, segundo a investigação.
“A Receita constatou que a empresa estava inativa na época, não tinha empregado, nem receita operacional quando ocorreu o primeiro empréstimo”, assinala o procurador da República Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa do Ministério Público Federal.
Em 2008 foi realizado um segundo empréstimo em favor da São Fernando Açúcar e Álcool, no valor de R$ 388 milhões. “Naquele ano já havia pedido de falência dessa empresa, já havia sido protocolado pedido de falência contra a São Fernando Açúcar e Álcool”, informou o procurador.
Em 2013, ainda de acordo com a Lava Jato, a São Fernando Açúcar e Álcool entrou em recuperação. Os investigadores relatam que, em agosto de 2015, o BNDES pediu falência da empresa, com dívidas acumuladas de mais de R$ 1 bilhão. A dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, segundo os investigadores, chega a R$ 400 milhões, ‘créditos foram sendo concedidos e não pagos ao longo do tempo’.
A outra empresa de Bumlai, a São Fernando Energia, consta na base de dados da Receita como beneficiária de novo aporte do BNDES, em 2012, no valor de R$ 101 milhões. “Em 2012, (a São Fernando Energia) contava com apenas 7 funcionários. Ela dá um aporte no capital social de R$ 10 mil para R$ 30 milhões e começa a ter atividade operacional. Os fatos ainda estão sob investigação, por isso a diligência de hoje para obtenção de contratos no próprio BNDES. Temos que saber se a liberação desse crédito seguiu as normas.”
Com a palavra, o BNDES
Diferentemente das informações que têm circulado por meio da imprensa, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) enfatiza que não realizou qualquer operação de crédito com as empresas São Fernando Açúcar e Álcool e a São Fernando Energia 1 no ano de 2005.
Na verdade, o financiamento de R$ 64,6 milhões, ao qual as reportagens se referem, ocorreu em 03/02/2009. O objetivo era a implantação do primeiro sistema de cogeração de energia elétrica a partir do bagaço de cana-de-açúcar, complementar ao processo de produção de açúcar e álcool da usina São Fernando Açúcar e Alcool. Na ocasião da assinatura do contratao, também de maneira diversa ao que vem sendo afirmado, o cadastro da empresa na Receita encontrava-se ativo.
Com relação ao contrato de R$ 101,5 milhões, celebrado em 23/07/2012 com os agentes financeiros Banco do Brasil e BTG, para repasse de recursos à São Fernando Energia, trata-se da implantação do segundo sistema de cogeração, também acoplado aos demais processos produtivos da unidade São Fernando Açúcar e Álcool.
Portanto, não faz sentido a afirmação de que o financiamento teria sido direcionado a uma empresa que possuía menos de uma dezena de funcionários. Qualquer avaliação de grau de atividade da unidade de cogeração ou de seu contingente de empregados não pode ser feita de forma isolada e independentemente dos demais processos da usina como um todo. Tal modelo de operação é usual no setor sucroalcooleiro, havendo diversos clientes do BNDES com financiamento concedido para unidades de cogeração acopladas, similares à operação em questão.
Histórico – O histórico de relacionamento do BNDES com o Grupo São Fernando é o seguinte: o BNDES possui dois tipos de operações de financiamento com o Grupo. Os primeiros créditos, no valor de R$ 395,17 milhões, foram concedidos de maneira direta, em 2008 e 2009, para a São Fernando Açúcar e Álcool. Já a operação indireta, no valor de R$ 101,5 milhões, foi contratada em 2012 com a São Fernando Energia.
Os agentes financeiros da operação indireta foram Banco do Brasil e BTG Pactual. Como é de praxe nesse tipo de operação, os agentes foram responsáveis pela análise cadastral do cliente e assumiram o risco da operação.
A concessão dos créditos à São Fernando seguiu todos os procedimentos do BNDES, com total lisura e sem qualquer irregularidade. Os detalhes das operações são os seguintes:
1. Contratos de Financiamento na Modalidade Direta
A São Fernando Açúcar e Álcool Ltda. obteve créditos do BNDES para financiar a implementação de uma usina produtora de açúcar e etanol no município de Dourados-MS e a implantação do primeiro sistema de cogeração de energia elétrica. O crédito para a construção da usina, de R$ 330,509 milhões, foi contratado em 12/12/2008, e o empréstimo para a cogeração, de R$ 64,664 milhões, foi firmado em 3/2/2009. O valor total dos contratos foi de R$ 395,173 milhões. Em relação a tais contratos, cumpre destacar:
• A operação contou com garantia solidária da Heber Participações S.A. (pertencente ao Grupo Bertin) e da São Marcos Energia e Participações Ltda. (pertencente à família Bumlai), com cobertura integral da dívida, bem como a hipoteca do conjunto de imóveis onde está localizada a Usina.
• As operações somente foram realizadas em função da classificação de risco satisfatória do Grupo Bertin à época, e seguiram todos os trâmites internos do BNDES.
• O projeto foi totalmente concluído. A usina entrou em plena operação em julho de 2010, estando em atividade atualmente.Em 2012, diante das dificuldades financeiras da São Fernando, agravadas por um conjunto de fatores estruturais relacionados ao setor sucroalcooleiro, foi realizada, com o BNDES, a renegociação dos créditos, com as seguintes características:
• Não houve liberação de novos recursos.
• O refinanciamento da dívida foi feito sem qualquer desconto ou dispensa e com manutenção da taxa contratual, do prazo final de amortização e das garantias reais e pessoais já contratadas.
• Houve reforço das garantias reais e pessoais, por meio, dentre outras, da constituição de fiança solidária dos Srs. Maurício Bumlai, Guilherme Bumlai e José Carlos Bumlai.
Em 2013, a São Fernando, que até então se encontrava adimplente com o BNDES, ingressou com pedido de recuperação judicial e interrompeu os pagamentos ao Banco e demais credores. A renegociação no âmbito da Recuperação Judicial teve as seguintes características:
• Não houve quaisquer dispensas, sendo o saldo devedor total contemplado no âmbito do Plano de Recuperação Judicial (PRJ), com a manutenção dos juros contratuais, das garantias reais e pessoais. Isso foi possível em função das garantias sólidas negociadas anteriormente pelo BNDES.
• Em outubro de 2014, a São Fernando tornou-se inadimplente em relação às obrigações financeiras do PRJ.
• O BNDES promoveu ação de execução judicial em face de todos os fiadores e, após o insucesso do PRJ e em conformidade com a legislação, requereu a falência de São Fernando nos autos da Recuperação Judicial.
• O BNDES já obteve uma recuperação relevante dos créditos desde o início do processo.
2. Contrato de Financiamento na Modalidade Indireta
• A partir do segundo semestre de 2011, a São Fernando iniciou um plano de reestruturação, capitaneado pelo BTG Pactual.
• Tal reestruturação contemplava a readequação da estrutura financeira do segundo sistema de cogeração de energia, construído pela São Fernando por meio de dívidas de curto prazo e elevado custo financeiro com outras instituições bancárias.
• O formato da operação foi indireto, com repasse dos recursos do BNDES pelos agentes financeiros Banco do Brasil e BTG Pactual.
• Cumpre destacar que, na modalidade indireta, o risco de crédito da operação não é do BNDES, mas sim dos agentes financeiros repassadores à beneficiária final, a quem cabe a análise cadastral e de risco da operação.
• BTG Pactual e Banco do Brasil foram os agentes financeiros repassadores e encontram-se adimplentes com o BNDES nesta operação indireta.
• A operação indireta possibilitava a melhoria da estrutura financeira da empresa e, por consequência, o aumento das chances de recuperação do crédito concedido pelo BNDES na modalidade direta.
3. Considerações Finais:
• As normas internas do BNDES foram rigidamente observadas em todas as operações mencionadas.
• Atualmente o BNDES possui garantias reais para fazer frente à dívida existente e o crédito está em processo de recuperação.
• Todas as medidas judiciais em face de São Fernando e dos garantidores foram tomadas pelo BNDES e estão em andamento, dentre elas, no bojo da recuperação judicial, o pedido de decretação de falência da São Fernando.
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