- O Estado de S. Paulo
Sinceramente, não sei por onde começar. Pela prisão do amigão do Lula que recebeu milhões do BNDES para uma empresa inativa, aquele que sabe das coisas? Pelo jogo bruto do Eduardo Cunha para se safar no Conselho de Ética? Pela chegada de Mauricio Macri na Argentina para ameaçar a liderança do Brasil na região? Pelos 739 casos de microcefalia provavelmente causados por Zika vírus? Ou pela tragédia pessoal, social, ambiental e econômica do rompimento criminoso da barragem em Mariana?
Some-se a esse rol a crise que corrói o crescimento, produz inflação e gera nove milhões de desempregados e chega-se, assim, a uma constatação dolorosa: é muita tragédia para um país só, num ano só, de uma vez só, às vésperas do Natal, do Ano Novo e das férias escolares (onde não houve meses de greve...). Será que são coisas totalmente isoladas, ou será que há um nexo entre elas?
Mesmo os mais otimistas ou os que têm horror a análises catastrofistas têm de fazer muito esforço para achar – e defender – que está tudo bem e que tudo isso, ao mesmo tempo, é apenas obra do acaso, de uma nuvem carregada, da ira dos deuses ou de uma conjunção pérfida de “fatores externos” – tanto quanto o desastre da economia seria resultado da “crise internacional”.
Quem sabe, tudo não passa de maquinação de uma direita capaz de qualquer coisa para prejudicar o PT, o Lula, o governo Dilma Rousseff e o Brasil? Vai ver estamos sob o ataque de uma espécie de Estado Islâmico tupiniquim que degola a cúpula do partido, uma Al Queda que infiltra o Eduardo Cunha para destruir o governo, um Boko Haram que dizima barragens e prolifera mosquitos Aedes aegypti, uns Jihadistas que manipulam as mentes de procuradores, policiais e juízes, um grupo xiita que elege Mauricio Macri para atacar o bolivarianismo no continente.
Tudo é possível, o que não resolve nada é Lula sair fantasiado de Dom Quixote de La Mancha, apontando sua lança contra inimigos abstratos, quando todas as tragédias são bem concretas. Também não adianta nada a competição entre Lula e Dilma para decidir quem é mais culpado. Lula acusa Dilma de destruir a economia e o seu legado. E Dilma rebate, com um indisfarçável ar de deboche: “A Lava Jato não foi no meu governo...”.
Quando a inflação, o desemprego e a queda de renda batem à porta, a culpa é do estrangeiro, dos países ricos que exportaram a crise para o mundo. Quando o mensalão atinge em cheio o PT, a culpa é do caixa dois e do Joaquim Barbosa, que não foi posto cordialmente no Supremo para fazer esse papelão com o PT. Quando a Lava Jato e a Zelotes se aproximam de Lula e de seus filhos, a culpa é do Sergio Moro e da Polícia Federal. E, claro, em qualquer caso a imprensa é sempre culpada.
Uma coisa, porém, a gente aprende com esse conjunto de crises: não são geladeiras e fogões novinhos em folha nem viagens para a Disney que garantem desenvolvimento, bem estar, saúde, educação, fiscalização e o futuro. E, se não houver uma profunda reforma nas campanhas e na forma de fazer política, o País vai ficar cada vez mais nas mãos dos Eduardo Cunha, as boas intenções serão vencidas pelas tentações e os melhores partidos serão engolidos pelas facilidades.
Quem paga? Os de sempre: o que trabalha, o que estuda, o que tem o azar de morar no caminho das barragens mal fiscalizadas e as grávidas sujeitas às picadas mais cruéis. Ainda bem que as instituições resistem, firmes e fortes. Só elas para nos salvar – inclusive de um incômodo pessimismo.
Máquina de versões. Tal como a Petrobrás fazia lá atrás, quando ainda havia tempo para depurar e salvar a maior companhia brasileira, o BNDES parece estar instalando uma máquina de desmentidos com o objetivo de negar os detalhes para desqualificar o principal. Nada pior para a saúde de pessoas e de empresas do que mascarar os sintomas.
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