• Delator diz que Bumlai deu demonstrações de que era íntimo do ex-presidente e, em Angola, intermediou palestras do petista e encontro com general
Thiago Herdy, Silva Amorim - O Globo
Preso ontem num quarto de hotel antes do café da manhã, no dia em que iria depor na CPI do BNDES, o pecuarista José Carlos Bumlai tinha planos para este sábado: comemorar com as pessoas mais próximas seu aniversário de 71 anos. Pretendia fazer uma festa, a despeito da tensão com o surgimento, nos últimos dias, das primeiras informações sobre suas atividades nos bastidores dos negócios suspeitos com bancos e estatais.
Em depoimento prestado graças a acordo de colaboração com a Justiça, Fernando Soares, o Fernando Baiano, um dos operadores da Lava-Jato, disse que Bumlai se referia com frequência ao ex-presidente Lula, ao participar de negociações envolvendo contratos públicos. Segundo o delator, nessas conversas Bumlai falava do “Barba”, forma como se referia a Lula, amigo desde a vitoriosa campanha petista à Presidência em 2002 — época em que o político encontrou no pecuarista uma pessoa capaz de vencer resistências no setor agropecuário.
Na sua delação, Baiano contou uma nova história: em viagem para Angola com Bumlai, em 2011, ouviu do general João Baptista de Matos, suposto presidente de uma entidade de estudos angolanos, seu desejo de promover uma palestra de Lula naquele país. “Pedi a Bumlai que intermediasse tal convite, oportunidade em que ele disse que iria falar com Lula”, afirmou Baiano. A viagem foi acertada e a palestra, marcada — mais uma demonstração de prestígio de Bumlai.
O general Baptista queria se encontrar com Lula para tratar de negócios da Vale em Angola. “Queria maior atenção da empresa para o tema”, contou Baiano. Coube então a Bumlai fazer com que o então presidente Lula recebesse o general em sua suíte, “o que realmente ocorreu”, de acordo com o delator. “O general ficou impressionado com a relação de intimidade e amizade que existia entre Bumlai e Lula”, assinalou Baiano em seu depoimento.
O uso dessa amizade para fazer negócios não teria ocorrido com sua autorização, tem dito Lula a interlocutores, depois da revelação dos negócios suspeitos do amigo. Segundo Baiano, Bumlai pediu até dinheiro a ele, com o intuito de supostamente quitar o imóvel de uma nora do ex-presidente.
Os laços entre Lula e o pecuarista teriam se estreitado ao longo dos anos, com churrascos e pescarias. Desde 2003, Bumlai participa do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, grupo criado para aconselhar a Presidência da República nos anos Lula e Dilma.
Engenheiro civil de formação, Bumlai atuou na área da construção pesada por 30 anos. Foi diretor e conselheiro da Constran — empresa que em 2010 foi vendida à UTC Engenharia, de Ricardo Pessoa, citado como um dos principais coordenadores do cartel das empreiteiras na Petrobras.
A primeira citação ao pecuarista, na Lava-Jato, ocorreu por meio de depoimento de Paulo Roberto Costa, ex-diretor de abastecimento da Petrobras. Ao admitir ter recebido propina para “não atrapalhar” a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, o delator relatou a ligação de Bumlai com Baiano. Foi a dica para os investigadores puxarem o fio da meada, cujo final ainda é incerto.
Ontem, quando chegou ao Instituto Médico-Legal (IML) de Curitiba para fazer exame de corpo de delito, Bumlai vestia calça jeans e blazer. Andava de cabeça baixa, abatido. Segundo um policial federal, “estava bem abalado e quase chorou” durante o trajeto até o prédio onde ficará preso. Apesar da proximidade do verão, seu advogado foi aconselhado a levar lençol, cobertor e roupas de frio. (Colaborou Renato Onofre)
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