O pecuarista José Carlos Bumlai é amigo do ex-presidente Lula. Mais do que amigo: quando Lula ainda era presidente, Bumlai foi uma das raras pessoas autorizadas a entrar no gabinete do chefão petista “em qualquer tempo e circunstância”, conforme dizia um aviso colocado na portaria principal do Planalto. Assim, a prisão desse empresário, na manhã de ontem, no âmbito da Operação Lava Jato, tem todos os predicados para, no mínimo, embaraçar Lula.
O próprio nome da ação da Polícia Federal, “Passe Livre”, diz tudo: trata-se de uma referência explícita ao amplo acesso que Bumlai tinha a Lula quando o petista mandava no País. E os motivos que levaram as autoridades a prender o pecuarista indicam que, cedo ou tarde, Lula terá de dar explicações mais convincentes a respeito dos volumosos escândalos de corrupção em seu governo, dos quais Bumlai é um dos pivôs, em vez de simplesmente atribuí-los a uma perseguição da imprensa ou à perfídia de magistrados mal-intencionados, como tem feito há anos.
Mais do que isso: a Polícia Federal suspeita que Bumlai possa ter alguma ligação com o escândalo do mensalão, dando força à conjectura de que o esquema de rapinagem do Estado é um só, com diferentes ramificações. No caso específico do pecuarista, elas incluiriam até mesmo o pagamento de suborno para calar um chantagista que teria ameaçado Lula no caso do assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em 2002.
Bumlai foi preso em Brasília sob a acusação de ter participado de um esquema para fraudar a licitação para a contratação de um navio-sonda da Petrobrás. Ele foi citado por vários delatores do escândalo da estatal. Segundo os depoimentos, Bumlai tomou um empréstimo de R$ 12 milhões do Banco Schahin em 2004. Esse dinheiro nunca foi devolvido ao banco, que tampouco se esforçou para cobrá-lo. Os recursos, aponta a investigação da Lava Jato, teriam sido encaminhados ao PT, conforme teria dito o próprio Bumlai aos executivos do banco na ocasião. Salim Schahin, um dos donos do banco, disse à Justiça que, segundo Bumlai, “havia uma necessidade do PT que precisava ser resolvida de maneira urgente”.
O banco aceitou a transação porque abriria oportunidade de negócios dentro do governo petista para o Grupo Schahin, conforme declarou o próprio Salim, que mencionou ter recebido visitas de Delúbio Soares, então tesoureiro do PT, e de Marcos Valério, operador do mensalão, além de ter feito contato com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro petista preso na Lava Jato. O ex-ministro José Dirceu também foi citado.
O tal negócio esperado pelo grupo logo apareceu: em janeiro de 2009, Schahin ganhou um contrato de US$ 1,6 bilhão para operar o navio-sonda Vitória 10000. Um dia antes, o empréstimo que o banco havia feito a Bumlai foi “quitado” com a simulação de um repasse de embriões de gado de elite, no valor de R$ 12 milhões, para empresas agropecuárias do Grupo Schahin.
No despacho em que ordenou a prisão de Bumlai, o juiz Sergio Moro chamou a atenção para as diversas inconsistências dessa transação, a começar pelo fato de que o empréstimo foi concedido tendo como garantia apenas uma nota promissória. Além disso, ao longo de cinco anos o banco não tratou de executar a dívida e aceitou a quitação pelos mesmos R$ 12 milhões, sem cobrança de juros. A fraude é evidente.
Bumlai parece ser apenas o elo de um esquema de ramificações cuja extensão ainda é desconhecida. Certamente, muitos detalhes ainda emergirão à medida que outros depoimentos forem tomados. E há a expectativa, natural, sobre o que o próprio pecuarista possa falar, especialmente em relação a Lula. O juiz Sergio Moro afirma que, por enquanto, “não há nenhuma prova” de que o ex-presidente esteja “envolvido nesses ilícitos”.
É um bom sinal que a Justiça, em meio a tantas evidências do assalto promovido por petistas aos cofres públicos, tenha o cuidado de salientar que nada há contra Lula. Mas será compreensível se o ex-presidente passar as próximas noites em claro.
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