• No Hospital Pedro Ernesto, residentes entram em greve e faltam materiais
Carina Bacelar - O Globo
Com luzes apagadas, corredores vazios e silenciosos, a Uerj, no Maracanã, viveu ontem seu primeiro dia de aulas suspensas por “estado de insalubridade”, como classificou o reitor Ricardo Vieiralves de Castro. Com o pagamento de outubro atrasado, funcionários terceirizados de segurança e limpeza sumiram. Os poucos estudantes presentes estavam ali por causa de pesquisas e estágios, que desde o começo do mês não são remunerados.
Na falta de alunos, havia recados deixados por eles. Nas paredes da Faculdade de Geografia, bolsistas fixaram cartazes com desabafos. “Tá difícil estudar sem bolsa. Preciso de passagem. Preciso me alimentar. Cadê o dinheiro?”, perguntava um deles. A poucos metros dali, o atendente Carlos Alberto Aragão, de 48 anos, o único do serviço de fotocópia dos cursos de geografia e oceanografia, folheava um livro sem ler o conteúdo das páginas, ao mesmo tempo em que escutava o noticiário esportivo na TV.
— Ficamos parados, né? A gente trabalha para não ficar em casa — lamentou.
Sem aulas, o movimento cai 90%, segundo ele. Como, além de salário, ganha comissão em cima das cópias feitas, o morador do Complexo do Alemão, que tem mulher e três filhos, vê seu rendimento prejudicado.
Bolsa de estudos com pagamento atrasado
Entre os alunos, o sentimento também era de tristeza. Formanda do 10º período de direito, Débora Gaspi, de 23 anos, sentiu-se orgulhosa de ser aprovada para um dos cursos mais tradicionais da universidade. Mas ontem lamentava a suspensão das aulas e a falta de pagamento de sua bolsa de estudos, que recebe por um estágio na Procuradoria da Uerj:
— Imaginei que enfrentaria os problemas de uma faculdade pública, como uma eventual greve, mas não essa sucessão de falta de pagamentos. Graças a Deus, minha família tem condições de me apoiar nessa situação (de atraso na bolsa), mas fico pensando nas pessoas que realmente precisam desse dinheiro.
No Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, vizinho ao campus, residentes se apressavam. Em greve após um mês de pagamento de bolsas atrasado, os 771 médicos em treinamento decidiram fazer um rodízio em que só 30% deles trabalham diariamente. As cirurgias eletivas foram suspensas, assim como a marcação de novos exames, exceto os de raios X. Segundo uma enfermeira que trabalha há 20 anos no hospital e atualmente está lotada na central de materiais, começaram a faltar luvas plásticas e compressas:
— A enfermagem tem se virado. Em vez de manter uma escala diária de 20 cirurgias, reduzimos para um quarto disso. Deu pena semana passada, quando vi vários funcionários da limpeza na fila do banco para pegar empréstimo.
Os terceirizados da empresa Construir, responsáveis pela limpeza da Uerj e do hospital, chegam ao Pedro Ernesto e “só fazem o básico”, como definiu uma funcionária, que pediu anonimato. Tiram o lixo das instalações e limpam os locais onde ficam os leitos. Até materiais de limpeza, como cloro e sacos de lixo, segundo ela, estão em falta.
— Estou contando com a ajuda do meu filho, que também trabalha no hospital. Há boatos de que a empresa dele, outra terceirizada, também vai parar de pagar. Você não pode comprar mais nada, porque não sabe quando vem o pagamento — desabafou.
No Cap-Uerj, professores limpam salas
No Colégio de Aplicação da Uerj (CAp-Uerj), no Rio Comprido, a situação se repete. Seguranças, faxineiros e funcionários de uma empresa de manutenção (a Navele) estão com os salários atrasados. Mesmo assim, seguem trabalhando, em esquema de revezamento, com medo de demissão por justa causa. Os banheiros e lixeiras estão limpos, mas alguns professores precisam fazer a faxina das salas.
— Ontem eu quis fazer uma roda e me sentar no chão com as crianças, mas não pude, por causa da sujeira. Eu passo a vassoura na minha sala, para que ela não fique muito suja — contou uma professora do ensino fundamental, que pediu para não ter o nome publicado. Ela e pelo menos mais 13 professores do CAp, contratados como horistas, estão sem receber desde setembro.
A pesquisa de ponta da universidade também está ameaçada. O sentimento é de incerteza no Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores, coordenado pelo oceanógrafo José Laílson. A maior parte dos projetos depende de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), cujos depósitos de outubro ainda não foram efetuados.
— É uma crise que deixa todo mundo paralisado. Não sofremos os efeitos ainda, mas, se isso perdurar por 15 ou 20 dias, as atividades serão comprometidas — afirmou ele.
A Uerj suspendeu as aulas por uma semana. Sua dívida com duas empresas — de limpeza e segurança — chega a R$ 7,5 milhões.
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