É grande a chance de juro cair e não voltar mais a patamar elevado
Da tragédia provocada pela recessão mais longa e profunda de sua história ao crescimento sustentado: o Brasil dá sinais de que finalmente pode sair da crise atual, que já dura três anos. As bases para a volta de um crescimento equilibrado, com chances de se manter no tempo, estão sendo criadas por um governo do qual não se esperava nada. Os riscos existem, o principal deles - o que Donald Trump fará de muito errado nos Estados Unidos - é imponderável, mas as chances de uma conjuntura bastante favorável estão se materializando.
A boa novidade é que o mundo está voltando a crescer. Os indícios são de uma recuperação cíclica, após quase dez anos de um processo desalavancagem, por exemplo, na Europa. Durante períodos de redução de endividamento, empresas e consumidores se retraem, como ocorre neste momento no Brasil.
É a primeira vez, desde a crise de 2008, que a economia mundial cresce de forma um pouco mais coordenada. Parte dessa aceleração cíclica vem da China, que, no primeiro trimestre do ano passado, ao constatar que, se nada fosse feito, assistiria a uma desaceleração adicional àquela já observada desde 2010, ofereceu uma série de estímulos creditícios a empresas e consumidores - no ano passado, o volume de crédito bancário foi recorde e o setor imobiliário viveu um novo boom.
Para se ter uma ideia, o ritmo de crescimento chinês recuou de 14,2% em 2007 para 10,6% em 2010 e 6,7% em 2016, a menor taxa de expansão desde 1990, quando o gigante asiático avançou 3,9%. Apesar disso, analistas acreditam que a China está novamente acelerando. Não retornará ao crescimento de dois dígitos de uma década atrás, principalmente porque está em fase de transição do modelo de desenvolvimento baseado em exportações para outro, amparado pelo consumo, mas seguirá crescendo a taxas elevadas para os padrões mundiais.
O impacto disso já se vê nos preços das commodities. Apenas neste ano, a tonelada do minério de ferro subiu quase 17%. Os ventos favoráveis só vão se tornar contrários se Trump, o inacreditável presidente americano, cumprir as promessas de campanha. Por enquanto, isso ainda não ocorreu, até porque ele esbarra na institucionalidade americana, forjada em mais de dois séculos de democracia.
O que Trump faz é introduzir incerteza num cenário visivelmente benigno. Os investidores, nacionais e estrangeiros, estão todos focados nos riscos que ameaçam esse cenário, mas, enquanto nada acontece, "la nave va". No Brasil, uma clara indicação de que o foco está nos riscos é vista no boletim Focus, do Banco Central (BC), que colhe a opinião de mais de cem participantes do mercado sobre os principais indicadores da economia.
Com o cenário benigno, deve-se esperar uma apreciação adicional da taxa de câmbio àquela já ocorrida desde meados do ano passado. A alta dos preços das commodities já melhorou bastante os termos de troca - a relação entre preços de exportação e de importação - da economia brasileira, um elemento que contribui fortemente para a valorização do real em relação ao dólar.
A mediana das opiniões do Focus prevê câmbio a R$ 3,36 em dezembro, sendo que neste momento a taxa está em R$ 3,094. O mercado, de forma majoritária, acredita, portanto, que o câmbio vai se depreciar até o fim do ano. Para isso ocorrer, o cenário benigno terá que ser revertido, com triunfo das piores ideias de Trump ou a ocorrência de uma hecatombe no cenário interno. Em outras palavras: os riscos precisam se materializar.
É provável que, no cenário atual, a taxa de câmbio rompa a barreira dos R$ 3,00. Isso porque as principais receitas das exportações agrícolas brasileiras entram no segundo trimestre, quando também as remessas de lucros e dividendos ao exterior são menores. Com o real valorizado, a inflação cadente terá mais um razão para diminuir, o que por sua vez abrirá espaço para acelerar a redução da taxa básica de juros (Selic).
De maneira bem sintética e tentando abarcar as várias visões sobre juros altos no Brasil, pode-se dizer que haveria quatro fatores que concorrem para essa situação: o problema fiscal estrutural, uma vez que as contas deficitárias fazem com que o governo exerça forte pressão sobre a poupança doméstica, que já é baixa, reduzindo a capacidade de investimento da economia; a inflação alta, que força o BC a calibrar juros ainda maiores para controlá-la; a cultura da meia-entrada, uma vez que metade do volume de crédito da economia é direcionada (subsidiada), obrigando o Comitê de Política Monetária a cobrar juros bem mais altos da outra metade (crédito às empresas e ao consumidor) para, no fim, produzir o mesmo efeito sobre a inflação; outras razões, como ausência de independência formal do BC, riscos jurisdicionais associados à execução de garantias bancárias etc.
Neste momento, ao contrário do observado em outros momentos da história recente do país, todos esse fatores estão sendo atacados. Em 2011 e 2012, quando o Banco Central baixou os juros na marra, tinha-se o avesso: a posição fiscal do governo estava em franca deterioração; a inflação estava subindo, com as expectativas sempre fora do lugar; o crédito direcionado se expandia a olhos vistos; o BC não possuía autonomia alguma, antes, pelo contrário, estava totalmente submisso aos desígnios delirantes do Palácio do Planalto. Para piorar, havia ainda, em decorrência de todos os equívocos contratados, um explosivo balanço de pagamentos em formação.
Agora, todos esses elementos, inclusive um déficit em conta corrente diminuto, de apenas 1,2% do PIB e financiado pelo investimento estrangeiro direto, jogam a favor da redução racional e sustentada dos juros. Há riscos? Claro que sim! Se o governo Temer desistir das reformas propostas, se o núcleo da administração cair com a Lava-Jato, se o presidente for atingido no coração pelas delações, se Trump imperar inclusive sobre a democracia americana, o sonho acaba. O fato é que a oportunidade de as coisas desta vez darem certo é razoável.
É possível que o BC, diante do cenário benigno, derrube a taxa Selic abaixo de 9% ao ano - agora, está em 13%. Não são pequenas as chances de a inflação cair abaixo da meta de 4,5% neste ano. No boletim Focus, as previsões apontam um IPCA, na medição em 12 meses, abaixo de 4,5% já em maio (4,3%), caindo abaixo de 4% (3,6%) em agosto, algo inédito desde julho de 2007 (3,74%).
Nenhum comentário:
Postar um comentário