quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Governo não tem urgência em deter aumento da dívida – Editorial | Valor Econômico

Há otimismo no governo e parte da equipe econômica nutre a esperança de conseguir que o Brasil recupere o grau de investimento de sua dívida soberana. O que as empresas de classificação de risco têm no radar, no entanto, deixa o país ainda longe desse desejo - a Fitch, por exemplo, reafirmou que o rating brasileiro continua em perspectiva negativa. Boa parte da avaliação desfavorável advém da perspectiva incerta de recuperação da saúde das finanças públicas. Parte dos analistas domésticos faz essa mesma ressalva, a da exasperante lentidão com que a dívida pública deixará de subir em relação ao PIB.

A fórmula do teto dos gastos pela variação da inflação é engenhosa, transforma radicalmente a equação da discussão orçamentária e abre a chance para o uso responsável do orçamento público. Em um período de crescimento econômico regular e déficit públicos contidos, poderia demonstrar seu potencial em pouco tempo. Não é o caso: o rombo nas contas chegou a R$ 155,7 bilhões, 2,47% do PIB, o maior da série histórica iniciada em 2001. E a economia pode completar nesse primeiro trimestre seu terceiro ano de recessão, a mais profunda do período republicano.

Consertar a bagunça fiscal deixada pelo governo de Dilma Rousseff não é tarefa fácil nem rápida, e as soluções não são indolores. Ainda que o teto de gastos seja o início de uma solução, as condições para que seja bem-sucedido são pouco favoráveis. Há quase um consenso de que a economia reagirá lentamente ao pesadelo recessivo, com uma recuperação morosa sob peso de forte endividamento de empresas e consumidores, grande capacidade ociosa na indústria e retração importante dos investimentos. A chave óbvia para reverter os déficits será o desempenho da arrecadação, que pode ter uma trajetória igualmente rastejante de crescimento, o que levaria a dívida bruta em relação ao PIB, já uma das maiores entre os países emergentes, a um ponto perigoso.

Estudo feito pelo Credit Suisse aponta que a dívida bruta brasileira chegará a 99% do PIB em 2024, estabilizando-se a partir daí, se a economia crescer em média 2% ao ano pelos próximos dez anos, mesmo com aprovação da reforma da Previdência ("Folha de S. Paulo", 14 de fevereiro). Além do nível elevado, só inferior ao da falida Venezuela, o Brasil daria muita chance para o azar ao ser tão vagaroso no ajuste. A compilação de dados de 191 países desde 1980 não mostra muitos episódios em que um país suportou um déficit nominal de 9% do PIB por mais de quatro anos consecutivos - e o Brasil tem déficit nesse nível há quase três.

O inconveniente de um déficit tão elevado por tanto tempo é que as turbulências, que certamente virão, poderão fazer os resultados fiscais desandarem novamente, e, a partir do tamanho desmesurado do déficit, colocar em xeque novamente a solvência do país. A solução apontada segue receitas tradicionais: apertar com mais vigor os gastos, eliminar as desonerações fiscais e aumentar os impostos provisoriamente. As três medidas se chocam com os interesses, desejos, e talvez capacidade, de um governo transitório de baixa popularidade, em meio a uma tempestade política, de realizá-las.

O teto de gastos começou a ser implantado também com um cálculo político a orientá-lo, além da razão econômica. Um dos pontos desse cálculo é a própria sobrevivência, outro é o da necessidade de criação das condições para que a sucessão mantenha o poder nas mãos do atual condomínio político, com o sem Michel Temer como candidato. Temer e seus conselheiros, que reúnem décadas de experiência na articulação política no Congresso, escolheram difíceis batalhas de reformas, como a da Previdência e do teto de gastos, como alvos.

Em torno desse conjunto de metas, que tornou possível reunir o apoio do empresariado e de investidores do mercado financeiro, o Planalto traçou seus limites de atuação. Elevar impostos perto de ano eleitoral poderia alijar uma parte da base mais sólida de apoio que conseguiu até agora, com a colaboração imprescindível da equipe econômica. O governo opera em condições difíceis, de baixa visibilidade, mas sem nunca perder de vista o horizonte eleitoral.

Há dúvidas sobre o momento certo para a elevação de impostos. Com recuperação tão tênue como deve ser a de 2017, aumentos de impostos poderiam ser um fardo adicional que a economia talvez não conseguisse carregar. Nessa cumbuca o governo não põe a mão.

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