- Folha de S. Paulo
Todos são inocentes até prova em contrário. Esse é um princípio básico do Estado de Direito. Nas tiranias, pessoas são condenadas por vontade e graça do soberano, mas, nas democracias, é preciso que o Estado apresente provas da culpa no âmbito de um processo judicial, no qual a defesa terá várias chances de contra-argumentar.
Essas regras são sagradas, mas apenas na esfera do direito penal. Não é porque todos são inocentes até prova em contrário que você precisa oferecer um cargo de diretor de "compliance" ao suspeito de corrupção ou pedir em casamento a mulher que é acusada de matar seus maridos. Há uma diferença entre as garantias dadas aos réus, que devem ser robustas, e a avaliação moral que se faz de um indivíduo na vida cotidiana, que admite gradações.
Essa diferença parece ter sido esquecida pelo mundo político brasileiro. Temer tenta dar foro privilegiado a um de seus auxiliares mais citados na Lava Jato e agora afirma que conservará todos os ministros citados em delações até que se tornem réus, o que tende a levar mais tempo do que a duração do governo.
No Legislativo, os parlamentares não fazem por menos. Acabaram de eleger como chefes das duas Casas dois congressistas também citados e puseram um terceiro para comandar a poderosa CCJ do Senado.
É claro que todos são inocentes até prova em contrário, mas daí não decorre que gente sobre a qual paira dúvida deva ser galgada a cargos de grande visibilidade e que ainda têm o poder de influir em questões que podem afetar seus próprios casos.
A sensação que fica é a de que os políticos perderam o pudor. Isso é ruim porque a desfaçatez com que agem não compromete apenas sua imagem pessoal, mas a da própria política. E, embora políticos individuais possam merecer rejeição, a política como espaço de resolução de disputas sociais e formação de novos consensos é indispensável.
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