Governo não terá receita para gastos de R$ 3,86 bilhões previstos para período de um mês
Carina Bacelar e Luiz Ernesto Magalhães | O Globo
À espera de ajuda federal para reequilibrar suas finanças, o governo do Rio faz as contas, centavo a centavo, para se manter pelos próximos 30 dias, prazo que tem para aprovar no Congresso as mudanças na legislação capazes de viabilizar a ajuda da União ao estado e um empréstimo de R$ 3,5 bilhões para pagar o funcionalismo. Sem o socorro financeiro, um novo rombo ameaça agravar ainda mais a situação das contas estaduais. A receita prevista não será suficiente para pagar as despesas dos próximos dias, de pelo menos R$ 3,86 bilhões. Sem falar nas dívidas já acumuladas.
O governador Luiz Fernando Pezão chegou a dizer que serão “dias difíceis”. Não foi à toa. A arrecadação ficará abaixo dos gastos que vão bater à porta: R$ 3,54 bilhões. A diferença é de R$ 314 milhões, que vão acentuar o déficit do caixa fluminense. Isso sem considerar, no cálculo, as despesa de custeio. Nessa corrida contra o tempo, a preocupação maior é com os salários dos servidores, que já têm atrasado.
De hoje até a próxima semana, o governo estadual terá que repassar as cotas mensais do orçamento (conhecidas como duodécimos) do Tribunal de Justiça, da Assembleia Legislativa, do Ministério Público (MP) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Ao todo, será necessário repassar R$ 455 milhões. Também em março, o estado terá que honrar a folha de pessoal de fevereiro. São cerca de R$ 2 bilhões para pagar 466.727 servidores da ativa, aposentados e pensionistas. Além disso, há o restante da folha de janeiro que ainda não foi pago, cerca de R$ 1,1 bilhão. Até agora, apenas os servidores da área de Segurança e da Educação receberam. A dívida com a União também vai exigir um montante de mais R$ 300 milhões.
— Estamos falando apenas dos próximos 30 dias. Temos projeções de alguma melhoria na arrecadação graças ao pagamento do IPVA no início do ano e à expectativa de incremento na receita do ICMS com a aprovação pela Alerj, no fim do ano passado, do aumento de alíquotas de alguns produtos (cerveja, energia elétrica, telefonia, luz e cigarros, que entram em vigor a partir do fim de março). Mas estamos numa situação ainda pior do que a de fevereiro de 2016 para fechar as contas — disse o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa, ao GLOBO.
Com o aumento de 10,2% concedido a funcionários da Segurança, a folha de pessoal do estado sofrerá um aumento de R$ 800 milhões. Os compromissos que precisam ser honrados nas próximas semanas se se somam a outras obrigações do passado, ainda não equacionadas. Parte da receita que o governo espera contar para os próximos 30 dias pode acabar bloqueada. De acordo com Barbosa, o governo do estado tem uma dívida de R$ 880 milhões com a União relativa a parcelas e juros de empréstimos vencidos. Há ainda débitos com instituições bancárias oficiais e compromissos internacionais em que o governo federal foi avalista.
Entre dezembro e janeiro, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, concedeu duas liminares favoráveis ao Rio suspendendo o bloqueio de R$ 272 milhões de recursos da União para o estado, relativos aos repasses constitucionais de tributos federais. Esse dinheiro acabou sendo usado para quitar pagamentos atrasados do funcionalismo. No entanto, não há garantia jurídica de que o estado será poupado de novos bloqueios:
— Pode ocorrer a qualquer momento. E a gente só fica sabendo com dois dias de antecedência — reconheceu o secretário estadual de Fazenda.
E há ainda outros passivos sem data para serem honrados. A dívida acumulada nos últimos anos com fornecedores chega a R$ 10 bilhões.
No Palácio Guanabara, a percepção é de que a privatização da Cedae é prioridade absoluta.
— Nossa situação é de muita gravidade, é de calamidade. O estado não pediu, em momento algum, o não cumprimento do acordo, apenas a antecipação dos seus efeitos. Nesse sentido foi importante a condução do Fux (Luiz Fux, ministro do STF), em que as partes abreviaram esse prazo, compreendendo que é preciso agilidade — disse um funcionário do governo.
Apesar de ter agravado a crise, o presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), defende que a decisão de Fux de não conceder a liminar que anteciparia a ajuda ao Rio foi “correta”:
— Avalio que (a decisão de Fux) foi correta. Ele não tinha elementos, já que o empréstimo (de R$ 3,5 bilhões) pressupõe que a Alerj aprove as garantias, que são as ações da Cedae.
Para o professor de direito administrativo do Ibmec Jerson Carneiro, o governo “não fez a lição de casa" no início da crise, e agora, nesses próximos 30 dias, deverá enfrentar um grande desgaste político para aprovar as reformas necessárias.
— A situação vai piorar. O governador não tem cedibilidade pra apresentar reformas. E, se elas não forem aprovadas, fica comprometido o acordo entre a União e o estado — opina Carneiro.
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