- O Globo
Há um claro movimento de união entre políticos de todos os partidos para legalizar o caixa 2. O problema que não dizem é que querem anistiar a corrupção. Na economia e na política do país há um quadro devastador, o caminho para esclarecer os crimes cometidos e punir os responsáveis é longo e penoso. Porém, é a única forma de terminar com êxito esse processo no qual o país está há três anos.
Usar recursos não declarados para pagar os custos das campanhas políticas é crime previsto no Código Eleitoral e seria tratado na Justiça Eleitoral se não estivesse ligado ao maior esquema de corrupção já descoberto no país. Ontem, o empresário Emílio Odebrecht disse que o Caixa 2 era “modelo reinante” no país e José Eduardo Cardozo disse que é “histórico e cultural”. Não é coincidência a semelhança entre as declarações. O esforço agora de todos os partidos e de todos os envolvidos é construir alguma zona de conforto para todos. Até hoje são raros os casos de políticos punidos por caixa 2. Por isso, fala-se do assunto para que todos pensem que esse é o ponto central.
A estratégia esbarra em um problema: e o crime que originou o dinheiro clandestino? E os crimes que se seguem a uma doação? Há políticos e empresários falando em anistiar caixa 2 quando na verdade querem perdoar os crimes antecedentes e os subsequentes à doação escondida. Como separar especificamente a doação não declarada à Justiça Eleitoral do fato de que muitas vezes é dinheiro de crime que está sendo lavado dessa forma? Em outros casos, os recursos são repassados como pagamento por vantagens auferidas ou por promessa de recebimento de favores com recursos públicos. Se não for dinheiro de origem criminosa, nem for doado em troca de vantagens obtidas ou a se obter, pode ser dito que o crime seria eleitoral. Mas aí restaria uma dúvida razoável: por que mesmo o dinheiro não pode ser declarado?
No competente rastreamento do dinheiro da corrupção na Petrobras, os procuradores e a Polícia Federal encontraram o que era, na época, novidade. Dinheiro de origem ilícita e doado em troca de vantagens nos negócios com o setor público, só que foi lavado pelo Caixa 1. Parecia o crime perfeito até que foi descoberto. Há uma semana, ao julgar Valdir Raupp, o STF convalidou a tese que está nas sentenças do juiz Sérgio Moro. Ficou mais um vez provado que o problema não é o caixa 2, mas a corrupção, e ela se infiltrou profundamente na política brasileira.
Os políticos então construíram uma passarela sobre a fratura do quadro partidário brasileiro. Parlamentares de partidos que estão em guerra aberta na política brasileira passaram a abraçar a mesma tese: de que seja anistiado o caixa 2. O que não têm coragem de dizer é que querem pôr uma pedra em cima de tudo o que tem sido investigado e descoberto pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e julgado pela Justiça.
Há uma sensação entre os investigadores de que, ao contrário do que imaginam os políticos, está se formando um “espírito do tempo”. Tribunais que anulavam sentenças não anulam mais, empresários que negavam tudo tentam fazer delações. Há uma onda de confissão de crimes em várias partes do país. O combate à corrupção ganhou “momentum”.
Mas com a segunda Lista do Janot pousando sobre Brasília a tensão se espalhou entre os políticos e em vez de cada um dos possíveis atingidos organizar a sua defesa eles se articulam para propor uma lei geral. A questão é que ela começa com um ilusionismo. Não é o dinheiro não declarado que está em questão. Como a condenação de Raupp mostrou, os investigadores não separaram o dinheiro em caixas. A única divisão feita pelos procuradores é entre corrupção e não corrupção.
Se anistiar o caixa 2 significa ignorar todas as dúvidas sobre a origem do dinheiro e sua destinação final, então o país estará destruindo a melhor chance que já teve de combater a corrupção. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo chamou de “histórico” e “cultural”, como quem diz que devemos nos conformar. Faria parte da paisagem como o Pão de Açúcar. Mas o país está neste momento avisando exatamente que quer mudar essa prática, por mais antiga e disseminada que possa parecer.
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