- Valor Econômico
Crises financeiras são causadas por expansão excessiva do crédito, seguidas por processo de desalavancagem
Com o título "Aritmética monetarista desagradável" tratei no mês passado da relação básica entre as políticas monetária e fiscal na visão convencional aceita pelos economistas. O objetivo era chamar atenção para a necessidade de coordenar a política monetária e a fiscal, apontando as consequências fiscais da política monetária. Por sua vez, a política monetária seguida pela maioria dos bancos centrais assume que a autoridade fiscal automaticamente ajusta a geração de superávits fiscais futuros às necessidades da política monetária, mantendo a dívida pública sob controle.
Neste modelo convencional, o aumento da taxa nominal de juros é o principal instrumento de controle da inflação. A sua elevação reduziria a taxa de inflação e sua redução a aumentaria. Acontece que no período pós-crise financeira de 2008, os bancos centrais, particularmente nos Estados Unidos e na Europa, têm mantido a taxa de juros muito baixa, próxima de zero, e a taxa de inflação ao invés de aumentar tem-se mantido muito baixa, com risco de deflação. O mesmo acontece desde o início da década de 90 com a crise financeira no Japão.
Este fenômeno tem sido explicado pela teoria econômica convencional, particularmente pelos keynesianos, como resultado da depressão da demanda agregada, devido ao excessivo endividamento, tanto das famílias como das empresas. No Japão este fenômeno deflacionário ficou conhecido como "balance sheet recession". Na verdade, de forma mais simplificada e geral possível, podemos afirmar que as crises financeiras são causadas por expansão excessiva do crédito e quando esta bolha de crédito estoura inicia-se o processo de desalavancagem e contração da demanda agregada por longo período, o que tem levado alguns economistas a falarem em estagnação secular. Neste quadro, a política monetária perde a sua potência em função daquilo que Keynes chamou de "armadilha da liquidez".
Diante deste quadro, de juros baixos ou até negativos, forte expansão monetária com "quantitative easing", alguns membros do Federal Reserve regional nos Estados Unidos lançaram mão de pesquisas acadêmicas marginais, defendendo que a relação entre taxa de juros e inflação teria uma causalidade inversa da convencionalmente aceita: só o aumento da taxa de juros aumentaria a taxa de inflação e afastaria o risco de deflação.
Em teoria tudo é possível, depende dos pressupostos. É possível gerar proposições lógicas ou analíticas, cujas conclusões estão logicamente corretas, pois derivam dos pressupostos, e permitem explicar fatos. Por isso, a ciência deve privilegiar proposições com conteúdo oriundo de percepção da realidade e que sejam verificáveis empiricamente. Vejamos então quais os pressupostos e "mecanismos dramaticamente novos" que economistas com Cochrane têm defendido como "revolucionários" e que geraram celeuma recente no Brasil.
Em primeiro lugar, a teoria fiscal de nível de preços. Primeiro, a oferta real de moeda M/P deve ser igual à demanda real de moeda L(i), se o banco central fixa a taxa de juros controla a demanda real de moeda. Portanto, qualquer par de M/P pode ser consistente com o equilíbrio. Se a quantidade de M for dada existem múltiplos níveis de P consistente para equilibrá-los com a demanda.
Aí entra a teoria fiscal, descartando outras soluções teóricas para determinar P, utilizando para isto a restrição orçamentária intertemporal do governo, reinterpretada como condição de equilíbrio, e não uma restrição que vale para todos os níveis de preços. Assim interpretado alguns níveis de preços violariam a restrição intertemporal. Desta forma, no equilíbrio existe um nível de preços que igualaria o valor real da dívida pública B/P com o valor presente dos superávits reais futuros.
Em outras palavras, o governo recorreria a ajuste na inflação depreciando o valor real da dívida para atender a restrição orçamentária ao invés de elevar os superávits primários futuros. Isto poderia ocorrer se a chamada equivalência ricardiana for válida, isto é, os indivíduos veem a dívida como imposto futuro, se a dívida cai eles poupam menos. Como a dívida real diminui os superávits primários futuros também cairiam, portanto, com menos impostos no futuro os indivíduos consumiriam mais, gerando aumento no nível de preços até equilibrar a restrição.
Outro mecanismo dramaticamente novo é a chamada teoria neo-fisheriana nos modelos macro econômicos. Partindo da indeterminação do nível de preços pela simples condição de equilíbrio entre oferta e demanda de moeda ou em versão sofisticada, a existência de múltiplos equilíbrios num modelo com expectativas racionais. Nesta teoria parte-se da definição de taxa real de juros de Fisher, em que a taxa nominal de juros é igual à taxa real de juros mais a expectativa de inflação.
Aqui, partindo-se do pressuposto de que o Banco Central não tem controle sobre a taxa real de juros, determinada no longo prazo por outras variáveis, a simples definição é transformada numa teoria em que, se a taxa real de juros for dada, a elevação da taxa nominal de juros pelo banco central redundaria num aumento da expectativa de inflação para que a relação de igualdade seja verdadeira.
*Yoshiaki Nakano com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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