A grave crise econômica que o Brasil atravessa terá alguma serventia se for encarada como lição sobre os efeitos nefastos da irresponsabilidade e da corrupção no trato do dinheiro público. Mas há os renitentes, aqueles que fingem viver em outro país, um lugar em que o dinheiro público é infinito e pode ser gasto sem nenhuma consideração pelo interesse nacional. É o caso da maioria absoluta dos partidos políticos, que se esbalda com os recursos do Fundo Partidário sem realizar a devida prestação de contas. Conforme noticiou o Estado, chegam a R$ 3,57 bilhões os gastos obscuros desses partidos entre 2011 e 2016 e que são objeto de questionamento na Justiça Eleitoral, cuja demora para julgar os casos acaba sendo um convite à reiteração da desfaçatez.
O Fundo Partidário já é, em si, uma aberração. É composto basicamente por uma dotação orçamentária da União, isto é, por dinheiro dos contribuintes. O argumento para esse financiamento público é que os partidos são essenciais para a democracia representativa, pois o ordenamento político brasileiro impede candidaturas independentes. Importantes como sejam, os partidos são entidades privadas, formadas por pessoas que supostamente compartilham da mesma ideologia e das mesmas propostas. Nada há nessa natureza que vincule organicamente os partidos ao Estado – tanto que as agremiações têm assegurada por lei total liberdade para se estruturar como melhor lhes parecer, bastando para isso registrar seus estatutos na Justiça Eleitoral.
Logo, por que razão deveriam os contribuintes financiar essas entidades privadas? Que justificativa pode haver para arrancar recursos dos cidadãos com o objetivo de pagar as contas de partidos com os quais muitas vezes esses cidadãos não têm qualquer afinidade? O que fundamenta a destinação de recursos orçamentários para entidades privadas quando há tantas carências em áreas que dependem fundamentalmente desses recursos, como educação e saúde?
O Fundo Partidário, portanto, nem deveria existir. Mas não só existe, como não para de crescer – saltou de R$ 430 milhões em 2011 para R$ 828 milhões em 2016 – e é utilizado com manifesto desrespeito ao contribuinte. Em 2011, por exemplo, os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomendaram a rejeição das contas de 26 dos 29 partidos da época.
O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, disse que a prestação de contas feita pelos partidos é “um grande faz de conta”, em razão da malandragem das legendas e da falta de estrutura da Justiça Eleitoral para fiscalizar. No mundo ideal, como lembrou Mendes, a fiscalização deveria ser feita pelos próprios filiados, mas a maioria dos partidos hoje se resume a seu dono e seus apaniguados.
Uma das irregularidades mais comuns é o uso rotineiro de jatinhos para o deslocamento de correligionários. Os partidos não especificam itinerário, horário de embarque e identidade dos passageiros. Ademais, as mesmas viagens poderiam ser feitas em voos de carreira, com custo muito inferior. Os técnicos do TSE lembraram o óbvio: “Um dos requisitos da boa e regular utilização dos recursos públicos é a economicidade, isto é, a minimização dos custos”.
O contribuinte também foi obrigado a bancar caipirinhas e garrafas de vinho consumidas pelos integrantes dos partidos. Uma das legendas, o PRP, apresentou as contas de água e luz do partido com o endereço residencial de seu presidente. Outro partido, o PSDC, contratou duas empresas que pertencem a seus dirigentes. Em sua defesa, o PSDC disse que a Constituição assegura autonomia aos partidos, e não há, nos estatutos da agremiação, “nenhuma vedação” à contratação de empresas das quais participem seus filiados.
Os partidos não têm motivos para se preocupar. Primeiro, porque a Justiça Eleitoral é lenta demais para julgar as contas – o TSE ainda tenta avaliar a contabilidade de 2011. Segundo, porque correm no Congresso diversos projetos de lei que, na prática, livram os partidos de prestar contas anualmente e lhes dão ampla autonomia para gastar os recursos do Fundo Partidário. A festança com dinheiro público, ao que parece, não tem hora para acabar.
Os partidos são, sim, essenciais para o funcionamento da democracia representativa. Desde, é claro, que sejam sérios.
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