Por Marsílea Gombata | Valor Econômico
SÃO PAULO - A sete meses da eleição presidencial de novembro, a presidente Michelle Bachelet quer reformar o sistema de Previdência do Chile. A proposta, que ainda será enviada ao Congresso, prevê contribuição das empresas e é vista por analistas como uma jogada eleitoral, pois dificilmente será aprovada neste governo e tem chances de afundar se o próximo presidente for de direita.
Hoje o sistema previdenciário do Chile, quase totalmente privado, é baseado numa contribuição individual de 12% sobre o salário para uma conta individual do trabalhador. Esse dinheiro vai para uma administradora de fundos de pensão (as AFP, que são privadas), que cobra 2% como custo de administração. O modelo foi estabelecido nos anos 1980, ainda no governo do ditador Augusto Pinochet. Há ainda um fundo solidário, destinado a complementar aposentadorias dos mais pobres, cujos recursos hoje saem do Orçamento.
O problema é que muitos trabalhadores não contribuem o suficiente, ou por tempo suficiente, para ter um valor de aposentadoria minimamente razoável.
"O sistema atual é falho, pois o valor da aposentadoria depende exclusivamente do tempo de trabalho e de contribuição", explica Consuelo Flores, pesquisadora do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso). "Está baseado numa capitalização apenas individual, e como o mercado trabalhista chileno é muito instável, com muitas contratações temporárias, as aposentadorias ficam abaixo do salário mínimo". Com um salário mínimo de 280 mil pesos chilenos, ela diz, a maior parte dos aposentados recebe 176 mil pesos de aposentadoria.
A reforma proposta por Bachelet prevê uma contribuição adicional de 5% sobre os salários, a ser pagos pelo empregador. Desse valor, 60% iriam para a conta individual e 40% para o fundo solidário.
Há uma disputa política em torno da gestão desses 5%. Enquanto políticos de direita propõem que sejam administrados pelas AFPs, o governo quer um novo órgão público para fazê-lo. Com a reforma, prevê-se que os aposentados hoje teriam aumento de 20%, enquanto os trabalhadores que hoje contribuem teriam uma aposentadoria até 50% maior do que a atual.
"No longo prazo, o objetivo de Bachelet é corrigir as aposentarias, hoje nas mãos da gestão privada, que mal se equiparam ao salário mínimo e reproduzem desigualdades", diz Mauricio Morales, diretor do Centro de Análise Política da Universidade de Talca, no Chile.
Ele observa, no entanto, que falta consenso: enquanto políticos de direita são contrários à gestão pública dos fundos, políticos mais à esquerda querem o fim das AFPs, quando não a volta do Sistema de Reparto, quando trabalhadores e empresas contribuíam com 20% sobre os salários para aposentadorias dos mais velhos, sistema semelhante ao do Brasil. "O problema é que temos uma população cada vez mais idosa e que vê a expectativa de vida aumentar. Ou seja, teremos menos mão de obra para financiar aposentados futuros."
Nas ruas, a oposição ao sistema previdenciário atual é crescente. Protestos por maiores aposentadorias têm sido organizados pelo grupo No+AFP, que pede o fim das AFPs. O grupo afirma que "em quase todos os países filiados à OCDE há sistemas públicos de Previdência, cujas aposentadorias chegam a uma média de 70% da renda obtida" durante o período de trabalho e que, em outros países, os sistemas privados complementam a gestão pública e não a substituem.
Há dúvidas se a reforma da Previdência de Bachelet avançará. Além das divisões dentro da própria coalizão do governo sobre o tema, a expectativa é que a proposta seja encaminhada só no fim de julho, segundo previsões do ministro da Fazenda, Rodrigo Valdés.
"Mas em agosto começa a campanha eleitoral, e os congressistas estarão preocupados com a reeleição", prevê o chileno Patricio Navia, da Universidade de New York. "É uma ação com claras razões eleitorais. O objetivo não é necessariamente aprovar a reforma, mas que ela traga dividendos eleitorais para o partido de Bachelet."
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