- O Globo
Duas decisões da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, abrem caminho para maior celeridade das decisões sobre os processos da Operação Lava-Jato: ao mesmo tempo em que anunciou que colocará na pauta do plenário um caso que pode dar repercussão geral à decisão de restringir o foro privilegiado, decidiu montar uma espécie de “força-tarefa” no Supremo para assessorar o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava-Jato.
Fachin já conta com três juízes auxiliares, um a mais que o normal, mas o número de processos sob seus cuidados triplicou depois das delações dos executivos da Odebrecht: segundo o blog Jota, especializado em questões jurídicas, agora são 113 inquéritos em andamento — antes eram 37. Há ainda cinco ações penais tramitando na Corte.
O número de investigados também teve um aumento, de 109 para 195 pessoas, e os partidos com políticos investigados passaram de oito para 18. A demora para uma decisão nos processos do Supremo tem sido de mais de 500 dias, enquanto na Primeira Instância pode levar apenas uma semana, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas do Rio.
Se não houver uma aceleração nos processos, pode acontecer com a Lava-Jato o mesmo que houve com o mensalão. O julgamento só foi marcado quando houve um alerta de que muitos daqueles crimes poderiam prescrever. Os casos de processos de falsidade ideológica, o famoso caixa 2, da eleição de 2010 já estão prescritos para os denunciados que têm mais de 70 anos. E os da eleição de 2014 poderão prescrever em 2020.
Como disse ontem o ministro do STF Alexandre de Moraes, a bola agora está com o Ministério Público, que procederá as investigações juntamente com a Polícia Federal. A substituição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em setembro, portanto, é outro fator que pode atrasar as investigações. Por isso, ganha importância a decisão da ministra Cármen Lúcia de colocar na pauta em maio o processo em que o relator, ministro Luís Roberto Barroso, aproveitando o caso de um prefeito de Cabo Frio, defendeu a interpretação restritiva do foro privilegiado.
Se a tese for vitoriosa no plenário, muitos dos casos hoje no Supremo devem ser encaminhados pelo ministro Fachin para instâncias inferiores. O ministro Luís Roberto Barroso, ao relatar o processo contra o prefeito, aproveitou para sugerir que o plenário do STF analisasse a restrição do foro privilegiado aos crimes cometidos no cargo, e em razão do cargo.
Para o ministro Barroso, o caso revela a “disfuncionalidade prática do regime de foro privilegiado, potencializado pela atual interpretação constitucional ampliativa acerca de sua aplicação”. Segundo a força-tarefa da Lava-Jato, existem 22 mil cargos que garantem foro privilegiado a seus detentores, seja nos tribunais superiores ou nos TRFs.
Barroso acredita que “o sistema é feito para não funcionar”, e entre nós se tornou “uma perversão da Justiça”. No caso sob análise, o prefeito de Cabo Frio, terminado o mandato, foi eleito deputado, e depois prefeito novamente, e as diversas “subidas e descidas” de competência de foro — do TRE para o STF e de volta ao TRE — “estão prestes a gerar a prescrição pela pena provável, de modo a frustrar a realização da justiça, em caso de eventual condenação”.
A impunidade dos políticos decorrente da demora dos processos no STF pode desmoralizar não apenas o Supremo, mas a própria Operação LavaJato, adverte Barroso, e por isso em seu despacho ele sugeriu que o tema fosse julgado pelo plenário, dando repercussão geral à decisão.
Embora saiba que qualquer mudança deve ser feita pelo Congresso, por meio de emenda constitucional, Barroso diz que “é possível reduzir o problema representado pelo foro privilegiado mediante uma interpretação restritiva do seu sentido e alcance, com base no princípio republicano e no princípio da igualdade”.
A tese já tem adeptos entre os ministros do STF, como o decano Celso de Mello, que tem posição até mais radical. Para ele, o foro privilegiado deveria ser concedido apenas aos presidentes dos três poderes da República.
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