- Valor Econômico
Presidente tenta abrir passagem em beco sem saída
Quando Fernando Henrique Cardoso e José Gregori foram ao hospital Sírio Libanês dar um abraço de solidariedade em Lula, já com a morte cerebral de Marisa Letícia, houve sim uma ideia segundo a qual, passado aquele momento, FHC e seu sucessor na Presidência da República deveriam se aproximar, se reunir mais e conversar mais para analisar a conjuntura e os desdobramentos da atual crise. Depois disso não aconteceu mais nada.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim andou falando com Luiz Inácio Lula da Silva sobre a necessidade dele, Lula, conversar com o presidente Michel Temer. Nada sobre golpe ou golpismo. Alguma coisa dentro da tese segundo a qual a crise vai se aprofundar, se Temer cair. Os dois episódios ocorreram antes da lista de Fachin. Lula também não levou adiante a ideia de conversar com Temer. O PT entende que a mídia tem com Temer a tolerância que nega a Lula.
Jobim é o ponto em que as linhas se cruzam. Ele mantém os laços de sempre com Temer e o pessoal do quarto andar do Palácio do Planalto, seus velhos parceiros do PMDB. Mas deixou de ser um frequentador assíduo. Hoje é sócio e membro do conselho de administração do BTG Pactual, o que reduziria muito sua margem de manobra na articulação de saídas para a crise. O trânsito do ex-ministro seria hoje também menor do que já teve na Suprema Corte. Nada disso impede que seus argumentos estejam na boca de gente do governo.
Segundo Jobim, o tamanho da explosão da Odebrecht não é suficiente para desqualificar o Congresso como mediador da crise. Na prática, 94% da Câmara dos Deputados, 70% do Senado Federal e 55% dos governadores estaduais passaram incólumes pela delação do fim do mundo. A grande maioria. No total, os inquéritos abrangem 12% da totalidade dos membros do Congresso Nacional.
Jobim, como os demais relacionados na delação da Odebrecht, também culpa a mídia por tratar todos como culpados, quando os processos se acham em fase de inquérito. E por declarar em ruínas um sistema político que vai muito além da Praça dos Três Poderes.
O texto de ontem da coluna que Jobim publica no jornal "Zero Hora", de Porto Alegre, circula desde a semana passada entre ministros do governo Temer. Alguns dos que leram têm dúvidas sobre uma saída política articulada para a crise, sobretudo se tiver ares de conchavo, uma vez que "a política morreu" na explosão da superbomba da delação da Odebrecht.
Quem não está na lista mas já participou de eleições e conhece bem o caminho das pedras diz que a aposta dos colegas, no momento, é na morosidade da Justiça e no arquivamento dos processos por decurso de prazo. O essencial agora, o programa único - repetem todos - é garantir o calendário democrático, as eleições presidenciais de 2018.
A explosão fez tremer as colunas do Palácio do Planalto, mas elas ainda estão de pé, em meio a estilhaços. Vista do mezanino, há só uma saída para a crise - por dentro da democracia ou por fora dela. Foi assim em 1930, 1945 e com a meia sola de 1964, quando Castelo Branco exigiu ser eleito pelo Congresso e manteve o Legislativo aberto. Atualmente, como o golpe está fora de cogitação - não há ninguém com força para tanto e nem os militares estão dispostos a pagar esse mico, como faziam antes -, o que resta é a saída democrática.
A solução democrática, para o presidente Temer e seus principais auxiliares, não tem como prescindir do Congresso, que é o local adequado para a mediação dos conflitos. Um Congresso que vive sob estresse permanente há mais de dez anos, desde o mensalão - o esquema de compra de votos revelado em 2005 que por pouco não leva Lula de roldão. O problema é que o Congresso vive um processo de demolição moral que pode enfraquecê-lo ao ponto da paralisia.
Dos atores da crise, o Congresso ainda parece o que menos se deu conta da dimensão da encrenca em que se meteu a classe política. As pressões e os pedidos ao Palácio do Planalto são as mesmas de antes da crise. Mas o governo resolveu apostar no Congresso, pois está no mesmo beco sem saída e precisa de deputados e senadores para abrir uma passagem. Essa passagem é a reforma da Previdência. O país está tecnicamente próximo da porta de saída da recessão, a inflação em queda. Nessa toada, o Planalto aposta que consegue fazer a "travessia" até 2018 e entregar o país mais ou menos encaminhado para a retomada do crescimento para o próximo governo eleito.
Sem a reforma da Previdência, a ponte para a travessia, que já foi chamada de pinguela por Fernando Henrique Cardoso, perderá os pilares que lhes dão sutentação. Daí a energia que o governo gasta no convencimento dos partidos a não só votar e aprovar a proposta em tramitação no Congresso, como também fazer isso logo. O Ministério Público Federal dá todos os sinais de que pretende, bem antes do que se imagina, testar o critério estabelecido por Temer para ministros relacionados na Lava-Jato, qual seja o afastamento, em caso de denúncia, ou a demissão, se a denúncia for aceita no STF.
A atual crise política é singular, desvendou cenários imaginados mas nunca vistos explicitamente, mas pode piorar. A derrota na Previdência será o fim do governo a que se propõe, da travessia. Ou alguém seria capaz de imaginar que o país poderia conviver com três ou mais presidentes da República, num espaço de tempo inferior ao de um mandato?
Decepção
A narrativa de Emílio Odebrecht sobre suas relações com Lula abateram o moral da militância do PT que está se mobilizando para ir até Curitiba prestar solidariedade ao ex-presidente, no dia 3 de maio, data marcada para seu depoimento ao juiz Sérgio Moro. A delação do patriarca da Odebrecht revela um lado desconhecido de Lula para militância, que sempre o viu como defensor dos direitos trabalhista, um sindicalista lutador do povo. Não que o ex-presidente devesse se esquivar do diálogo com a fina flor da elite empresarial, o que deprime é a intimidade e as relações intrínsecas, beirando à vassalagem.
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