terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Ana Carla Abrão*: Há esperança, há solução

- O Estado de S.Paulo

A solução para o desequilíbrio de Estados e municípios está assentada em ações locais

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) define os limites a serem observados pelos entes federados em questões de endividamento e de despesas de pessoal. Nesse segundo tema, estabelece prazos de reenquadramento em caso de descumprimento dos tetos de comprometimento de receita e elenca instrumentos que devem ser usados para se buscar o reequilíbrio. Após quase 20 anos de vigência da LRF, a realidade mostra que os limites definidos pela lei foram abandonados e alguns dos instrumentos de ajuste nunca estiveram disponíveis. Parece ter chegado, finalmente, a hora de corrigir isso.

No campo das despesas de pessoal, a esperança vem com a reunião que o Tesouro Nacional promoveu na última semana com 31 das 32 cortes de contas de Estados e municípios. Conhecidos os excessos na interpretação dos conceitos de despesa de pessoal da LRF por parte dos Tribunais de Contas, não há como não lhes aquinhoar uma boa parcela de responsabilidade no atual colapso financeiro de tantos Estados. O grupo de trabalho organizado a partir dessa primeira reunião deverá caminhar para a padronização e a correção dos conceitos, convergindo na direção de uma maior transparência na contabilidade pública dos entes subnacionais.

Pelo lado dos instrumentos de ajuste, é no Supremo Tribunal Federal que se assenta a esperança. No próximo dia 27 de fevereiro o STF deverá julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada em 2000 pelo PT, PCdoB e PSB contra a LRF. A ADI 2238, à qual estão apensadas várias outras, deu origem a medidas cautelares que suspenderam dois dispositivos fundamentais da LRF. O primeiro deles trata da redução da jornada de trabalho na administração pública, com proporcional redução de salários. O segundo, da possibilidade de contingenciamento orçamentário e financeiro dos poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, em caso de frustração de receita.

A redução de jornada de trabalho com proporcional redução de salários é uma medida emergencial e necessária em tempos como os que vivemos atualmente. A grande maioria dos Estados descumpre os limites de despesa de pessoal da LRF, com constantes atrasos e parcelamentos nos salários e aposentadorias de servidores. São poucos os mecanismos que permitem a contenção e, agora mais do que nunca, a necessária redução dos gastos com pessoal.

O contingenciamento orçamentário dos poderes é outra necessidade premente. Desde que a LRF estabeleceu limites e penalidades aos que os descumprissem, somente o Executivo responde aos ditames da lei. Sob o argumento da independência de poderes, crise, ajuste, equilíbrio, racionalização de gastos e consciência fiscal são conceitos que passam ao largo dos orçamentos dos poderes autônomos. Graças às medidas cautelares em vigor, são os cortes nos gastos com educação, saúde e segurança que custeiam orçamentos protegidos por duodécimos blindados da realidade.

Mas tanto o julgamento do STF quanto o esforço de convergência dos Tribunais de Contas têm, muito além do importantíssimo impacto fiscal, um caráter moral que é ainda mais importante. Nos últimos anos, entes subnacionais em crise buscaram (e conseguiram) guarida do STF para garantir alívios imediatos, inclusive para o descumprimento de contratos firmados com a União. Assim como encontraram larga proteção em acórdãos e interpretações convenientes das cortes de contas locais, fugindo das penalidades e favorecendo a irresponsabilidade fiscal que hoje assola tantos desses entes.

A esperança na condução correta dos temas que minaram a LRF reforça o que está cada vez mais claro. A solução para o desequilíbrio de Estados e municípios está assentada, fundamentalmente, em ações locais. Recorrer à União por socorro financeiro, contar com o Supremo para adiar o cumprimento de obrigações assumidas ou escamotear a realidade com uma contabilidade criativa e errada não são mais alternativas.

A solução existe e está nas mãos, primeiramente, dos governadores. É no âmbito local que a crise fiscal dos entes subnacionais deverá ser enfrentada e resolvida. Mas para que esses governadores sejam bem-sucedidos, os poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público locais têm de se conscientizar que também são parte do problema a ser resolvido. Sem isso, não haverá nem esperança, nem solução.

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman

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