- O Globo
Medidas contra a corrupção e o crime organizado serão usadas para compensar a impopularidade da reforma da Previdência
Há um consenso no Congresso sobre a necessidade de fazer a reforma da Previdência, o que já é meio caminho andado. Anteriormente, ainda havia quem discutisse se existe mesmo o déficit do sistema. Hoje, alguém que ainda insista nessa discussão bizantina está isolado, como se vivesse em outro mundo.
Há também um consenso no governo, que inclui até mesmo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, de que a prioridade é da reforma da Previdência. O pacote de medidas contra a corrupção e o crime organizado, que está sendo apresentado por Moro aos parlamentares, vai ser usado para compensar a impopularidade da necessária reforma da Previdência.
Nesse ponto, as duas reformas se interligam, na estratégia do governo, tendo como norte a opinião pública. É o avesso da opinião do senador Renan Calheiros, de capitanear a imposição de parâmetros e limitações para as reformas, como maneira de evidenciar uma suposta independência do Congresso diante do Palácio do Planalto.
Equilibrando-se entre o “novo” e o “velho” Renan, criando um falso conflito entre personalidades contrárias, uma substituindo a outra sempre em benefício do país, o senador propunha-se a ser o resgatador da força do Senado, mas acabou apenas revelando um comportamento cínico, com traços esquizoides, na interpretação do psicanalista Joel Birman.
Perdeu uma eleição a que não deveria ter concorrido, para o senador Davi Alcolumbre, que o derrotou não por méritos próprios, ainda a serem provados, mas por representar justamente uma proximidade conceitual do novo Senado com os projetos do governo Bolsonaro, sem que essa posição signifique uma subalternidade em relação ao Planalto.
Quem parece estar chamando a si a responsabilidade da aprovação da reforma da Previdência é o reeleito presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que se movimenta para assumir papel determinante nas negociações.
Ao tentar sair na frente e intensificar as conversas sobre o tema com governadores e até mesmo com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com quem se encontrou ontem, o presidente da Câmara evidencia a precariedade dos articuladores políticos do governo, sem, no entanto, afrontá-los, assumindo o protagonismo em uma matéria de fundamental importância para a retomada do crescimento.
Faz isso com naturalidade, já que é reconhecidamente adepto da mesma visão econômica defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O ministro-chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, marcou posição na articulação da derrota de Renan Calheiros no Senado, ganhando uma dimensão política que o credencia a participar dessa ação, ao contrário do Major Vitor Hugo, líder do governo na Câmara.
Rodrigo Maia ganhou uma eleição demonstrando grande capacidade de apoio, e está muito empenhado na reforma econômica. No Senado, Davi Alcolumbre só ganhou porque o governo e a maioria do Senado queriam derrotar Renan. Não ganhou por conta própria, e ainda precisará provar que conseguirá substituir a liderança de Renan, que até mesmo o ministro Paulo Guedes pensava que viria a ser reeleito.
O ministro Moro corre em paralelo com seu pacote anticorrupção, e está muito satisfeito com as conversas que tem tido com parlamentares. Mas sabe que há um caminho difícil para que a receptividade se transforme em votos. Ele não vê motivos para que a simultaneidade dos projetos prejudique a aprovação, mas já admite que é preciso entender melhor a posição das lideranças, sinalizando uma flexibilidade nas negociações.
O treino está sendo realizado em ritmo de jogo, que só começará para valer com a volta do presidente Bolsonaro ao Planalto, quando os pontos sensíveis da reforma da Previdência, como idade mínima e prazo de transição de um modelo para o outro, serão definidos. O uso contínuo das redes sociais, até mesmo do hospital, e o hábito dos novos parlamentares de também usá-las para balizar seus votos indicam que Bolsonaro e seu governo apostam suas fichas na mobilização da opinião pública.
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