terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Bernardo Mello Franco: Uma voz crítica que se cala

- O Globo

A voz crítica de Ricardo Boechat costumava irritar os poderosos que se julgam acima do bem e do mal. Há pouco tempo, um ministro do Supremo tentou silenciá-lo

Na semana passada, Ricardo Boechat reclamou que a tragédia de Brumadinho estava começando a sumir do noticiário. O jornalista se referia a um fenômeno que conhecia bem. Como os fatos não param de acontecer, a manchete de hoje pode ser reduzida a uma notinha no jornal de amanhã. Quando grandes catástrofes se sucedem, como neste início de 2019, o ciclo fica ainda mais rápido — e mais cruel.

Boechat explicou a dinâmica aos ouvintes. “Isso acontece, é assim no mundo inteiro”, disse. Em seguida, insistiu que o caso não pode cair no esquecimento. “Quanto mais rápida for a perda de interesse, mais lentas serão as consequências”, justificou.

Ontem o âncora voltou a martelar o assunto. Criticou a cumplicidade de políticos com as mineradoras e cobrou medidas para evitar novas tragédias. Também elogiou a reportagem do GLOBO sobre outros casos que chocaram o país e terminaram sem castigo. “A impunidade é o que rege, o que comanda a orquestra das tragédias nacionais”, resumiu.

Foi seu último comentário matinal no rádio. No início da tarde, o jornalista virou notícia, para a tristeza de colegas e ouvintes.

Aos 66 anos, Boechat era um jornalista completo. Depois de uma longa carreira de sucesso no meio impresso, conseguiu se tornar ainda mais popular no rádio e na TV. Tive uma pequena amostra do seu carisma quando fui trabalhar na BandNews. Fontes e amigos só queriam saber uma coisa: “Já falou com o Boechat?”.

Sua voz crítica irritava os poderosos que se julgam acima do bem e do mal. Pior para eles. Há algum tempo, um ministro do Supremo tentou silenciá-lo. Inconformado por ser alvo constante (e merecido) dos seus comentários, resolveu apelar ao dono da emissora. Sem meias palavras, pediu a demissão da maior estrela da casa. Não foi atendido.

Boechat lembrou o episódio num e-mail recente, sem perder o humor. “Quando morrermos, dirão que éramos pessoas de bem porque figuras como ele pediam nossas cabeças”, brincou, referindo-se ao ministro.

Sua independência fará muita falta.

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