- Capitalpolítico (23.04.2020)
Há duas maneiras de interpretar a aproximação entre o presidente Jair Bolsonaro e os partidos do centro pragmático (vulgo centrão). A primeira é um movimento de prevenção de crise por parte do Planalto, para evitar que a precária situação socioeconômica possa se transformar em um processo de descontinuação antecipada do próprio governo.
No entanto, há uma segunda interpretação, mais interessante e sofisticada, que mostra essa construção como consequência de processos internos do parlamento brasileiro, que já sinalizavam para uma desarticulação desse grupo mesmo antes de Bolsonaro procurá-los. Em resumo, o Centrão deixou de ter adversários e objetivos comuns, fazendo com que cada partido busque se adaptar individualmente, ou dentro de alianças menores, à nova realidade.
A primeira divisão é promovida pelas perspectivas eleitorais. Há um conjunto de partidos formado pelo DEM, PSDB, PSD e Cidadania que pensam em 2022 em termos de candidatura própria e que tentam alguma coordenação já nas eleições locais deste ano, afastando-os do centro mais convencional, PP, PL, PTB e MDB (alguns estados).
A outra razão é a sucessão de Rodrigo Maia (DEM/RJ). O presidente da Câmara tem favorecido o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB), aproximando-se, inclusive, dos partidos de esquerda para costurar sua eleição. Dentro do PP, no entanto, há outro candidato, o deputado Arthur Lira (PP/AL), que depende de divisões da liderança de Maia, portanto, para que ele próprio se viabilize.
A relação de Maia com a oposição também é uma oportunidade para que o Republicanos, partido mais à direita e ideológico entre eles, tente uma candidatura própria. A legenda é a mais cotada para abrigar a “candidatura oficial” do Planalto, abrigando alas bolsonaristas. Os nomes principais são o deputado Marcos Pereira (SP), atual vice-presidente da Câmara, e o deputado João Campos (GO).
A divisão do Centrão deve tornar essa eleição, portanto, bem diferente da que escolheu Rodrigo Maia, que obteve mais de 300 votos. É possível que um ticket para o segundo turno gire em torno dos 100 votos.
A circunstância específica do momento político em tempos de Covid 19 deixa dúvidas se a Câmara dos Deputados terá tempo para montar comissões parlamentares no segundo semestre. Isso faz com que Maia tenha bastante controle sobre o processo legislativo durante todo o ano, conquistando, portanto, vantagem para si e para seu indicado.
Nesse aspecto, apesar de pertencer ao DEM, Maia acabou se tornando uma força própria dentro da Câmara. Por isso, o DEM busca não se identificar com a oposição e pode até se alinhar em uma futura coalizão de suporte ao governo. É esperada para essa quinta (23) um encontro do prefeito de Salvador, ACM Neto, com o presidente Bolsonaro.
A ideia de um impeachment – que hoje parece remota frente ao posicionamento dos militares, dizendo que se opõem a uma ruptura, mas que reconhecem justificadas as queixas de Bolsonaro contra o Judiciário e do Legislativo – e uma possível manobra para permitir a reeleição de Maia e de Davi Alcolumbre, presidente do Senado, também ajudam a dividir o Centrão. Esses fatores teriam sido o motivo para o PTB, de Roberto Jefferson, queimar a largada e se posicionar agressivamente contra Maia.
Como política é soma e síntese de interesses, a parceria entre partidos do centro e governo tem chances de marcar o nascimento do “segundo” governo Bolsonaro, inclusive com uma reforma ministerial no médio prazo. Bolsonaro que usar o Centrão. E o Centrão, ou pelo menos parte dele, quer usar Bolsonaro.
Todos esses fatores levam a uma guerra fria no Centrão, que disputa espaços na política nacional e na política interna do Congresso Nacional, onde não tem adversário. E nada causa mais desunião do que a inexistência de concorrência, quando as ambições individuais ou partidárias caminham sem um eixo estratégico maior.
*Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) com especialização em comportamento eleitoral e instituições governamentais.
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