- Valor Econômico
Risco de disputa entre ortodoxos e desenvolvimentistas
Começou a se desenhar no governo um importante embate. O sinal foi dado pela iniciativa dos ministros chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Na quarta-feira, eles anunciaram o Plano Pró Brasil, um programa de investimentos públicos de R$ 30 bilhões para os próximos três anos e outros R$ 250 bilhões em concessões. A cifra dos investimentos públicos é irrelevante para influir na recuperação da atividade, mas o ato pode significar uma mudança de sinal da política econômica do liberalismo pré-crise do coronavírus para um ensaio intervencionista no pós-pandemia.
A primeira instituição do governo a falar em um programa de recuperação para o pós-crise, no estilo Plano Marshall (programa de reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra, financiado pelos Estados Unidos), foi o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Além de preparar Parcerias Público Privadas (PPPs) com maior protagonismo do setor privado e Programas de Parcerias de Investimentos (PPIs), o trabalho do Ipea pretende identificar e reconstruir, internamente, elos de cadeias produtivas globais que se perderam por causa de um mundo mais protecionista que surge no processo de “desglobalização” pós pandemia do coronavírus.
Não se cogita conceder subsídios, mas eventualmente poderá haver algum incentivo fiscal para, por exemplo, estimular o emprego com a redução de encargos trabalhistas. Combater o desemprego resultante da paralisia da economia na batalha contra a covid-19 é um outro foco do programa.
O plano do Ipea, porém, é financiado preponderantemente por instrumentos de mercado. “Eventualmente pode-se ter algum endividamento público, mas esse terá que ser reduzido ao mínimo”, disse Carlos von Doellinger, presidente do Ipea. A notícia de que um outro grupo do governo de Jair Bolsonaro, sob coordenação da Casa Civil, está trabalhando em programas de investimentos públicos, preocupou Doellinger, que garantiu que no plano que está sendo estruturado pelo Ipea “não haverá gastança de dinheiro público, até porque não tem”. Os técnicos do instituto vão mapear a economia real e definir um arcabouço macroeconômico para mostrar como deve ser o ritmo de recuperação, se pode ser rápida ou lenta e, sendo lenta, como um programa de retomada da economia pode influenciar no seu ritmo.
Reserva-se para o BNDES um papel relevante nessa etapa da reconstrução. O banco de desenvolvimento pediu para não mais devolver antecipadamente os empréstimos do Tesouro Nacional, como fez nos últimos anos. Isso reforça o funding da instituição em algo como R$ 100 bilhões neste ano.
O banco também deve captar recursos junto às agências multilaterais como Banco Mundial (Bird) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que espera-se que participem com financiamentos a projetos de investimentos, passado o pior da crise. Hoje ocorre uma fuga de capital das nações emergentes por causa da percepção de risco. Então, vai ser difícil captar recursos no mercado financeiro internacional nos próximos meses.
Nos cálculos de técnicos oficiais, o país sairá da pandemia com uma elevação substancial da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG). Se no início do ano as contas indicavam uma dívida equivalente a 75,8% do PIB para o exercício, agora os números batem em 85% do PIB. Sua trajetória para os próximos dez anos também é crescente, embora a taxas mais módicas.
No cenário-base da Instituição Fiscal Independente (IFI), conforme o Relatório de Acompanhamento Fiscal de abril, estima-se para este ano 2,2% de contração do PIB e um déficit primário na casa dos R$ 550 bilhões, equivalente, portanto, a 7,5% do PIB. Resultado que decorre da perda de receitas com a recessão e do aumento das despesas para mitigar os efeitos perversos da pandemia.
A dívida bruta sobe, nesse cenário-base, para 84,5% do PIB neste ano, pressupondo a venda de cerca de 3% do PIB das reservas cambiais. O endividamento público assume uma trajetória ascendente que, se nada mais for feito para interrompê-la, chegará a 100,2% em 2030.
Trata-se de um movimento insustentável que pode e deve ser atenuado com medidas de contenção do gasto obrigatório a partir do próximo ano, quando, espera-se que as ações expansionistas tomadas neste ano para conter os danos colaterais da pandemia, sejam revertidas.
Saber a hora de reverter essas medidas é muito importante para delinear o perfil do endividamento público nos próximos anos. Preservar por um longo tempo as ações expansionistas tomadas no auge da crise financeira global de 2008/2009 foi uma das razões para o descontrole do gasto público durante o governo de Dilma Rousseff.
O risco de se reproduzir aqui a eterna disputa entre desenvolvimentistas e ortodoxos está colocado. O ministro da Economia, Paulo Guedes, argumentou nas discussões sobre o Pró Brasil que foi exatamente com esse intervencionismo que o governo do PT quebrou o país.
Ele comparou o Pró Brasil ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo do PT. Talvez ele esteja mais para um PND, programa de desenvolvimento da era militar.
Interlocutores do ministro disseram que a elaboração do plano foi estimulada por Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional, com a intenção de arrumar mais recursos para a sua pasta. Guedes considerou a atitude de Marinho desleal.
Por mais legítimo e necessário que seja o gasto para mitigar os efeitos do coronavírus na economia e a busca do crescimento, não é prudente descuidar da dívida bruta, principal indicador de solvência do país. Essa é uma história que nunca tem um final feliz.
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