• Bolsonaro cria instabilidades e eleva custo da crise – Editorial | O Globo
Choque com Moro e abalo de Guedes mostram presidente enredado na própria inépcia para conduzir a nação na pandemia
Jair Bolsonaro está aumentando o custo da crise para a sociedade em meio a uma pandemia histórica. O presidente escolheu se transformar num vetor de instabilidade e converteu o governo numa usina de crises. O resultado é óbvio: quanto maior o nível de conflito, mais alto tende a ser o preço a ser pago por 211,4 milhões de brasileiros para emergir do caos econômico e social provocado pelo vírus.
Nas últimas semanas ele se empenhou em tumultuar as perspectivas de uma governança ainda que precariamente estável ao abrir confrontos com governadores estaduais, demitir um ministro, Luiz Henrique Mandetta (Saúde), e agir claramente para desidratar outros dois, Sergio Moro (Justiça e Segurança) e Paulo Guedes (Economia).
O choque com Moro e o abalo de Guedes se enquadram na moldura de um presidente aparentemente enredado na própria inépcia para conduzir uma nação sob grave crise, que avança para completar uma década em recessão, neste ano em nível sem precedentes, e nos últimos dez dias registrou aumento de 150% no número de mortes na pandemia.
Sem plano coerente e consistente para o país, Bolsonaro circunscreve suas ações à receita que aplicou com êxito na campanha eleitoral de 2018, a da aposta na multiplicação de conflitos em todas as direções.
É legítima sua aspiração à reeleição em 2022, assim como a busca por amparo parlamentar a todo custo. O problema está na sua incapacidade sucessivamente demonstrada de distinguir os limites entre Estado e governo, assim como entre o papel de um presidente e o de candidato potencial em futuras eleições.
A exposição da discórdia com o ministro da Justiça obedece a um padrão visto recentemente no caso do ministro da Saúde e reproduzido, mais uma vez, na promoção de um plano de resgate econômico para “trinta anos” — incoerente, para se dizer o mínimo —, ao qual se opõe abertamente o Ministério da Economia.
No caso do desentendimento com Moro há o agravante do motivo. Bolsonaro tenta há tempos substituir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, pessoa de confiança do ex-juiz. Assim como parece não arquivar a ideia de tirar a Segurança Pública do ministro da Justiça, para deixá-lo sem a PF. O interesse do presidente pela Polícia Federal cresce à medida que surgem ou avançam investigações no entorno do clã Bolsonaro. Agora, é o inquérito recém-aberto no Supremo, para investigar os subterrâneos das manifestações antidemocráticas, como as de domingo, de que Bolsonaro participou. Não se trata de uma preocupação republicana.
Hoje, a partir dos sinais emitidos pelo Palácio do Planalto, a única certeza possível é a de que o presidente da República não sabe o que fazer diante dessa inédita crise e, por isso mesmo, usa o recurso de fazer política do confronto, multiplicando conflitos em proporção e velocidades só comparáveis à disseminação do novo coronavírus.
• Presidente repete erro histórico ao avalizar programa dos generais – Editorial | O Globo
Bolsonaro pode tomar o caminho que já levou a sérios retrocessos na inflação e no crescimento
Não é a primeira vez que um presidente brasileiro recorre ao velho recurso de acionar o Estado para tentar impulsionar a economia. No caso de Jair Bolsonaro, ele ensaia copiar antecessores ao avalizar a iniciativa de generais do seu governo de esboçar o Pró-Brasil, apresentado em linhas muito gerais na quarta-feira pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, por ocasião da primeira entrevista do seu novo colega de ministério, Nelson Teich, da Saúde. Merecia uma exposição mais detalhada.
Mas o que se viu foi o bastante para se saber que os contornos do Pró-Brasil repetem tantos outros planos e programas lançados no país durante todo o século passado e neste, que deveriam ter mudado de forma radical a economia e a sociedade brasileiras, e não conseguiram. A única diferença é que hoje existem recursos gráficos e computacionais que facilitam a produção de propostas e sua divulgação pela internet.
O aspecto marcante, e que preocupa do Pró-Brasil, é que ele vai em sentido diametralmente oposto à necessária política de ajuste do ministro da Economia, Paulo Guedes. Aproveita-se o momento da grave crise de saúde e econômica, que exige a realização de gastos emergenciais bilionários, para se tentar criar novas despesas permanentes. As emergenciais são voltadas ao fim específico do combate à crise, tanto que serão contabilizadas em um Orçamento à parte, de “Guerra”, aprovado no Senado e devolvido à Câmara porque foram feitas emendas no projeto pelos senadores.
As despesas extraordinárias, por uma questão de transparência, terão uma contabilidade própria, e a grande dívida pública gerada por elas terá de ser paga pela sociedade. Ao mesmo tempo, as despesas públicas continuam submetidas ao teto constitucional de gastos, para impedir um novo desregramento fiscal. O Brasil acumula déficits públicos bilionários por seis anos consecutivos, desde 2014. Não há possibilidade de dinheiro público financiar o Pró-Brasil. A não ser dinheiro privado, interno e/ou externo. Braga Netto afastou ontem qualquer possibilidade de novas rumos na economia. Não foi convincente.
É possível que Bolsonaro tenha sido aconselhado a mudar de política econômica, para que o dinheiro público acelere a volta do crescimento e afaste seus temores políticos. Isso já foi dito pela então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff ao presidente Lula e praticado por ela mesma no Planalto. A inflação voltou, e as contas públicas desmoronaram. O presidente Geisel, um general nacionalista, na ditadura, foi pelo mesmo caminho “desenvolvimentista” e lançou as fundações da hiperinflação que explodiu na redemocratização. O Brasil anda em círculos.
• Tragédia de erros – Editorial | Folha de S. Paulo
Governo lança plano obscuro de obras e exibe dados enganosos sobre epidemia
Como se o país tivesse tempo a perder, o governo Jair Bolsonaro conseguiu produzir incerteza e controvérsia em torno de um rascunho de programa de obras públicas para o período pós-pandemia.
Acalentada pela ala militar do Planalto, a ideia suscitou nos corredores brasilienses alusões ao Plano Marshall, o gigantesco socorro econômico concedido pelos EUA aos aliados europeus após o desfecho da Segunda Guerra.
Diante de referência tão estrambótica, auxiliares do ministro Paulo Guedes, da Economia, trataram de dar declarações para recordar que o governo federal vive —há pelo menos cinco anos— sob regime de severa restrição orçamentária.
O tema acabou por centralizar as atenções na entrevista coletiva concedida na quarta (22) por integrantes do primeiro escalão envolvidos no enfrentamento da crise do coronavírus —cuja atração principal deveria ser, em tese, a primeira participação do novo ministro da Saúde, Nelson Teich.
Muito pouco, porém, se pôde descobrir a respeito do tal programa. Seu expositor, o general Braga Netto, chefe da Casa Civil, foi mais claro ao dizer o que ele não é: “Não existe nenhum Plano Marshall”.
Fora isso, soube-se que a propositura ganhou o nome de Pró-Brasil e terá a missão de concluir obras públicas ao longo de três anos, com investimento de R$ 30 bilhões, montante muito modesto para as dimensões do Orçamento —em 2019, com toda a penúria de primeiro ano de governo, investiram-se R$ 56,6 bilhões.
Ao fim e ao cabo, nem se entendeu a necessidade do anúncio precoce de um programa embrionário, quando há providências mais urgentes a serem tomadas, nem se desfez a impressão de que os militares pressionam contra a agenda liberal e fiscalista conduzida pela equipe de Paulo Guedes, não representada na entrevista.
Não foi a única trapalhada do evento, contudo. O estreante Nelson Teich, sem o desembaraço do antecessor diante do microfone, aventurou-se a dizer que o Brasil apresenta uma das menores taxas de mortes por Covid-19 do mundo, se considerada a população.
A comparação, além de usar números duvidosos e deixar de lado a subnotificação, foi feita com países que passam por estágios mais avançados da epidemia.
Notava-se o esforço geral em imprimir um tom mais positivo à comunicação de governo, complementado por um esdrúxulo apelo do general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, por boas notícias na imprensa. Servir a Bolsonaro é, de fato, uma árdua missão.
• Ciência de menos – Editorial | Folha de S. Paulo
Governo troca sem explicação comando do CNPq, órgão que sofre com corte de verba
Desde sua fundação, no início dos anos 1950, o CNPq desempenha, com altos e baixos, papel central no apoio à pesquisa científica e tecnológica, bem como no fomento da pós-graduação nacional.
Nos últimos anos, o órgão vem conhecendo um processo de estrangulamento de verbas, com ameaças até à continuidade de parte das mais de 80 mil bolsas de pesquisa que financia.
Mais recentemente, já no governo de Jair Bolsonaro, o conselho perdeu também prestígio dentro do Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual está atrelado. O presidente do CNPq deixou de despachar diretamente com a secretaria-executiva da pasta, e a interlocução passou a ocorrer com uma de suas coordenações.
A demissão abrupta e não explicada de João Luiz Filgueiras de Azevedo, que ocupava a presidência da instituição havia pouco mais de um ano, constitui novo baque.
A mudança de comando, num momento em que o Brasil enfrenta a ameaça do coronavírus, tumultua a gestão de um órgão essencial na coordenação de esforços de universidades e institutos nas pesquisas relacionadas ao Sars-CoV-2.
Azevedo insistia por mais recursos e na defesa da autonomia do órgão. O engenheiro também se posicionou publicamente de forma contrária à proposta de fusão do CNPq com a Capes (agência vinculada ao MEC), ideia aventada no ano passado e que contava com o apoio do ministro Abraham Weintraub, da Educação.
A despeito do momento inconveniente para a substituição, o novo presidente do órgão, o agrônomo Evaldo Vilela, parece ser um nome adequado para o cargo.
Membro da Academia Brasileira de Ciências, ex-reitor da Universidade Federal de Viçosa (MG) e ex-presidente da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais, Vilela possui reconhecida tarimba científica e administrativa.
Assumirá, no entanto, uma instituição com dificuldades crescentes para exercer sua função precípua. Os recursos destinados ao fomento de projetos, que já eram escassos, reduziram-se ainda mais neste ano, passando de R$ 127 milhões para cerca de R$ 80 milhões —valor só obtido após forte pressão da comunidade científica.
São verbas suficientes apenas para arcar com compromissos já assumidos pelo CNPq, não permitindo novos investimentos.
Ao torniquete orçamentário, que atinge praticamente toda a máquina pública, soma-se a hostilidade do governo Jair Bolsonaro perante a educação e o conhecimento, tidos como inimigos ideológicos.
• Pró-Brasil, um arremedo de plano – Editorial | O Estado de S. Paulo
É indispensável programar a retomada econômica, mas planejamento vai muito além de improvisação para servir a um projeto de reeleição
Desorganizado, perdido e rachado por desentendimentos internos, o governo promete um programa de recuperação econômica baseado em grandes obras. Devem ser investidos R$ 250 bilhões por meio de concessões e parcerias público-privadas e R$ 50 bilhões com recursos públicos, segundo o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto. A decisão foi anunciada em entrevista coletiva no Palácio do Planalto sem a presença de qualquer integrante do Ministério da Economia. O general, segundo se informou, coordenará o programa, batizado de Pró-Brasil.
As gavetas da Casa Civil podem até conter um plano econômico, mas nada parecido com isso foi apresentado na entrevista. Poucos pontos ficaram claros e nenhum deles é positivo. O coordenador pode ter, como se comenta, apoio de colegas militares, mas a opinião da equipe econômica pouco tem pesado. Mais que intrigante, isso é inquietante. Não é próprio de governos normais.
Mas há mais que isso. Em reunião anterior à entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a preservação das âncoras fiscais, como teto de gastos. Defensores do plano já falam, no entanto, em ultrapassar o teto, a proibição constitucional de gastar mais que a soma do ano anterior corrigida pela inflação. Recorrer a um critério especial, o da calamidade pública, poderia ser uma saída, mas isso seria justificável?
Essa decisão poderia ser vista como sinal de abandono da seriedade fiscal. “Nada está descartado”, respondeu o presidente Jair Bolsonaro quando a imprensa lhe perguntou sobre uma possível flexibilização do ajuste fiscal já prometido e iniciado antes do surto da covid-19. A promessa de acerto das contas públicas é muito mais, no entanto, que um assunto interno do governo ou parte de um discurso dirigido ao eleitorado.
A gestão das finanças oficiais influencia a classificação de risco do País. Afeta as condições de financiamento do Tesouro e até a nota de crédito de grupos privados, mesmo daqueles mais sólidos. O presidente Jair Bolsonaro talvez ignore também esses fatos. Mas cidadãos mais informados, incluídos os membros da equipe econômica, sabem disso. O mercado pode aceitar o afrouxamento fiscal para ações de emergência, no enfrentamento de uma pandemia e de seus piores efeitos econômicos. Mas seu julgamento poderá mudar, e provavelmente mudará, quando tiver de analisar um programa de recuperação pós-covid-19.
Uma piora da avaliação de risco poderá resultar em juros mais altos. Não adiantará, então, cobrar do Banco Central uma política monetária mais branda. Afinal, quem financia o déficit fiscal e dá suporte ao endividamento público é o mercado. Terão os formuladores e defensores do Pró-Brasil considerado, ou mesmo lembrado, esse prosaico fato da vida?
Há, no entanto, outros pontos obscuros no esboço de programa anunciado pelo general Braga Netto. Qual a segurança quanto aos R$ 250 bilhões dependentes de concessões e de parcerias público-privadas? No mesmo dia do anúncio do Pró-Brasil, o secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, informou o adiamento de várias operações: “Neste ano acreditamos que não haverá clima para venda de ativos”. A meta de arrecadar R$ 150 bilhões em 2020 é, portanto, irrealizável.
Mas também privatizações previstas para 2021, como as dos Correios, da Codesp e da Telebrás, estão sendo reprogramadas para 2022. Além disso, segundo o secretário, as vendas de participações da União e do BNDESPar em empresas privadas é ainda mais incerta, por causa da má condição das bolsas de valores. Apesar disso, o coordenador do Pró-Brasil parece acreditar em clima para investimentos de R$ 250 bilhões por meio de concessões e parcerias público-privadas.
É indispensável, sim, programar a retomada econômica, com início neste ano e aceleração a partir de 2021. Mas planejamento econômico é algo mais sério e vai muito além de improvisações para servir a um projeto de reeleição. Há conhecedores do assunto em Brasília, no mercado e na academia. Por que não ouvi-los?
• Barco furado em águas agitadas – Editorial | O Estado de S. Paulo
Além da dupla crise, sanitária e econômica, Brasil terá de sobreviver à crise política
A abertura da Brazil Conference – evento anual promovido por estudantes brasileiros de Harvard e do MIT, que conta com a parceria do Estado – dá a medida dos desafios e oportunidades que a crise impõe ao País. Na mesa virtual de debates, os economistas Persio Arida e Eduardo Gianetti trataram de alguns dos principais temas que são e serão discutidos em todo o mundo por lideranças de diferentes segmentos, como o papel do Estado, o drama da desigualdade e a agenda de reformas.
Como lembrou Gianetti, a economia brasileira, assim como a de outros países, “está respirando por aparelhos”, tendo de equacionar três fatores: o suporte da saúde pública, o suporte social e a mitigação dos danos econômicos. O Brasil, em particular, tem especificidades que o fragilizam. “Temos um governo que não merece outro nome senão disfuncional”, com um presidente que manda sinais trocados à população, sabota o seu Ministério da Saúde e está em conflito aberto com os outros Poderes. Isso só agrava a “obscena desigualdade social”, que relega mais de 40 milhões de brasileiros à informalidade, dificultando a operacionalização de transferências de recursos para os mais vulneráveis.
Ao escancarar dramaticamente esta desigualdade e forçar soluções para mitigá-la, “um dos efeitos colaterais da crise”, disse Gianetti, “será acelerar mudanças que já vinham em curso”. O Estado brasileiro arrecada cerca de 33% do PIB – bem acima do padrão dos países de renda média – e gasta quase 40% do PIB. Ainda assim, metade dos domicílios não tem saneamento básico, a vida cotidiana é ameaçada pelo crime e o sistema educacional é precário.
Temos hoje um Estado gigante e disfuncional que promove desigualdades, afirmou Arida. “Como ele faz isso? Nas diferenciações de regimes tributários e pelos elevadíssimos salários do setor público.” O ex-presidente do Banco Central enumerou como pontos críticos a serem alcançados a reforma tributária, a reforma administrativa e a abertura comercial. Mas, apesar de rumores e promessas, eles não foram encampados pelo Planalto.
Com o inevitável crescimento da dívida pública, podendo saltar de 75% para até 100% do PIB, será mais do que nunca necessário assegurar condições de retomada e crescimento sustentável. Para Arida, a proposta fiscalista do governo, segundo a qual a mera contenção de gastos basta para atrair investimentos privados, é “simplória”. Não que não seja necessária. Mas é uma medida defensiva que só tem efeitos se complementada por segurança jurídica, educação e produtividade.
“Para uma agenda de produtividade, a primeira coisa a se pensar é na abertura comercial de bens e serviços”, disse Arida. Além disso, é necessário um programa de privatizações. “Mas uma agenda de produtividade não existe no governo Bolsonaro”, e o plano de privatizações, que nem sequer chegou a ser consolidado, já foi adiado sine die pelo secretário de Desestatização, Salim Mattar.
Em resumo, além da dupla crise – sanitária e econômica –, o Brasil terá de sobreviver a uma terceira – a crise política. Gianetti elogiou a atuação do STF ao garantir a autonomia dos Estados para executar as medidas de contenção da epidemia, e lembrou que é preciso consumar o movimento de descentralização federativa proposta pela Constituição. Segundo Gianetti, ela foi realizada de maneira assimétrica: atribuições do setor público como segurança, educação ou infraestrutura foram devidamente transferidas a Estados e municípios, mas, de um modo geral, a capacidade de tributar permaneceu concentrada na União. “A regra de ouro é a seguinte: o dinheiro público deve ser gasto o mais perto possível de onde ele é arrecadado. Isso é cidadania tributária.”
A boa notícia é que o crescimento depende de “um conjunto de reformas que vão trazer mais igualdade”, disse Arida. “Se o País vai abraçar essa agenda, eu não sei.” A depender do presidente da República, ninguém sabe – e não se saberá, a menos que a sociedade civil e os protagonistas políticos sensatos promovam uma aliança para reparar o barco e pô-lo no prumo, apesar de seu capitão.
• Um plano responsável – Editorial | O Estado de S. Paulo
Plano do governo de SP poderá conduzir a volta à normalidade com segurança
O governo paulista tem se mostrado cioso da enorme responsabilidade do poder público na coordenação das ações de enfrentamento da pandemia de covid-19. Embora isso seja o mínimo a esperar de qualquer governo que se pretende sério, a postura ajuizada do governador João Doria e de sua equipe nesta hora grave é digna de registro porque ainda há no País muitos que desdenham da gravidade da maior emergência sanitária global desde a gripe espanhola de 1918-1919, a começar pelo presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus auxiliares mais próximos.
Desde o início de março, quando o novo coronavírus começou a avançar no País, sobretudo em São Paulo, Estado mais afetado da Federação, o governador João Doria e seus secretários se postam quase diariamente diante da imprensa para, com clareza e transparência, atualizar os dados sanitários, anunciar medidas e, na medida do possível, tranquilizar a população. Boas ou más, as informações chegam aos paulistas tais como são, sem turvamento dos fatos. É um alento. Ao fim e ao cabo, este diálogo institucional entre governo e sociedade cria um ambiente de confiança que, se é fundamental para a democracia em qualquer circunstância, adquire especial importância no momento em que os cidadãos se veem ameaçados por um vírus mortal ainda por ser totalmente entendido pela ciência.
É com confiança, pois, que deve ser recebido o Plano São Paulo, planejamento de reabertura das atividades econômicas no Estado a partir do dia 11 de maio. As diretrizes gerais do plano foram divulgadas por João Doria na quarta-feira passada. Os detalhes, no entanto, só serão conhecidos no próximo dia 8, dois dias antes do término da vigência da atual quarentena. Até o dia 10 do mês que vem, nada muda: só permanecerão abertos os estabelecimentos que prestam serviços essenciais, como supermercados, farmácias e postos de combustíveis.
Em linhas gerais, o Plano São Paulo compreende a classificação dos 645 municípios do Estado em três categorias de risco: vermelha, amarela e verde. A flexibilização será maior, naturalmente, nos municípios da zona verde, ou seja, os que apresentam baixo número de casos de covid-19, baixa ocupação de leitos de UTI e testes disponíveis para pessoas assintomáticas ou casos suspeitos, como explicou Patrícia Ellen, secretária estadual de Desenvolvimento Econômico e Social. Nos municípios incluídos na zona amarela haverá reabertura, porém bem mais restrita. Já nos municípios que compõem a zona vermelha, por ora, não haverá qualquer flexibilização. “Em hipótese alguma faremos uma abertura desordenada, com flexibilização aleatória ou desrespeitando os critérios da saúde e da ciência”, disse Ellen.
De acordo com o governador João Doria, o planejamento de reabertura constante do Plano São Paulo poderá ser revisto a qualquer tempo caso não se respeite, a partir do dia 10 de maio, um índice mínimo de 50% de isolamento social. A Região Metropolitana de São Paulo tem se mantido neste patamar, pouco mais, pouco menos, a depender do dia.
Já em 20 municípios do interior do Estado, não identificados pelo governador, o isolamento é superior a 60% da população, o que os credencia para uma reabertura econômica menos restrita. No fim, disse Doria ao apresentar as diretrizes do plano, quem determinará o grau de flexibilização da quarentena nos municípios paulistas serão os técnicos da área de Saúde. A população também ajudará muito neste processo caso se mantenha engajada no isolamento. É este comportamento cívico que tem permitido ao Estado apresentar taxas de novos casos de covid-19 menores do que as observadas em outros entes federativos e até mesmo em outros países. “São Paulo conseguiu achatar a curva, não temos mais dúvida”, disse o coordenador do Centro de Contingência da Covid-19, David Uip.
Pelo que se sabe até agora, o Plano São Paulo é um planejamento responsável para a retomada das atividades no Estado. Amparado em dados científicos, de execução gradual e setorizada, poderá conduzir a volta à normalidade tendo como norte indesviável o resguardo da saúde da população. Não se pode exigir mais do que isto.
• Bolsonaro agora desprestigia Guedes e volta-se contra Moro – Editorial | Valor Econômico
Dúvidas sobre solvência fiscal podem voltar em péssima hora
Com seu estilo de administração pelo caos, o presidente Jair Bolsonaro caminha para desmantelar rapidamente seu governo. Dois sinais desta obra de destruição foram dadas em 24 horas. O primeiro, anteontem, quando o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, reuniu ministros para apresentar um plano “Pró-Brasil” sem a presença do ministro da Economia, Paulo Guedes, e com reparos públicos da equipe econômica sobre sua conveniência. Ontem, o ministro da Justiça, Sergio Moro, ameaçou se demitir após o presidente exigir a troca do diretor geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Bolsonaro voltou atrás.
Bolsonaro demitiu um ministro muito bem avaliado pela população, Luiz Mandetta, da Saúde, no momento em que a covid-19 caminha para seu pico. Agora, provocou um ícone de seu governo e das hostes bolsonaristas, Sergio Moro, também mais bem avaliado que o presidente. Valeixo é o braço direito de Moro, mas Bolsonaro quer colocar alguém alinhado consigo (e família) no comando do órgão, enquanto investigações que a PF realiza envolvem pelo menos um filho de Bolsonaro.
Não é a primeira vez que Bolsonaro tenta influir na PF. Em uma delas, quis nomear o superintendente no Rio, mas foi demovido, não sem antes ter procurado obstar o trabalho da Receita no porto de Itaguaí, vital para a logística de armamento das milícias. Em janeiro, o presidente declarou a intenção de separar, em novo ministério, a Segurança Pública da pasta da Justiça. Moro tinha dado prioridade ao ataque ao crime organizado de PCC e outros grupos, com sucesso.
Como não é transparente em seus desígnios, Bolsonaro quer intervir na PF, cujas investigações sobre as fake news podem chegar até o “gabinete do ódio” que habita o Planalto, e a seu mentor, Carlos Bolsonaro. Em outra frente de apurações policiais está Flávio Bolsonaro, suspeito de ligação com as milícias e do esquema de rachadinhas na Assembleia do Rio de Janeiro. Por motivos funcionais ou éticos, Bolsonaro não deveria ter o comando da PF sob seus pés, pois levanta suspeitas de que age com interesses nada republicanos.
Moro é um dos troféus do governo de Bolsonaro, Paulo Guedes no comando da Economia é outro. Seu prestígio também começou a ser erodido desde que a covid-19 entrou em cena e arruinou seus planos de entregar a economia em pleno crescimento em 2022 e, com isso, dar as melhores chances para a reeleição do chefe. Guedes ficou sem chão quando teve que fazer o contrário do que fez até agora: soltar as amarras dos gastos públicos para amparar o sistema de saúde e mitigar os danos de uma economia parada.
Por motivos desconhecidos, o ministro parece ter sido escanteado em um assunto essencial a sua pasta, a da formulação de medidas para reativar as atividades quando o coronavírus for domado. Braga Netto divulgou um plano de R$ 30 bilhões para a infraestrutura e um pacote de concessões que poderia trazer investimentos de R$ 300 bilhões a longo prazo.
Não haveria motivo para divergências se fosse apenas isto. Guedes diz que não há dinheiro e sua equipe persegue a ideia de que são os investimentos privados que alavancarão a economia. Mas projeto é tímido e não se desvia tanto disso. E não há nada mais surrado do que reunir projetos antigos de concessão quando se quer dar ideia de que o governo tem planos para o futuro. Isso ocorreu com Dilma e seu PAC-2, com Temer e seu PPI. O governo Bolsonaro, na reunião de maio do PPI, estimou projetos de R$ 1,58 trilhão - R$ 1,4 trilhão, no setor de óleo e gás. O próprio Guedes prometera R$ 1 trilhão em venda de ativos que nunca ocorreu, nem ocorrerá.
Antes do novo plano, era oficial que as concessões só deslanchariam para valer no último ano da gestão de Bolsonaro. O cronograma da maioria dos projetos do PPI mostra que eles aceleram de fato a partir daí. Logo, a discórdia não são os projetos, velhos conhecidos.
As parcerias são a única saída para um governo sem dinheiro. Com o teto de gastos, o investimento orçado para 2020 é de apenas R$ 22,4 bilhões, 0,3% do PIB, o menor valor em décadas. Com o teto de gastos, as despesas obrigatórias expulsaram investimentos. Essa é a questão central. Aparentemente, articula-se um drible ao teto, contra a vontade de Guedes, abrindo-se outro foco de instabilidade. Ao fim da pandemia, a dívida pública será muito mais alta e não se poderá evitar novo ajuste. As dúvidas sobre a solvência fiscal do país deram uma trégua diante da destruição causada pelo vírus, mas podem voltar antes, em péssima hora.
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