sexta-feira, 24 de abril de 2020

Bernardo Mello Franco - Um duelo sem inocentes

- O Globo

Não há inocentes na disputa entre Moro e Bolsonaro. O capitão quer interferir na PF para blindar filhos e patrocinadores. O ministro fica em nome de um projeto pessoal de poder

Sergio Moro usou a toga para ajudar Jair Bolsonaro a subir a rampa. Foi recompensado com o Ministério da Justiça e uma promessa de vaga no Supremo.

No começo, o acordo foi vantajoso para os dois. Ao nomear o juiz da Lava-Jato, Bolsonaro vendeu a imagem de que seu governo combateria a corrupção, apesar dos rolos com milicianos e assessores fantasmas. Moro se livrou da primeira instância e encontrou um atalho para o centro do poder.

A convivência pacífica durou pouco. Bolsonaro farejou as ambições do ministro e passou a tratá-lo como virtual adversário em 2022. No segundo mês de mandato, abandonou o discurso da carta branca e interferiu na nomeação de uma suplente para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

A partir dali, o presidente se especializou em humilhar o subordinado. Moro perdeu o comando do antigo Coaf, teve que trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio e por pouco não viu seu ministério dividido em dois para abrigar um ex-deputado da bancada da bala.

Em outra frente, Bolsonaro recuou do compromisso público de indicá-lo ao Supremo. Disse que os dois não tinham “nenhum acordo”, e passou a prometer a nomeação de um juiz “terrivelmente evangélico”.

A cada revés, Moro escolheu entre o silêncio e as ameaças veladas de pedir demissão. Ontem ele voltou a ensaiar uma retirada após ouvir que o chefe trocaria o diretor-geral da PF. A substituição foi adiada, mas o clima de desconfiança mútua permanece.

Não há inocentes nessa disputa. Bolsonaro quer interferir na polícia para blindar os filhos e os empresários que financiam o chamado gabinete do ódio. A abertura de um inquérito sobre as manifestações golpistas do último domingo aumentou sua urgência para controlar as investigações.

Moro sabia quem era Bolsonaro, mas topou o convite para satisfazer a um projeto pessoal de poder. No cargo, omitiu-se diante de desmandos e ofensivas autoritárias. Agora fica ainda mais enfraquecido, à espera de informações que possam ajudá-lo a retaliar o chefe.

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