Não
precisa fazer interpretações para concluir que a democracia brasileira vai mal.
Basta juntar os fatos. Não são feitos mais os ataques verbais às instituições
nem as passeatas pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do
Congresso, mas isso não significa que o presidente Bolsonaro mudou. Ele é o
mesmo que sempre desprezou valores democráticos. A paz com o centrão não é
governabilidade, está mais para conluio. Partidos, políticos e o presidente têm
o mesmo objetivo: manter o poder e suspender o combate à corrupção.
O
episódio do senador Chico Rodrigues traz uma série de lições. Alguém pode
concluir que tudo funcionou bem, afinal a Polícia o encontrou, o Supremo o
afastou inicialmente, ele próprio pediu afastamento. É uma visão benigna, mas
não realista. O fato é que o vice-líder do governo se sente tão à vontade que
leva maços de dinheiro para casa. A PF que o encontrou continua trabalhando,
mas ela está sendo esvaziada. Até quando terá essa autonomia? Até que ponto
poderá chegar? O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, deixou no ar um
silêncio eloquente sobre o escândalo. O ministro do Supremo que afastou Chico
Rodrigues foi criticado por senadores. Eles não queriam julgá-lo no Conselho de
Ética. Os colegas o aconselharam a dar um “jeitinho”: sair por 121 dias,
entregar o mandato ao filho suplente e deixar tudo em casa. O presidente da
República fingiu que não tinha com ele a anunciada “quase união estável”.
Há
outros sinais preocupantes para onde se olhe. O governo inteiro vem sendo
militarizado. Ontem, o Senado aprovou sem reclamar os nomes da diretoria da
nova Autoridade Nacional de Proteção de dados. Ela será presidida por um
militar, e eles serão três dos cinco diretores. O órgão precisa de autonomia em
relação ao governo. Ele vai fiscalizar e editar normas da Lei Geral de Proteção
de dados de todos nós. Os militares não têm em relação às informações a
preocupação de proteger a privacidade. Por treino profissional, e pela
ideologia do atual governo, eles tendem a ver isso dentro da doutrina que
definem como “de segurança nacional”.
O
governo mandou espiões para a última Conferência do Clima, em Madri, como
informou o repórter Felipe Frazão do “Estado de S.Paulo”, e deu a eles status
de negociadores. Desta forma estava mentindo para a ONU e constrangendo
negociadores brasileiros. O general Heleno disse que isso foi feito para vigiar
“maus brasileiros”. Essa é uma visão tipicamente autoritária. Quem outorgou ao
general o direito de definir quem são os maus brasileiros? São os que desmatam
ilegalmente a Amazônia ou os que denunciam que isso está sendo feito?
O
Rio, como mostrou o relatório de diversas ONGs, tem 57% do seu território sob o
controle da milícia. Isso é uma ameaça nacional. O presidente Bolsonaro e seus
filhos têm todo um mar de ambiguidade em relação à milícia, que vai da ligação
direta, como a mantida com o o ex-policial militar e líder de bando miliciano
Adriano Nóbrega, morto na Bahia, até as frequentes declarações de apoio ao
bando.
“Enquanto
o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no
meu entender, será muito bem-vindo. Se depender de mim terão todo o meu apoio”,
disse Bolsonaro em 2003. Em 2018, reafirmou: “Tem gente que é favorável à
milícia, que é a maneira que eles têm de se ver livres da violência. Naquela
região onde a milícia é paga não tem violência”. O então candidato estava
aprovando a extorsão a que estão submetidos os moradores das áreas controladas
pelos milicianos. Quando um grupo criminoso tem o apoio implícito ou explícito
de quem governa o país, isso é um imenso perigo.
O truque atual é capturar as instituições, esvaziá-las da sua autonomia, mas deixá-las em pé. Assim, alguém pode dizer: mas estão lá as instituições funcionando. A suposta “pacificação” de Bolsonaro não é respeito à autonomia e à independência dos poderes. Ele quer proteção para ele, seus filhos, sua família. Os parlamentares querem que a investigação de corrupção pare de importuná-los, porque já não sabem mais onde enfiar dinheiro quando a Polícia Federal chega. Diante de todos os sinais — e há muitos outros — só o desatento dorme tranquilo com a democracia brasileira.
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