O
que se fez foi colocar na praça um novo tipo de bandido, o miliciano
A
má notícia vem de um consórcio de pesquisadores: metade dos bairros do Rio de
Janeiro estão ocupados por milícias. Um em cada três moradores da cidade vive
em áreas controladas por essas organizações criminosas. A boa notícia está nas
livrarias. É “A República das Milícias”, do repórter Bruno Paes Manso, com um
retrato da construção dessa ruína social.
Paes
Manso mostrou como os justiceiros surgiram até de forma simpática: “Milicianos
de PMs expulsam tráfico”. Isso em 2005, passaram-se 15 anos e a simpatia é
atraída para a notícia de que na semana passada a polícia do Rio matou doze
milicianos.
Policiais
expulsando traficantes de drogas em nome da benemerência era uma lenda urbana.
Logo veio o controle das vans que faziam transporte ilegal de passageiros. (A
Fetranspor, guilda dos empresários que faziam transporte legal, corrompia
parlamentares e governadores.)
É
difícil acreditar que Jair Bolsonaro não conhecesse a cidade em que vivia
quando disse, em 2018, que “as milícias tinham plena aceitação popular, mas
depois acabaram se desvirtuando. Passaram a cobrar gatonet e gás”.
Bolsonaro tinha no seu entorno o ex-sargento Fabrício Queiroz e o ex-capitão Adriano da Nóbrega. Um está preso. O outro, foragido, foi queimado no interior da Bahia.
Pela
lenda urbana 1.0 a milícia vendia segurança, cobrando de R$ 15 a R$ 60 por
família no bairro que protegia. A milícia “desvirtuada” cobraria pelo gás ou
pelo gatonet (cerca de R$ 50). É a lenda urbana 2.0. Mesmo deixando-se pra lá
que cobram entre R$ 30 e R$ 300 aos comerciantes, em pouco mais de uma década,
elas avançaram nos mercados de regularização de terrenos e de construções
ilegais. Privatizam espaços públicos achacando camelôs e motoristas que
estacionam seus carros.
Outra
lenda urbana esteve na ideia segundo a qual as milícias combatiam o tráfico de
drogas. Pode ser que isso já tenha acontecido, mas hoje elas toleram os
traficantes ou se aliam a eles. Não é preciso ser um gênio para perceber que
essa fusão é inevitável.
Quando
Bolsonaro defendia os milicianos era apenas um parlamentar federalmente
inexpressivo e municipalmente astuto. Hoje é o presidente da República. No seu
estado ajudou a eleger um juiz que prometia “balinha na cabeça” e foi afastado
por mau uso do dinheiro da Viúva. O prefeito da cidade que persegue o apoio do
capitão foi apanhado usando o dinheiro da Viúva para custear uma milícia que
constrangia cidadãos insatisfeitos com a saúde pública.
Bolsonaro, como Wilson Witzel, elegeu-se com um discurso político de defesa da lei e da ordem. O governador do Rio perderá a cadeira e deverá batalhar para ficar solto. Bolsonaro e os generais da reserva que levou para o Planalto estão reciclando suas agendas moralistas. Para quem falava em segurança e combate à corrupção, a pesquisa das milícias e o livro de Bruno Paes Manso estão aí para mostrar que não adianta olhar para o lado. A menos que se pretenda colocar mais uma lenda urbana na ciranda, a dos confrontos nos quais morrem os milicianos que expulsavam os traficantes. Como o tráfico vai bem, obrigado, o que se fez foi colocar na praça um novo tipo de bandido, o miliciano. Como as milícias são quase sempre recrutadas na polícia, com a proteção de governantes, seria melhor olhar para dentro.
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