Só
Freud explica a pulsão de morte que emana de Bolsonaro em plena pandemia
Não
há outra explicação, a não ser a pulsão de morte descrita por Sigmund Freud em sua teoria, para
um presidente de um país no qual quase 160 mil pessoas morreram em menos de um
ano usar uma cerimônia oficial para, numa só tacada, divulgar desinformação
sobre vacina e vender mais um medicamento sem eficácia científica comprovada,
sem nenhum dado que ampare a “descoberta”.
A
teoria das pulsões aparece pela primeira vez na obra de Freud em 1920, mas
ganha contornos culturais, sociológicos e políticos nove anos depois, quando
ele publica O
Mal-Estar na Civilização. Neste texto ele descreve a dicotomia
entre as pulsões do indivíduo – a pulsão de vida (Eros) e de morte (Tânatos) –
e as expectativas da sociedade (ou da civilização).
Bolsonaro age movido a pulsão de morte desde os primórdios de sua curta passagem pelo Exército, em toda a sua carreira de defensor de tortura e assassinato nos porões e, agora, como promotor de caos no enfrentamento da pandemia de covid-19.
Se
não, qual a justificativa para um presidente adotar um tom de pura picuinha e
dizer explicitamente que, sob suas ordens, a Anvisa, uma agência que tem o
dever de fiscalizar e regular a política de saúde, pode atrasar a aprovação de
vacinas ao sabor das disputas político-partidárias que ele insiste em
antecipar?
Qual
a explicação para que, 116 anos depois da Revolta da Vacina,
o Brasil esteja mergulhado, por obra e graça do presidente e de seus acólitos,
num pântano de desinformação e calhordice em que se propagandeia de forma
irresponsável que alguém (Quem? Os governadores? A polícia? Vozes da cabeça dos
malucos?) vai invadir a casa de pessoas e vaciná-las à força com substâncias
vindas da China (a mesma que, insinuam eles, criou um vírus em laboratório para
subjugar o mundo) sem comprovação científica?
No
mesmo evento em que usa mais um órgão de Estado, a Anvisa, como aparelho de
suas intenções mesquinhas, o presidente dá voz ao ministro-astronauta para
promover mais um medicamento sem eficácia científica comprovada em nenhum
estudo sério do mundo, como sendo capaz de, nas fases iniciais da covid-19,
reduzir a carga viral.
Para
isso, o ministro em questão promete para dali a alguns dias (quando?) os
estudos que supostamente corroboram a irresponsabilidade, ao mesmo tempo em que
usa gráficos chupados de um desses bancos de imagem públicos da internet para
mostrar a suposta eficácia. Garganteia diante de um chefe aparvoado que o que
deveria ser um estudo de anos foi feito em quatro meses.
Tal
show de mistificação, num país que não estivesse anestesiado pelos absurdos
cotidianos e impunes, seria contraposto imediatamente pelo Ministério Público,
pelo Judiciário, pelo Conselho Federal de Medicina e a comunidade científica,
em uníssono. Com a exigência de apresentação imediata de dados, sob pena de
punição.
Aqui,
o contraponto fica por conta de cientistas usando suas redes pessoais para
cobrar o ministro, jornalistas científicos fazendo o mesmo e, talvez, alguma
representação de partido de oposição.
O Ministério Público
Federal é hoje uma instituição em que os procuradores
estão calados porque temem ser alvo de perseguição (volto a isso na coluna de
domingo).
Diante
de cenário de terra arrasada, dá até um alívio que o Ministério da Saúde se
descole do teatro da morte e anuncie convênio para comprar 46 milhões de doses
de vacina do Instituto Butantã quando os estudos comprovarem sua eficácia.
Resta saber se também o ministro não será admoestado pelo chefe a recuar, se o
Tânatos e os delírios persecutórios decorrentes dele apontarem que ele está
jogando a favor de seus adversários.
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