quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Gustavo Loyola* - Riscos no horizonte

- Valor Econômico

O fracasso na aprovação de reformas trará um quadro de turbulência econômica em 2021

A mediana das projeções para o crescimento do PIB brasileiro em 2021 está em 3,47%, segundo a pesquisa Focus divulgada pelo Banco Central na última segunda-feira. Entretanto, alguns riscos relevantes se acumulam no horizonte e podem levar tais previsões a se frustrarem, deixando a economia brasileira bem aquém de uma recuperação em “V”, após o gigantesco tombo provocado pela covid-19.

O risco mais óbvio deriva da provável queda da renda disponível das famílias, em razão do término do programa do coronavoucher, para o qual não há substituto possível em razão das limitações fiscais. Alguma mitigação parcial deste efeito pode ser viabilizada, observadas as possibilidades orçamentárias, mas somente uma recuperação mais forte da ocupação faria a massa real de renda das famílias crescer em 2021 e sustentar o aumento do consumo.

Ocorre que a dinâmica do mercado de trabalho no pós-pandemia vem sendo afetada negativamente por diversos fatores que ainda estarão presentes nos próximos meses. Há, é verdade, um processo de recuperação do emprego em curso, mas com uma velocidade inferior à que seria desejável. Além disso, a retomada ocorre de maneira heterogênea, com desempenho ainda negativo do segmento de serviços. Isso decorre não apenas do legado de estragos que a pandemia deixou sobre as empresas - muitas quebraram e outras diminuíram de tamanho - como também das incertezas ainda existentes tanto no campo da saúde quanto no da economia.

Com relação à pandemia, o agravamento da situação europeia e também nos EUA nas últimas semanas tem sido um balde de água fria sobre o otimismo que vinha se construindo aqui com a redução da taxa de infecção e de mortalidade que trazem maior relaxamento das restrições à movimentação das pessoas. Não se pode descartar a possibilidade que uma segunda onda de infecções ocorra também aqui no Brasil em alguns meses. Nesse contexto, é bem compreensível a relutância de algumas empresas em retomar plenamente a recontratação de mão-de-obra, enquanto não fique mais clara a questão da covid-19.

O ambiente de incertezas em relação à pandemia pode se dissipar caso se viabilize no curto uma vacina efetiva contra o novo coronavírus que possa ser massivamente aplicada nos próximos meses.

Contudo, há outro fator que está afetando negativamente as expectativas: a percepção sobre o estágio atual do debate público a respeito do risco fiscal, no contexto de um endividamento público fortemente magnificado pelas despesas e renúncias de receita associadas ao combate aos efeitos econômicos negativos da pandemia. Preocupa especialmente a falta de definição do governo federal sobre o que fazer diante dos desafios sérios que se apresentam no campo das finanças públicas.

O ministro Paulo Guedes, infelizmente, não tem conseguido liderar o debate do tema no seio da administração, contestado que tem sido até pelo próprio Presidente da República em questões viscerais para a manutenção da responsabilidade fiscal.

Não bastasse isso, os demais poderes da República parecem absolutamente descompromissados com o tema, como se restrição orçamentária fosse apenas uma criação ficcional de alguns economistas amalucados. A propósito, deve ser mencionado que o aumento do risco fiscal já está levando o mercado a exigir prêmio crescentes nos leilões de títulos públicos, o que é um sinal grave e incontestável da degradação das expectativas.

A questão fiscal, vale dizer, não se cinge apenas à manutenção ou não do teto constitucional de gastos. Pode até surgir um remendo qualquer que preserve o teto em 2021, mas sem um ataque mais direto às fontes endógenas do crescimento das despesas públicas e uma reforma tributária mais abrangente o ambiente de incertezas se manterá ao longo do ano que vem, derrubando o ritmo da retomada da economia. Cabe lembrar que em 2022 haverá eleições presidenciais, quando será muito mais difícil a aprovação de reformas ou medidas impopulares no Congresso Nacional. Em razão disso, é bem provável que um eventual remendo fiscal dure pouco, não sobrevivendo ao início do debate sobre o orçamento de 2022.

Assim, para restaurar a confiança dos agentes econômicos e afastar o risco de insolvência no endividamento público, o Brasil necessita de instrumentos estáveis e embutidos no nosso quadro legal que sejam compatíveis com a responsabilidade fiscal numa perspectiva de médio e de longo prazos. O fracasso na aprovação nos próximos meses de reformas que sejam conducentes à restauração do equilíbrio fiscal no futuro imediato trará um quadro de turbulência econômica em 2021, com maior volatilidade no câmbio e aumento das taxas de juros, que inviabilizará a retomada sustentável da atividade e a queda do desemprego.

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo

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