EDITORIAIS
Teste de estresse
O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro testa as
instituições democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a
política. Qual país emergirá dessa terrível experiência?
O presidente Jair Bolsonaro testa as instituições
democráticas de todas as maneiras desde que entrou para a política. Hoje, seus
crimes de responsabilidade se multiplicam, do mesmo modo como, quando era
deputado, abundavam suas agressões ao decoro parlamentar – sem mencionar as
suspeitas de “rachadinhas” e outras estripulias. Seus ataques à imprensa e à
Justiça mostram sua ojeriza a alguns dos principais pilares da democracia. Sua
campanha feroz para cindir a sociedade é antidemocrática por definição.
Como não há perspectiva de que Bolsonaro se
emende – ao contrário, é bem provável que o presidente intensifique sua
ofensiva liberticida, pois é de sua natureza –, pergunta-se: qual país emergirá
dessa terrível experiência?
Será um país em que as instituições
democráticas afinal resistiram a seu maior teste de estresse desde o fim do
regime militar, fazendo prevalecer o espírito da Constituição sobre o projeto
destrutivo liderado pelo bolsonarismo sob os auspícios do Centrão e de
corporações parasitárias do Estado?
Ou será um país em que as instituições
democráticas se deixaram emascular pelos interesses mesquinhos de quem se
acomoda ao poder para ter ganhos imediatos? Em que se faz exegese heterodoxa da
Constituição para fazê-la caber em projetos autoritários de poder? Em que
grupos com acesso privilegiado ao
Estado conseguem manipular o Orçamento sem
qualquer transparência nem prestação de contas? Em que se modificam as leis
eleitorais e os modelos de representação para perpetuar o atraso? Em que se
considera legítimo um governo que atua contra os mais básicos preceitos éticos
e técnicos da administração pública, fazendo terra arrasada na educação, na
cultura e na área ambiental? Em que se fecham os olhos para a tentativa de
transformar as forças militares em guarda pretoriana do presidente da República?
Em que não causa comoção a transformação do Brasil em pária mundial?
Se depender dos democratas brasileiros, o País sairá fortalecido dessa provação, mas não será sem um esforço extraordinário, pois são evidentes os sinais de que os inimigos da democracia ganharam muito terreno desde a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência.
Há instrumentos constitucionais para conter
a insana marcha bolsonarista. No entanto, o contubérnio de Bolsonaro com o
Centrão tem garantido até aqui a sobrevivência política do presidente, mesmo
diante da catástrofe que seu governo impõe ao País. Não se sabe o quanto vai
durar esse arranjo – afinal, quanto mais Bolsonaro se enrosca em escândalos,
mais caro fica esse apoio.
Por ora, o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), eleito para o cargo com o apoio de Bolsonaro, diz que não há
razões para dar andamento a um processo de impeachment contra o presidente,
embora haja uma profusão de crimes de responsabilidade.
Em recente entrevista a O Globo, Lira
declarou que não há votos para o impeachment, que Bolsonaro tem “base popular”
e que o afastamento do presidente demanda “circunstâncias como uma política
fiscal desorganizada, uma política econômica troncha”. Já os mais de 500 mil
mortos na pandemia contam menos, no cálculo do presidente da Câmara, do que a
aritmética dos votos no plenário.
Não é à toa que o presidente Bolsonaro
referiu-se a Arthur Lira recentemente como “prezado amigo e companheiro” e
qualificou como “excepcional” o trabalho do presidente da Câmara.
Para completar, Bolsonaro, no mesmo
discurso, revelou seu desejo de acabar com a separação de Poderes, inscrita na
Constituição, ao dizer que “não são Três Poderes, não, são dois, Arthur: é o
Judiciário e nós para o lado de cá”. Ou seja, Bolsonaro transformou sua
Presidência em apêndice do Centrão no Congresso, em contraposição ao
Judiciário.
No entanto, as seguidas derrotas do
presidente nas Cortes superiores e no encaminhamento de projetos de seu
interesse no Congresso, além do suadouro que a CPI da Pandemia está lhe dando no
Senado, mostram claramente que o arranjo que mantém Bolsonaro no poder ainda
não pode tudo – e está ao nosso alcance fazer com que jamais possa.
Choques de preços
O Estado de S. Paulo
Energia eleva pressão inflacionária num quadro já afetado por ações do governo
Um novo choque de preços – mais um, num ano
de inflação acelerada – vai aparecer nas contas de eletricidade, com o reajuste
de 52% na bandeira tarifária. A taxa extra foi elevada de R$ 6,24 para R$ 9,49
para cada 100 quilowatts-hora consumidos. A decisão da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) foi anunciada ontem. A bandeira vermelha já estava no
nível 2, pressionando os custos de famílias e empresas. Com chuva escassa e
pouca água para alimentar as hidrelétricas, os brasileiros têm de pagar pela
energia mais cara das usinas térmicas. Para evitar racionamento, o governo
recomenda cuidado com as torneiras e chuveiros e parcimônia no uso da luz, de
eletrônicos e eletrodomésticos.
A crise hídrica e seus efeitos sobre o
custo da eletricidade e, portanto, sobre a inflação, já estavam na pauta do
Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). O tema apareceu
com destaque na ata da última reunião do Comitê, quando a taxa básica de juros,
a Selic, foi elevada de 3,5% para 4,25%. Novos aumentos ocorrerão e a taxa,
segundo projeção do mercado, poderá chegar a 6,5% até o fim do ano. Dinheiro
mais caro é a arma principal usada pelos bancos centrais para conter a escalada
dos preços.
Também pela estimativa do mercado, a
inflação de 2021 deve chegar a 5,9%. O Banco Central projeta, por enquanto,
5,8%. Os dois números superam o limite de tolerância, de 5,25%, e ficam bem
acima do centro da meta, de 3,75%. Essas projeções se referem ao Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), sinalizador principal das
políticas oficiais.
Inflação disparada inferniza as famílias,
principalmente as pobres, complica a gestão empresarial e acaba impondo graves
problemas às finanças públicas, embora possa, a curto prazo, elevar a receita
tributária e dar algum conforto ao governo. Mas esse conforto é passageiro e
enganador. O ministro da Economia, Paulo Guedes, deveria estar muito atento a
esse tipo de risco. A alta de preços, já muito intensa, poderá tornar-se bem
mais perigosa, nos próximos meses, se as finanças públicas ficarem subordinadas
ao jogo político e aos objetivos eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.
O custo da eletricidade já tem pressionado
e continuará a pressionar a inflação, mas esse é apenas um dos fatores de
risco. Os desajustes no atacado permanecem como grande ameaça, afetando os
custos de produção e atingindo, em graus variáveis, os preços pagos pelo
consumidor. Em junho, os aumentos no atacado perderam impulso e ficaram em
0,42%. Em maio haviam atingido 5,23%. Os dados são do Índice Geral de Preços –
Mercado (IGP-M), da Fundação Getulio Vargas (FGV). Dois fatores – a valorização
do real e o recuo das cotações internacionais de commodities – fizeram os
preços das matérias-primas brutas diminuírem 1,28% em junho, depois de terem subido
10,15% em maio, explicou o coordenador dos índices de preços da FGV, André
Braz.
Mas ninguém pode garantir a duração dessa
trégua. Além disso, o conjunto dos preços por atacado subiu 18,99% no ano e
47,53% em 12 meses. Qualquer novo aumento ocorrerá, portanto, sobre uma base já
muito alta. Depois, a movimentação do câmbio, importante componente do sistema
de preços, depende de fatores internos e externos. Internamente, o dólar pode
ser afetado por incertezas sobre a política econômica, o equilíbrio fiscal, a
dívida pública e as tensões políticas. Todos esses fatores contribuíram, por
mais de um ano, para manter o dólar acima de R$ 5,00. A acomodação cambial só
ocorreu recentemente.
Fator inflacionário presente por vários
meses, o dólar caro resultou em grande parte da insegurança gerada pelo
presidente. Dinheiro deixou de entrar e dinheiro foi mandado para fora em
reação a suas atitudes, com destaque para a política antiecológica. Envolvido
com o orçamento paralelo e com o escândalo da Covaxin, o presidente permanece
no foco dos investidores, podendo afetar o movimento de capitais, o câmbio e a
formação de preços, com efeitos muito piores que os do aumento do custo da
energia elétrica.
Aberração antirrepublicana
O Estado de S. Paulo
Auditores do TCU concluíram que ‘orçamento secreto’ é inconstitucional
O governo bem que se esforçou, mas a
caudalosa explicação enviada ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a
existência de um “orçamento secreto” – caso clássico de patrimonialismo, típica
aberração antirrepublicana – não convenceu os auditores da Corte de Contas. Os
técnicos da Secretaria de Macroavaliação Governamental (Semag) do TCU
concluíram que a artimanha engendrada pelo presidente Jair Bolsonaro no fim do
ano passado com o objetivo de cooptar parlamentares para sua base de apoio no
Congresso, ou premiar os que dela já faziam parte, “não reflete os princípios
constitucionais, as regras de transparência e a noção de accountability”. Em
suma: o TCU, como era de supor, concluiu que o chamado “orçamento secreto”,
mais do que ilegal, é flagrantemente inconstitucional.
No início de maio, o Estado revelou que
Bolsonaro criou um “orçamento” particular com recursos públicos, no valor de R$
3 bilhões, para financiar projetos de um seleto grupo de parlamentares amigos
do rei por meio das emendas do relator-geral do Orçamento, tecnicamente
conhecidas como RP-9. O presidente recorreu ao tal “orçamento secreto” para
comprar uma base de apoio no Congresso, em especial na Câmara dos Deputados, a
fim de garantir sustentação política em meio à queda de popularidade devida ao
descalabro de sua administração, se é que de “administração” pode ser chamada a
plêiade de ações e omissões do presidente a que a Nação, perplexa, assiste dia
sim e outro também.
O curioso é que, oficialmente, o próprio
presidente da República havia vetado a emenda RP-9 quando da sanção da lei
orçamentária. Em suas razões de veto, Bolsonaro alegou que este tipo de emenda,
com razão, “contraria o interesse público” e estimula o que chamou de “personalismo”
no manejo dos recursos públicos.
No entanto, enquanto posava de
administrador cioso de suas responsabilidades diante do distinto público,
abaixo do radar dos órgãos de controle – e da sociedade – Bolsonaro fazia
rigorosamente o contrário, ou seja, distribuía recursos públicos por meio do
“orçamento secreto” sem equidade entre os parlamentares ou quaisquer
referenciais técnicos.
“As informações extraídas das respostas (do
governo) às diligências expõem a inexistência de procedimentos sistematizados
para o monitoramento e avaliação dos critérios de distribuição das emendas
RP-9, tal como ocorre, por exemplo, com as emendas individuais por meio do
Sistema de Planejamento e Orçamento do Governo Federal (Siop)”, concluíram os
auditores do TCU. Tamanha é a desfaçatez no assenhoreamento de recursos
públicos para uso privado que a distribuição das emendas era discutida até por
meio de mensagens de Whatsapp, sem qualquer controle institucional.
Inicialmente focalizado no Ministério do
Desenvolvimento Regional, o “orçamento secreto”, hoje se sabe, espraiou-se
também pelos Ministérios da Agricultura, da Defesa e da Justiça e Segurança
Pública, o que reforça que a prática lesiva foi convertida em política de
governo. No meio da papelada enviada pelo governo ao TCU, há também ofício
assinado pelo relator-geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), ao
ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, então à frente da Secretaria
de Governo (Segov). Ramos alegou que o Estado mentiu ao publicar que a Segov
participou da distribuição dos R$ 3 bilhões.
O TCU julga hoje as contas do governo
Bolsonaro referentes ao exercício de 2020. Apuração do Estado indica que os
ministros tendem a aprová-las, apenas recomendando à Presidência da República
que dê “ampla publicidade” às informações sobre os reais solicitantes dos
repasses listados como de autoria do relator-geral do Orçamento. Se, de fato,
for este o desfecho do julgamento, terá sido uma conclusão muito branda para
tão clara violação de princípios constitucionais, como técnicos do próprio TCU
bem assinalaram.
Apropriar-se de recursos do Orçamento para saciar o clientelismo de parcela dos parlamentares e construir artificialmente uma base de apoio congressual é ação por demais grave para não levar à reprovação das contas do governo. É fazer letra morta da Constituição e dos princípios republicanos.
Mal parada
Folha de S. Paulo
Inclusão de juízes será avaliada, mas
avanço da reforma administrativa é difícil
Em reformas do Estado, como as do serviço
público e do sistema de impostos, não se devem esperar desfechos redentores,
que equacionem de uma única vez todas as distorções e injustiças reconhecidas.
Trata-se, afinal, de projetos que se
desdobram em múltiplas frentes e inevitavelmente despertarão resistências
tenazes de setores influentes, por motivos razoáveis ou pela preservação de
privilégios. Nesse sentido, os avanços incrementais —passos, mesmo que
aparentemente modestos, na direção correta— precisam ser valorizados.
Isso dito, é deplorável que a reforma
administrativa em tramitação na Câmara dos Deputados não inclua juízes e
procuradores, categorias das mais abonadas na administração pública. E são
chocantes as dificuldades enfrentadas até para o mero debate do tema.
Como noticiou a Folha, uma emenda que
procura remediar essa lacuna não havia conseguido até segunda (28) o número
mínimo de assinaturas dos parlamentares. Só agora o objetivo foi atingido, a
poucos dias do prazo final.
Assinaturas, cabe ressaltar, não significam
voto favorável, mas apenas um sinal verde para que a alteração seja considerada
na Casa. No caso, eram necessários os autógrafos de 171 dos 513 deputados.
Quando apresentou sua proposta de emenda
constitucional (PEC), em setembro do ano passado, o governo Jair Bolsonaro
argumentou que deixava de fora juízes, procuradores e congressistas porque a
regulação de tais categorias não estaria ao alcance de iniciativa do Executivo.
Quase dez meses depois, a alegação não faz mais sentido.
A reforma tem o propósito de eliminar
gastos exorbitantes e elevar a produtividade do funcionalismo, acabando com
promoções automáticas por tempo de serviços e reduzindo o alcance da garantia
de estabilidade no emprego. Numa etapa posterior haveria a revisão das
estruturas de carreira, com queda dos salários iniciais.
Tudo isso vale apenas para os futuros
servidores, o que já corresponde a uma rendição prematura ante o lobby poderoso
das corporações estatais —que conta com o próprio presidente da República em
suas fileiras. Ainda assim, as perspectivas de tramitação do texto não parecem
promissoras.
A despeito da má vontade no Executivo e no
Legislativo, entretanto, a realidade orçamentária não permitirá que se empurre
a questão com a barriga indefinidamente.
Enquanto mínguam os recursos para todas as
áreas, o Brasil continua ostentando um dos maiores gastos públicos com pessoal
do mundo como proporção de sua economia —e o Judiciário mais caro entre os
principais países.
Sempre cabe avaliar qual é a melhor
estratégia política para fazer caminharem as correções possíveis, desde que
haja persistência e visão do todo. O gradualismo é defensável e muitas vezes
até desejável, mas pode se confundir facilmente com a inação covarde.
Insistência no erro
Folha de S. Paulo
Decreto de Bolsonaro reforça presença
militar no governo, na contramão de PEC
O apoio tácito que setores importantes das
Forças Armadas prestaram ao candidato Jair Bolsonaro resultou, com sua vitória
eleitoral, em progressivo aparelhamento da máquina do Estado por militares.
Levantamentos realizados por este jornal e
pelo Tribunal de Contas da União (TCU) já quantificaram a tendência de ocupação
crescente de cargos públicos por nomes da caserna, que abarca desde o primeiro
escalão do governo a cargos subalternos, passando por empresas controladas pela
União.
São vários os embaraços criados por essa
situação. A formação de membros das Forças não os prepara para o desempenho de
determinadas funções governamentais, que exigem qualificação específica e, não
raro, traquejo político.
O problema torna-se mais grave quando a
Presidência insiste em convocar para o governo oficiais da ativa. Os riscos
dessa opção ficaram patentes com a desastrosa passagem do general Eduardo
Pazuello pela pasta da Saúde e por sua presença, após a demissão, num palanque
eleitoreiro ao lado de seu ex-chefe.
O episódio gerou constrangimentos e
terminou com uma perigosa omissão do comando do Exército, que preferiu poupar o
oficial de punição, como exigia o regulamento.
Agora, Bolsonaro, como é de seu feitio,
insiste no erro e edita um decreto para permitir a presença de militares da
ativa em cargos do governo por tempo indeterminado.
O diploma, assinado também pelo ministro da
Defesa, general Walter Braga Netto, contradiz o artigo 98 do Estatuto dos
Militares (lei 6.880 de 1980) pelo qual se prevê a transferência para a reserva
remunerada de militar que ultrapassar dois anos de afastamento em cargos
públicos civis.
O decreto circunscreve a prerrogativa a um
arco limitado, mas relativamente amplo de funções. Trata-se de decisão
temerária, na contramão do correto debate em curso no Congresso com vistas a
aprovar emenda constitucional para vetar a presença de militares da ativa em
postos da administração.
Embora tal projeto encontre substancial apoio na cúpula das Forças Armadas, não parece contar com a simpatia do presidente da República, que segue agindo de maneira personalista e deletéria.
Não dá para minimizar o risco de apagão
O Globo
A presença na TV do ministro Bento
Albuquerque, de Minas e Energia, buscou tranquilizar a população para o risco
de apagão. Mas há pouco motivo para tranquilidade e muito para preocupação.
“Não dá para minimizar a gravidade da crise”, afirma Luiz Barroso, presidente
da PSR, a maior consultoria do setor elétrico. Entre novembro e abril, o Brasil
registrou o pior índice de chuvas em 91 anos. O nível dos reservatórios no
Sudeste/Centro-Oeste, que concentra 70% da geração, está perto de 30% da
capacidade. A estimativa dos técnicos é que chegue a novembro, fim da seca,
abaixo de 8%.
É verdade que, hoje, a geração brasileira
depende menos das hidrelétricas do que em 2001 (na época, 90%; hoje, 64%). Mas
as distorções regulatórias que persistem têm inibido o uso racional da energia.
Os modelos matemáticos que calculam o preço pago às geradoras têm mantido a
energia hídrica artificialmente barata, incentivando seu uso mesmo em momentos
de crise. O resultado se vê no nível da água.
Outras fontes também funcionam à base de
incentivos artificiais. As energias solar e eólica, a cada dia mais maduras,
continuam a desfrutar subsídios. As termelétricas, dependentes de combustível
cotado em dólar e acionadas de modo intermitente, geram energia mais cara do
que se o mercado funcionasse de modo mais fluido e natural.
Tudo isso é mais dramático porque, desde a
desastrosa Medida Provisória 579 do governo Dilma Rousseff, o risco associado à
geração passou a ser transferido ao consumidor. Como escreveu o ex-diretor da
Aneel Edvaldo Santana no jornal Valor Econômico: “Não se conhece manifestação
das hidrelétricas, donas dos reservatórios, a questionar o mau uso da água. Por
quê? Como quem paga a maior parte da conta é o consumidor, não há incentivo para
que sejam mais aguerridas. É melhor esperar um decreto de emergência hídrica,
novo apelido do pré-racionamento”.
É justamente esse o ponto a que chegamos. O
governo prepara uma nova MP em que, a exemplo de 2001, criará um gabinete
emergencial de crise. Ontem estabeleceu nova bandeira tarifária, com alta de
52% na conta de luz. O objetivo é financiar as termelétricas, que custarão R$ 9
bilhões neste ano. O impacto no consumo tende a ser pequeno diante da economia
necessária.
A tarifa mais cara já impõe um racionamento
velado. O governo precisará adotar outras medidas para afastar o explícito — e
os apagões. Será preciso incentivar mudança de hábitos para evitar sobrecarga
em horários de pico, em particular por indústrias e grandes consumidores.
Também será necessário garantir a importação emergencial de Argentina e Uruguai
e assegurar a geração de outras fontes, sobretudo as termelétricas. Será
essencial uma campanha de comunicação eficaz para incentivar o uso racional da
eletricidade.
Mais importante é não deixar de aproveitar
a crise para corrigir as distorções. É preciso rever os modelos de remuneração
das hidrelétricas, que superestimam a capacidade de geração. E também deixar de
transferir riscos ao consumidor. O brasileiro já paga a segunda tarifa residencial
mais cara do mundo. Consumidores cativos pagam quase 40% a mais do que
deveriam. Ninguém aguenta mais. É preciso, por fim, lembrar que a crise não se
restringe à energia. Afeta todo o uso da água, num planeta perturbado por
mudanças climáticas. O país precisará de uma governança hídrica mais
competente.
Aos 100, Partido Comunista da China quer
ser exemplo — mas jamais será
O Globo
O Partido Comunista da China (PCC) comemora
amanhã 100 anos de fundação. Foi em Xangai que Mao Tsé-Tung e uma dúzia de
outros fundaram a organização que chegaria ao poder em 1949. É certo que os
comunistas têm o que comemorar. Em 1980, o PIB chinês era de apenas US$ 191
bilhões. A China estava entre os países mais pobres do mundo. De lá para cá,
cresceu 75 vezes e está prestes a ultrapassar os Estados Unidos como a maior
economia do planeta.
Evidente que não foi o comunismo o
responsável por isso. Determinantes foram as mudanças realizadas por Deng
Xiaoping a partir da década de 70. A política econômica foi centrada na
promoção de mecanismos de mercado para lidar com as ineficiências do planejamento
central. As reformas, entretanto, nunca tiveram como objetivo implementar a
democracia ou o capitalismo. Foram apenas uma maneira de fazer o partido
sobreviver.
O Brasil foi um dos que se beneficiaram com
a ascensão do gigante asiático. A China é o maior mercado de alguns produtos
que exportamos, como soja e minério de ferro.
Embora o PCC, sob a liderança de Xi
Jinping, aposte na ação policial, na vigilância, na censura nas redes sociais e
na capilaridade como estratégias de controle, é inconcebível achar que seria
possível manter a ordem entre 1,4 bilhão de pessoas somente pelo uso da força.
Como explica o sinólogo Tony Saich, da
Universidade Harvard, a longevidade dos comunistas se sustentou, ao longo do
tempo, noutros fatores: autoridade carismática da liderança, ideologia,
manipulação do nacionalismo e uma legitimidade alicerçada no desempenho
econômico. Para muitos chineses, democracia tem outro sentido: quer dizer
governar baseado no interesse público. Segundo a maioria, é o que acontece no
país. Pesquisas de opinião independentes mostram um aumento da satisfação com o
governo.
Pelas vitórias que conquistaram, os
comunistas têm se mostrado dispostos a exercer influência maior no exterior e a
fazer declarações mais audaciosas. Afirmam que o modelo político chinês é mais
meritocrático do que o das democracias ocidentais por não permitir que um
despreparado chegue ao poder enganando eleitores.
Obviamente a cúpula do PCC não quer saber o que os cerca de 1 milhão de uigures presos em campos “de transformação através da educação” pensam sobre isso. Ou o que acham os prisioneiros políticos retirados de circulação e torturados por criticar o sistema. De acordo com a Freedom House, o PCC tem sido mais duro no combate à discordância do que o regime soviético sob Leonid Brejnev. Para quem acredita na liberdade de expressão, na alternância de poder, na liberdade religiosa, nos direitos das minorias, na diversidade, no estado de direito e nos direitos humanos, a ditadura chinesa jamais será exemplo.
Alta de juros reforça entrada de capital e
contas externas
Valor Econômico
O cenário pode mudar, com o ritmo lento da
vacinação e com o aumento da tensão política
O Brasil registrou superávit de US$ 3,84
bilhões nas contas externas em maio. Foi o segundo mês consecutivo de resultado
positivo. Há 14 anos o país não tinha superávit em transações correntes. No
acumulado de 12 meses, a diferença entre o que foi gasto e o que recebeu nas
transações internacionais relativas a comércio, rendas e transferências
unilaterais segue no negativo. Mas esse número vem diminuindo. Em maio, o
déficit em 12 meses acumulou US$ 8,367 bilhões, o equivalente a 0,55% do
Produto Interno Bruto (PIB), abaixo do 0,84% de abril, animando as projeções de
que o ano vai fechar com superávit.
Durante praticamente toda a pandemia a
frente externa não causou maiores preocupações para a equipe econômica. Os bons
resultados da balança comercial foram o principal motivo, além de investimentos
externos suficientes para financiar o déficit.
Em maio, o superávit da balança comercial
atingiu US$ 8,129 bilhões, com crescimento de 157,7% em relação ao resultado de
maio do ano passado, durante a primeira onda da pandemia. Não só foi o maior já
registrado para o mês de maio, mas também o segundo mais alto de toda a série
histórica. O saldo só foi menor que o de abril, quando marcou US$ 9,1 bilhões.
Desde o segundo semestre de 2020, o Brasil vem sendo favorecido pelo aumento na
demanda por commodities da parte de países como a China, cuja recuperação
avançou mais rapidamente do que outras nações, e pela taxa de câmbio, que tem
favorecido as exportações e desestimulado as importações.
Maio foi marcado por outra novidade, que
reforça as projeções otimistas: o crescimento do investimento externo no
mercado financeiro, atraído pela elevação dos juros. Entraram US$ 6 bilhões,
sendo US$ 2,9 bilhões em ações e fundos de investimento e US$ 3,1 bilhões em
títulos de dívida. Nos 12 meses terminados em maio, o BC registrou a entrada de
U$ 41,8 bilhões. Com isso, o ingresso de recursos externos para investimento em
carteira superou o Investimento Direto no País (IDP) no mês e no acumulado em
12 meses.
Os volumes de investimento direto
estrangeiro vêm diminuindo desde fevereiro e ficou em US$ 1,229 bilhão em maio,
quase metade do esperado e o menor resultado para o mês desde 2007. Houve
ingressos líquidos de US$ 1,8 bilhão em participação no capital e saídas
líquidas de US$ 563 milhões em operações intercompanhia. Em 12 meses, o IDP
acumula US$ 39,3 bilhões, ou 2,6% do PIB, contra 2,8% do PIB vistos até abril.
De toda forma, o montante é mais do que suficiente para cobrir o déficit em
conta corrente de 0,55% do PIB nos 12 meses.
O BC está confiante de que os bons
resultados seguirão ao longo do restante do ano. O recente Relatório Trimestral
de Inflação (RTI), divulgado na semana passada, projeta que 2021 vai fechar com
superávit em conta corrente de US$ 3 bilhões, acima dos US$ 2 bilhões esperados
há três meses.
A previsão para o saldo da balança
comercial segue em US$ 70 bilhões, sustentada pelos preços das exportações de
commodities, que vão contrabalançar o esperado aumento das importações com a
recuperação da economia.
A mudança mais significativa foi nas
previsões para a conta financeira. A estimativa para o ingresso de recursos
externos aumentou, chegando a US$ 90 bilhões, 36% acima dos US$ 66 bilhões
projetados no RTI anterior. A melhora é atribuída ao poder de atração da elevação
dos juros sobre o capital externo, que deve aumentar o investimento em carteira
de US$ 10 bilhões para US$ 21 bilhões. Se essa previsão for confirmada, 2021
será o primeiro ano com entradas líquidas nessa conta desde 2015. Captações das
empresas no exterior, também influenciadas pelo patamar de juros, foram
igualmente reestimadas, de uma saída de US$ 4 bilhões para um ingresso de US$ 9
bilhões. Já a projeção para o investimento direto estrangeiro, mais relacionado
ao desempenho da economia a longo prazo, permaneceu em US$ 60 bilhões.
As estimativas do Banco Central melhoraram
com a elevação dos juros, que ganharam competitividade em relação às taxas
praticadas no mercado internacional, favorecidas também pela continuidade do
ambiente de liquidez, apesar da posição mais cautelosa dos bancos centrais
internacionais. A avaliação mais benigna dos resultados fiscais, diante da
recuperação da economia, ajudou. O cenário pode mudar, porém, com o ritmo lento
da vacinação e, principalmente, com o aumento da tensão política, que se
desenha a partir das investigações da CPI da Covid.
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