quarta-feira, 30 de junho de 2021

Vera Magalhães - Escolha a sua versão

O Globo

Não há a menor sombra de dúvidas de que o caso Covaxin abalou Jair Bolsonaro e seu entorno familiar.

Trata-se de um escândalo de fácil compreensão para a totalidade da população. Existem duas testemunhas, entre elas um deputado bolsonarista, que alertaram o presidente a respeito das inconsistências de um contrato bilionário para o qual houve intensa movimentação política.

O aviso se deu em março, e de lá para cá Bolsonaro nada fez. O empenho para o pagamento de R$ 1,6 bilhão para a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin foi feito.

Por fim, para piorar a situação de Bolsonaro, as versões para sua inação e para esse contrato com cheiro, cor e cara de irregular se sucedem sem que haja nexo entre a nova e a anterior.

A primeira delas veio em tom triunfalista, dada por um Onyx Lorenzoni mais canastrão que o usual. Ele acusou o servidor Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde, de forjar ou adulterar um documento, anunciou investigação da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal contra ele e ameaçou abertamente o deputado Luis Miranda com o castigo destinado aos “traidores”. Por fim, negou o superfaturamento no preço fechado com a Precisa, a intermediária da vacina, ignorando os telegramas do Itamaraty em que o mesmo imunizante era oferecido bem mais barato pelo laboratório Bharat Biotech.

Essa versão foi solapada no depoimento cinematográfico (o gênero oscilando entre o suspense e a comédia pastelão) dos irmãos Miranda na CPI, com a revelação de que o presidente teria dito aos dois, na conversa de março, que aquelas acusações deveriam ser “rolo” de seu líder na Câmara, Ricardo Barros.

Foi um curto-circuito na máquina bolsonarista de produzir versões. Diante da rapidez de senadores em apresentar uma notícia-crime contra Bolsonaro por suspeita de prevaricação, o presidente se encolheu.

Saiu-se com a explicação de que não tem como saber o que acontece em todos os ministérios, prontamente confrontada com a afirmação que ele adora fazer de que quem manda é ele e em seu governo não existe corrupção.

À CPI, passou a versão de que cobrou de Eduardo Pazuello, que por sua vez teria acionado o secretário executivo Elcio Franco, que por fim teria mandado apurar e constatado que nada havia de errado. Ora, se era assim, por que o mesmo Franco, que estava ao lado de Onyx Lorenzoni no teatro da ameaça, não disse que havia sido acionado e havia agido?

Diante do prazo correndo para responder ao STF a respeito das providências que não tomou a partir do alerta do servidor e do deputado, Bolsonaro finalmente mandou a CGU suspender temporariamente o contrato.

Ora, ora, se não havia nada de errado com a compra, por que suspendê-la? Ou, se havia indícios, por que essa providência não foi tomada três meses atrás, quando o presidente da República foi avisado?

Por que até hoje Bolsonaro não negou que tenha lançado suspeita sobre Ricardo Barros? Ou, se lançou, por que ele segue líder de seu governo?

Todas essas perguntas restam sem resposta porque se trata de uma colcha de retalhos de versões arranjadas às pressas, por um presidente em pânico e um entorno altamente incompetente. Incompetente e, como mostra este caso, permeável aos vícios que Bolsonaro disse que combateria se eleito.

E é esse aspecto, desnudar mais uma mentira da construção do “mito”, que mais apavora o bolsonarismo. A ponto de o mais reativo dos filhos, Carlos Bolsonaro, ter acionado a “bomba H” nas redes sociais: a foto de Bolsonaro com a barriga costurada logo após a facada de que foi vítima em 2018.

Depois de dois anos e meio de mandato, o que se espera do presidente da República são explicações claras e transparência nas ações de governo. O teatro de vitimização denota desespero. E não responde a nenhuma das questões em aberto do caso Covaxin.

Nenhum comentário: