O Globo
Não há a menor sombra de dúvidas de que o
caso Covaxin abalou Jair Bolsonaro e seu entorno familiar.
Trata-se de um escândalo de fácil
compreensão para a totalidade da população. Existem duas testemunhas, entre
elas um deputado bolsonarista, que alertaram o presidente a respeito das
inconsistências de um contrato bilionário para o qual houve intensa
movimentação política.
O aviso se deu em março, e de lá para cá
Bolsonaro nada fez. O empenho para o pagamento de R$ 1,6 bilhão para a compra
de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin foi feito.
Por fim, para piorar a situação de Bolsonaro, as versões para sua inação e para esse contrato com cheiro, cor e cara de irregular se sucedem sem que haja nexo entre a nova e a anterior.
A primeira delas veio em tom triunfalista,
dada por um Onyx Lorenzoni mais canastrão que o usual. Ele acusou o servidor
Luis Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde, de forjar ou adulterar um
documento, anunciou investigação da Controladoria-Geral da União e da Polícia
Federal contra ele e ameaçou abertamente o deputado Luis Miranda com o castigo
destinado aos “traidores”. Por fim, negou o superfaturamento no preço fechado
com a Precisa, a intermediária da vacina, ignorando os telegramas do Itamaraty
em que o mesmo imunizante era oferecido bem mais barato pelo laboratório Bharat
Biotech.
Essa versão foi solapada no depoimento
cinematográfico (o gênero oscilando entre o suspense e a comédia pastelão) dos
irmãos Miranda na CPI, com a revelação de que o presidente teria dito aos dois,
na conversa de março, que aquelas acusações deveriam ser “rolo” de seu líder na
Câmara, Ricardo Barros.
Foi um curto-circuito na máquina
bolsonarista de produzir versões. Diante da rapidez de senadores em apresentar
uma notícia-crime contra Bolsonaro por suspeita de prevaricação, o presidente
se encolheu.
Saiu-se com a explicação de que não tem
como saber o que acontece em todos os ministérios, prontamente confrontada com
a afirmação que ele adora fazer de que quem manda é ele e em seu governo não
existe corrupção.
À CPI, passou a versão de que cobrou de
Eduardo Pazuello, que por sua vez teria acionado o secretário executivo Elcio
Franco, que por fim teria mandado apurar e constatado que nada havia de errado.
Ora, se era assim, por que o mesmo Franco, que estava ao lado de Onyx Lorenzoni
no teatro da ameaça, não disse que havia sido acionado e havia agido?
Diante do prazo correndo para responder ao
STF a respeito das providências que não tomou a partir do alerta do servidor e
do deputado, Bolsonaro finalmente mandou a CGU suspender temporariamente o
contrato.
Ora, ora, se não havia nada de errado com a
compra, por que suspendê-la? Ou, se havia indícios, por que essa providência
não foi tomada três meses atrás, quando o presidente da República foi avisado?
Por que até hoje Bolsonaro não negou que
tenha lançado suspeita sobre Ricardo Barros? Ou, se lançou, por que ele segue
líder de seu governo?
Todas essas perguntas restam sem resposta
porque se trata de uma colcha de retalhos de versões arranjadas às pressas, por
um presidente em pânico e um entorno altamente incompetente. Incompetente e,
como mostra este caso, permeável aos vícios que Bolsonaro disse que combateria
se eleito.
E é esse aspecto, desnudar mais uma mentira
da construção do “mito”, que mais apavora o bolsonarismo. A ponto de o mais
reativo dos filhos, Carlos Bolsonaro, ter acionado a “bomba H” nas redes
sociais: a foto de Bolsonaro com a barriga costurada logo após a facada de que
foi vítima em 2018.
Depois de dois anos e meio de mandato, o
que se espera do presidente da República são explicações claras e transparência
nas ações de governo. O teatro de vitimização denota desespero. E não responde
a nenhuma das questões em aberto do caso Covaxin.
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