quarta-feira, 30 de junho de 2021

Zeina Latif - O mercado financeiro vira a página

O Globo

Ao longo do primeiro semestre os mercados foram do inferno ao céu. O dólar ultrapassou R$5,80 e agora está abaixo de R$ 5 – um expressivo recuo, ainda que parcial considerando o R$4,20 sugerido por parâmetros do passado recente. As razões do alívio não estão suficientemente claras. Parece haver algo a mais, além da economia, movendo o sentimento dos players de mercado.

O quadro mundial ajuda: a moeda americana se manteve enfraquecida no mundo, mesmo com as mudanças do cenário de inflação e juros nos EUA. Mas fatores domésticos são o divisor de águas. Se antes eles penalizavam a performance do real, agora a beneficiam.

Para se ter uma ideia, para o mesmo patamar atual de cotação média do dólar contra uma ampla cesta de moedas de emergentes, o dólar aqui oscilava em torno de R$5,50 em novembro do ano passado.

O ajuste da política monetária pelo Banco Central em um contexto de boa safra de indicadores fiscais e de atividade certamente tem peso, mas parece pouco para explicar o comportamento do câmbio.

A atividade econômica vinha surpreendendo positivamente há tempos e o PIB do 1º trimestre, ainda que melhor do que o esperado, ao ser detalhado perdeu o brilho, pois revelou uma demanda interna mais fraca e a formação de estoques.

Os números mais favoráveis das contas públicas são ofuscados pela elevação do risco fiscal, em várias frentes – não sem razão o presidente do BC, Roberto Campos Neto, preocupa-se com as tentativas de furar o teto de gastos. Não é só isso.

Há arbitrariedades no acionamento da cláusula de escape da regra do teto – R$120 bilhões estimados para este ano –, pois muitas despesas poderiam ter sido evitadas com uma gestão mais eficiente da pandemia.

Há ainda promessas do presidente - como reajuste do funcionalismo em 2022 e benesses a policiais - e renúncias tributárias sem as devidas compensações para minimizar o impacto nas contas públicas.

Como se não bastasse, o apoio do Congresso tem custado mais caro, com o aumento das emendas parlamentares - aponta Marcos Mendes.

As últimas semanas têm sido carregadas de más notícias para o presidente: a CPI da covid-19 aperta o cerco, a adesão aos protestos de rua aumenta e a aprovação do governo cai. O destempero de Bolsonaro revela sua fragilidade, enquanto Lula cresce nas pesquisas eleitorais.

Nada disso abala o mercado, pelo contrário. Fossem outros tempos, estaria ocorrendo grande correção de preços de ativos.

Algo novo impacta as expectativas dos operadores. O jogo eleitoral já contamina a política e parece simplista acreditar que não está fazendo preço no mercado.

O mercado financeiro, há muito, não vê mais Bolsonaro e Paulo Guedes como salvadores da pátria. Se hoje contemporiza as más notícias para o presidente é porque enxerga a exaustão do governo.

Avalia que um segundo mandato seria preocupante do ponto de vista da política fiscal e de reformas estruturais de qualidade – a propósito, a reforma tributária encaminhada ao Congresso causa calafrios. Talvez o mercado não tema apenas o despreparo do governo frente aos enormes desafios, mas também o risco de retrocessos.

Sem alarde, a fraqueza do presidente tem sido vista como uma boa notícia, especialmente se puder viabilizar um candidato de centro no segundo turno. Ao mesmo tempo, ganha força a crença de que Lula conseguirá repetir o primeiro mandato, quando o tripé macroeconômico introduzido por FHC foi fortalecido e algumas importantes reformas foram aprovadas, culminando na conquista do grau de investimento.

No entanto, hoje as manifestações de Lula se aproximam mais da agenda intervencionista do segundo mandato. Mesmo que venha a adotar um discurso responsável na campanha para atrair o centro, o fato é que Lula é pragmático, não um reformista, como FHC ou mesmo Michel Temer.

Mais importante, tampouco é o mesmo de 2003-05, quando contava com elevada credibilidade, apoio de importantes membros do PT conscientes da necessidade de uma agenda de cunho liberal e condições políticas para afastar o receituário petista de política econômica. A experiência do primeiro mandato não sobreviveu ao mensalão.

Apesar de alguns elementos benignos no radar, o caminho até as eleições promete ser acidentado, principalmente se não surgir candidatura competitiva de centro – algo que não interessa nem a Lula e nem a Bolsonaro. Convém cautela.

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