O Globo
Ao longo do primeiro semestre os mercados
foram do inferno ao céu. O dólar ultrapassou R$5,80 e agora está abaixo de R$ 5
– um expressivo recuo, ainda que parcial considerando o R$4,20 sugerido por
parâmetros do passado recente. As razões do alívio não estão suficientemente
claras. Parece haver algo a mais, além da economia, movendo o sentimento dos
players de mercado.
O quadro mundial ajuda: a moeda americana
se manteve enfraquecida no mundo, mesmo com as mudanças do cenário de inflação
e juros nos EUA. Mas fatores domésticos são o divisor de águas. Se antes eles
penalizavam a performance do real, agora a beneficiam.
Para se ter uma ideia, para o mesmo patamar
atual de cotação média do dólar contra uma ampla cesta de moedas de emergentes,
o dólar aqui oscilava em torno de R$5,50 em novembro do ano passado.
O ajuste da política monetária pelo Banco Central em um contexto de boa safra de indicadores fiscais e de atividade certamente tem peso, mas parece pouco para explicar o comportamento do câmbio.
A atividade econômica vinha surpreendendo
positivamente há tempos e o PIB do 1º trimestre, ainda que melhor do que o
esperado, ao ser detalhado perdeu o brilho, pois revelou uma demanda interna
mais fraca e a formação de estoques.
Os números mais favoráveis das contas
públicas são ofuscados pela elevação do risco fiscal, em várias frentes – não
sem razão o presidente do BC, Roberto Campos Neto, preocupa-se com as
tentativas de furar o teto de gastos. Não é só isso.
Há arbitrariedades no acionamento da
cláusula de escape da regra do teto – R$120 bilhões estimados para este ano –,
pois muitas despesas poderiam ter sido evitadas com uma gestão mais eficiente
da pandemia.
Há ainda promessas do presidente - como
reajuste do funcionalismo em 2022 e benesses a policiais - e renúncias
tributárias sem as devidas compensações para minimizar o impacto nas contas
públicas.
Como se não bastasse, o apoio do Congresso
tem custado mais caro, com o aumento das emendas parlamentares - aponta Marcos
Mendes.
As últimas semanas têm sido carregadas de
más notícias para o presidente: a CPI da covid-19 aperta o cerco, a adesão aos
protestos de rua aumenta e a aprovação do governo cai. O destempero de
Bolsonaro revela sua fragilidade, enquanto Lula cresce nas pesquisas
eleitorais.
Nada disso abala o mercado, pelo contrário.
Fossem outros tempos, estaria ocorrendo grande correção de preços de ativos.
Algo novo impacta as expectativas dos
operadores. O jogo eleitoral já contamina a política e parece simplista acreditar
que não está fazendo preço no mercado.
O mercado financeiro, há muito, não vê mais
Bolsonaro e Paulo Guedes como salvadores da pátria. Se hoje contemporiza as más
notícias para o presidente é porque enxerga a exaustão do governo.
Avalia que um segundo mandato seria
preocupante do ponto de vista da política fiscal e de reformas estruturais de
qualidade – a propósito, a reforma tributária encaminhada ao Congresso causa
calafrios. Talvez o mercado não tema apenas o despreparo do governo frente aos
enormes desafios, mas também o risco de retrocessos.
Sem alarde, a fraqueza do presidente tem
sido vista como uma boa notícia, especialmente se puder viabilizar um candidato
de centro no segundo turno. Ao mesmo tempo, ganha força a crença de que Lula
conseguirá repetir o primeiro mandato, quando o tripé macroeconômico
introduzido por FHC foi fortalecido e algumas importantes reformas foram
aprovadas, culminando na conquista do grau de investimento.
No entanto, hoje as manifestações de Lula
se aproximam mais da agenda intervencionista do segundo mandato. Mesmo que
venha a adotar um discurso responsável na campanha para atrair o centro, o fato
é que Lula é pragmático, não um reformista, como FHC ou mesmo Michel Temer.
Mais importante, tampouco é o mesmo de
2003-05, quando contava com elevada credibilidade, apoio de importantes membros
do PT conscientes da necessidade de uma agenda de cunho liberal e condições
políticas para afastar o receituário petista de política econômica. A
experiência do primeiro mandato não sobreviveu ao mensalão.
Apesar de alguns elementos benignos no radar, o caminho até as eleições promete ser acidentado, principalmente se não surgir candidatura competitiva de centro – algo que não interessa nem a Lula e nem a Bolsonaro. Convém cautela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário