quarta-feira, 30 de junho de 2021

Fernando Exman - Sinais e ruídos em mais um momento de crise

Valor Econômico

Aumenta o custo de estar alinhado ao Palácio do Planalto

Há sinais, para todos os lados e gostos, do crescente processo de fragilização da posição do governo no Congresso Nacional. Interessa ao presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, contudo, que se preste mais atenção nos ruídos.

É o caso, por exemplo, do barulho que se faz em torno da questionável defesa do voto impresso. Ou quando o presidente da República vai às redes sociais para comentar o destino do assassino em série que se escondia no cerrado goiano. Bolsonaristas insistem em perguntar se vale a pena manter os trabalhos da CPI da Covid, uma vez que o colegiado não tem capacidade de resolver as causas e os efeitos da crise.

Ruído. A comissão parlamentar de inquérito nem foi instalada para isso. E em pouco tempo, colocou o Executivo na defensiva e sem um suposto monopólio da bandeira do combate à corrupção. Uma posição que interessa, inclusive, àqueles integrantes da base que sempre esperam uma oportunidade para demonstrar ao Planalto o quão importante é mantê-los por perto.

Um outro sinal captado pelo radares dos congressistas é a profusão de notícias negativas nas pesquisas de intenção de voto. Vai crescendo o custo, e o preço, de se manter alinhado ao Executivo.

Na visão de adversários de Bolsonaro, nem mesmo o otimismo apresentado pelo governo com a recuperação econômica deve ser visto como fato consumado. E aqui não se fala das projeções de mercado para a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB), mas quanto tempo um indicador como esse demora para se tornar palpável na ponta. Trata-se, portanto, de uma análise política: para eles, o emprego não se recuperará a tempo de melhorar a vida de milhões de brasileiros, sobretudo os mais jovens, antes das eleições. Há a expectativa de aceleração dos preços de alimentos, da energia elétrica, do combustível e do gás de cozinha.

Questiona-se, também, o quanto durará a paciência do mercado e do setor produtivo com a proposta de reforma tributária fatiada do governo. Por taxar alguns tipos de investimentos e deixar a desejar no que diz respeito à simplificação da vida do contribuinte, o projeto que traz mudanças no Imposto de Renda recebeu o apelido de “falso brilhante”. Sinal.

A reforma administrativa também enfrenta resistências, e não só de congressistas tradicionalmente identificados com o funcionalismo ou as centrais sindicais.

Existem, sim, os que deles dependem para se reeleger. Outros têm a convicção que, durante as campanhas eleitorais, servidor público não ajuda nada, mas pode atrapalhar muito. E há ainda aqueles que adotarão o discurso segundo o qual o assédio sofrido pelo irmão do deputado Luís Miranda (DEM-DF) no Ministério da Saúde exige uma reflexão sobre o tema, para que não sejam retirados mecanismos de defesa do servidor de carreira que decide enfrentar um superior hierárquico nomeado devido a uma indicação política.

É recomendável, no entanto, diferenciar os sinais dos ruídos para que se tenha mais clareza até onde a atual conjuntura pode afetar a tramitação das reformas e dos projetos defendidos pela equipe econômica. Isso dependerá da disposição do Planalto em ceder às pressões do Centrão, tropa assoldada e bem adestrada, que já deixou bem claro a Bolsonaro, por exemplo, não ter o compromisso de aprovar o nome do advogado-geral da União, André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal (STF).

A rejeição da indicação causará muito barulho, mas dará ao presidente o discurso de que pelo menos tentou emplacar um nome “terrivelmente evangélico”. No Congresso, receberiam essas declarações (mesmo as eventualmente mais agressivas) apenas como ruído.

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A propósito: em relação ao risco inflacionário representado pela alta nas contas de luz - e seu respectivo impacto negativo na popularidade do presidente -, é preciso voltar para 3 de dezembro de 2020.

Mais de 200 dias se passaram desde quando Bolsonaro foi às redes sociais para, em mais uma de suas tradicionais transmissões ao vivo, convocar o brasileiro para a missão de economizar água e energia. Os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas já eram baixíssimos. Ao lado do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e de Ricardo Salles, então titular da pasta do Meio Ambiente, solicitou a ajuda da população. Pediu compreensão.

“Já estamos numa campanha para economizar energia. Tenho certeza que você, que está em casa agora, pode apagar uma luz, evitar o desperdício. Tome um banho um pouquinho mais rápido, que ajuda a manter os reservatórios um pouco mais altos”, afirmou Bolsonaro. “Não é maldade da gente, não é para arrecadar mais. É porque estamos usando energia de fonte mais cara, como termelétrica, e aí fica bem mais caro para pagar essa diferença. Por isso que se bota a bandeira a bandeira vermelha a R$ 6 [a cada 100 quilowatts de energia consumida]. Tão logo volte à normalidade, acaba com a bandeira”, acrescentou.

A normalidade não voltou. E a bandeira vermelha precisou, inclusive, ser hasteada ainda mais alto.

Em maio, decretou-se situação de emergência hídrica na bacia do rio Paraná. Ontem, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) elevou o valor cobrado quando se está, como é o caso atual, em patamar 2 da bandeira tarifária vermelha. Passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100 quilowatt-hora. Um movimento capaz de induzir uma redução da demanda, mas nada popular.

Horas antes, o governo publicou uma medida provisória com iniciativas voltadas a assegurar a manutenção do suprimento de energia elétrica nos próximos meses. Para explicá-las, o ministro de Minas e Energia precisou convocar rede nacional de rádio e televisão e, desta vez, expôs o problema a um público bem superior ao seleto, porém fiel, grupo que acompanha as “lives” do presidente.

O receio dos potenciais efeitos negativos de uma medida mais drástica, como um racionamento, já existia em dezembro do ano passado. Hoje, é ainda maior. O governo não foi pego de surpresa.

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