Valor Econômico
Aumenta o custo de estar alinhado ao
Palácio do Planalto
Há sinais, para todos os lados e gostos, do
crescente processo de fragilização da posição do governo no Congresso Nacional.
Interessa ao presidente Jair Bolsonaro e seus aliados, contudo, que se preste
mais atenção nos ruídos.
É o caso, por exemplo, do barulho que se
faz em torno da questionável defesa do voto impresso. Ou quando o presidente da
República vai às redes sociais para comentar o destino do assassino em série
que se escondia no cerrado goiano. Bolsonaristas insistem em perguntar se vale
a pena manter os trabalhos da CPI da Covid, uma vez que o colegiado não tem
capacidade de resolver as causas e os efeitos da crise.
Ruído. A comissão parlamentar de inquérito
nem foi instalada para isso. E em pouco tempo, colocou o Executivo na defensiva
e sem um suposto monopólio da bandeira do combate à corrupção. Uma posição que
interessa, inclusive, àqueles integrantes da base que sempre esperam uma
oportunidade para demonstrar ao Planalto o quão importante é mantê-los por
perto.
Um outro sinal captado pelo radares dos congressistas é a profusão de notícias negativas nas pesquisas de intenção de voto. Vai crescendo o custo, e o preço, de se manter alinhado ao Executivo.
Na visão de adversários de Bolsonaro, nem
mesmo o otimismo apresentado pelo governo com a recuperação econômica deve ser
visto como fato consumado. E aqui não se fala das projeções de mercado para a
recuperação do Produto Interno Bruto (PIB), mas quanto tempo um indicador como
esse demora para se tornar palpável na ponta. Trata-se, portanto, de uma
análise política: para eles, o emprego não se recuperará a tempo de melhorar a
vida de milhões de brasileiros, sobretudo os mais jovens, antes das eleições.
Há a expectativa de aceleração dos preços de alimentos, da energia elétrica, do
combustível e do gás de cozinha.
Questiona-se, também, o quanto durará a
paciência do mercado e do setor produtivo com a proposta de reforma tributária
fatiada do governo. Por taxar alguns tipos de investimentos e deixar a desejar
no que diz respeito à simplificação da vida do contribuinte, o projeto que traz
mudanças no Imposto de Renda recebeu o apelido de “falso brilhante”. Sinal.
A reforma administrativa também enfrenta
resistências, e não só de congressistas tradicionalmente identificados com o
funcionalismo ou as centrais sindicais.
Existem, sim, os que deles dependem para se
reeleger. Outros têm a convicção que, durante as campanhas eleitorais, servidor
público não ajuda nada, mas pode atrapalhar muito. E há ainda aqueles que adotarão
o discurso segundo o qual o assédio sofrido pelo irmão do deputado Luís Miranda
(DEM-DF) no Ministério da Saúde exige uma reflexão sobre o tema, para que não
sejam retirados mecanismos de defesa do servidor de carreira que decide
enfrentar um superior hierárquico nomeado devido a uma indicação política.
É recomendável, no entanto, diferenciar os
sinais dos ruídos para que se tenha mais clareza até onde a atual conjuntura
pode afetar a tramitação das reformas e dos projetos defendidos pela equipe econômica.
Isso dependerá da disposição do Planalto em ceder às pressões do Centrão, tropa
assoldada e bem adestrada, que já deixou bem claro a Bolsonaro, por exemplo,
não ter o compromisso de aprovar o nome do advogado-geral da União, André
Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal (STF).
A rejeição da indicação causará muito barulho, mas dará ao presidente o discurso de que pelo menos tentou emplacar um nome “terrivelmente evangélico”. No Congresso, receberiam essas declarações (mesmo as eventualmente mais agressivas) apenas como ruído.
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A propósito: em relação ao risco
inflacionário representado pela alta nas contas de luz - e seu respectivo
impacto negativo na popularidade do presidente -, é preciso voltar para 3 de
dezembro de 2020.
Mais de 200 dias se passaram desde quando
Bolsonaro foi às redes sociais para, em mais uma de suas tradicionais
transmissões ao vivo, convocar o brasileiro para a missão de economizar água e
energia. Os níveis dos reservatórios das usinas hidrelétricas já eram
baixíssimos. Ao lado do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e de
Ricardo Salles, então titular da pasta do Meio Ambiente, solicitou a ajuda da
população. Pediu compreensão.
“Já estamos numa campanha para economizar
energia. Tenho certeza que você, que está em casa agora, pode apagar uma luz,
evitar o desperdício. Tome um banho um pouquinho mais rápido, que ajuda a
manter os reservatórios um pouco mais altos”, afirmou Bolsonaro. “Não é maldade
da gente, não é para arrecadar mais. É porque estamos usando energia de fonte
mais cara, como termelétrica, e aí fica bem mais caro para pagar essa
diferença. Por isso que se bota a bandeira a bandeira vermelha a R$ 6 [a cada
100 quilowatts de energia consumida]. Tão logo volte à normalidade, acaba com a
bandeira”, acrescentou.
A normalidade não voltou. E a bandeira
vermelha precisou, inclusive, ser hasteada ainda mais alto.
Em maio, decretou-se situação de emergência
hídrica na bacia do rio Paraná. Ontem, a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) elevou o valor cobrado quando se está, como é o caso atual, em patamar
2 da bandeira tarifária vermelha. Passou de R$ 6,24 para R$ 9,49 a cada 100
quilowatt-hora. Um movimento capaz de induzir uma redução da demanda, mas nada
popular.
Horas antes, o governo publicou uma medida
provisória com iniciativas voltadas a assegurar a manutenção do suprimento de
energia elétrica nos próximos meses. Para explicá-las, o ministro de Minas e
Energia precisou convocar rede nacional de rádio e televisão e, desta vez,
expôs o problema a um público bem superior ao seleto, porém fiel, grupo que
acompanha as “lives” do presidente.
O receio dos potenciais efeitos negativos de uma medida mais drástica, como um racionamento, já existia em dezembro do ano passado. Hoje, é ainda maior. O governo não foi pego de surpresa.
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