O Estado de S. Paulo
Ninguém mais teme as ameaças de convulsão caso Bolsonaro não seja obedecido
A nova explosão de agressividade de Jair
Bolsonaro e sua militância é sinal de que não está dando certo o projeto de
continuidade no poder a qualquer custo. Estão em perigo duas certezas que
fundamentam a campanha eleitoral intensiva a que o presidente submete o País.
Primeiro, o voto impresso. Perdeu apoio e sentido a fantasiosa desconfiança na
urna eletrônica. Segundo, esfacela-se o mito de governo incorruptível, marca
que ele próprio se atribui, contra todas as evidências.
Ninguém mais teme as ameaças de convulsão
social caso Bolsonaro não seja obedecido. Uma intenção de golpe desmoralizada,
tanto pelo Congresso, que não deve votar a lei, quanto pela Justiça Eleitoral,
que a aplicaria a contragosto. Oficialmente, 11 partidos se manifestaram contra
tal retrocesso. Bolsonaro terá que inventar outra maneira de deflagrar uma
crise institucional caso seja derrotado nas urnas. O projeto de uma infinita
recontagem de votos, com a indefinição eterna dos resultados, terá de esperar
por novo pretexto. O modelo Trump não colou nos Estados Unidos e dificilmente
dará certo no Brasil, embora a democracia, aqui, seja mais frágil.
Já o discurso de ausência de corrupção no governo choca-se frontalmente com a realidade, agora demonstrada tanto na CPI da Covid, como no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Contas da União. O caso da vacina indiana Covaxin é exemplar de um dos métodos que o governo usa para sustentar sua propaganda enganosa: se descoberta uma armação, logo é desfeita antes que o crime se consuma. Depois da denúncia, age-se como se não tivesse sido urdida.
Esta prática de desmanchar o malfeito só
quando denunciado repete-se em outras situações suspeitas de envolverem
corrupção. O escandaloso caso dos computadores do MEC até hoje é tratado com um
silêncio constrangedor. As “rachadinhas”, assíduas no rol de denúncias contra
parlamentares da família presidencial, são esquecidas na lista de corrupção mas
não apagadas. As ligações pessoais com empresas em intermediações relatadas na
CPI da Covid, outro tipo de incidência irregular na folha corrida da atual
administração.
Os processos do ex-ministro Ricardo Salles
dispensam registro. O disfarce, neste escalão, é outro: quando o cerco está
prestes a se fechar, Bolsonaro tira o indigitado do cargo, como se o sujeito
não tivesse pertencido jamais ao governo. O ministro Rogério Marinho até hoje
não explicou o rateio de um orçamento secreto entre a elite da base aliada. Nem
os demais ministros que se utilizaram do mesmo expediente.
A área de Saúde é emblemática por causa da
pandemia que já tirou a vida de 515 mil brasileiros. Só no Tribunal de Contas
da União há mais de 40 processos em tramitação, do kit covid à cloroquina, da
compra de aventais à omissão na aquisição de vacinas.
Há três semanas, o TCU suspendeu uma compra
superfaturada de tratores para a Icmbio. Mais do que licitação, tratava-se de
uma “ata registro”, uma espécie de guarda-chuva: quem quiser adquirir o
produto, adere, tornando desnecessárias outras licitações.
O negacionismo de Bolsonaro é um vício
renitente e incide nestas operações suspeitas. Ontem mesmo, ele negou,
candidamente, que tenha conhecimento do que se passa nos ministérios. Mas foi
no seu governo que o País viu reduzir-se a capacidade de controle das
irregularidades. O Brasil piorou nos índices de corrupção entre os 15 países da
América Latina acompanhados por instituições americanas e inglesas. Entre os
fatores negativos determinantes está uma recorrente mania de Bolsonaro: a
tentativa de subordinação de instituições que deveriam ser independentes.
O dramático brado do ministro Onyx Lorenzoni contra os que denunciam casos de corrupção no governo Bolsonaro, jurando pureza administrativa há 30 meses, soou completamente falso. Canastrice pura.
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