quarta-feira, 16 de junho de 2021

Zeina Latif – Selo de qualidade

- O Globo

Está cedo para acenderem as luzes vermelhas do painel de controle, mas o cenário de retrocesso no front inflacionário está presente

A avaliação do legado de um governo precisa considerar pelo menos duas perspectivas: o quanto se avançou em relação à herança recebida e o contexto internacional, que pode produzir tanto vento de popa como de proa na economia. A mera comparação de indicadores econômicos leva a conclusões equivocadas. Um exemplo: não se pode atribuir apenas ao atual governo a taxa de juros baixa, pois houve importante trabalho de governantes anteriores para isso.

No governo Temer, a taxa Selic caiu de 14,25% ao ano para 6,5%, de forma responsável, sem esticar a corda.

O comportamento da inflação é um ponto muito importante a ser avaliado. Não apenas por suas consequências econômicas e sociais, mas por ser um indicador da qualidade da política econômica. É a temperatura do paciente indicando o grau de acerto do médico no tratamento.

Temer deixou a casa relativamente arrumada nesse quesito. Depois de ter recebido de Dilma uma inflação acima de 9% que ameaçava sair do controle, entregou a fera domada em 3,75%, abaixo da meta de 4,5% para 2018 — e sem artificialismos, como represar reajustes de tarifas.

Um aspecto essencial é que, desde 2017, a inflação passou a acompanhar mais de perto o ciclo da inflação mundial, algo praticamente inédito. Uma boa referência é a comparação com países com regime de política econômica parecido com o do Brasil: Chile, Colômbia, México e Peru. A taxa média no grupo oscila em torno de 3%, que é a meta perseguida nesses países, com exceção dos 2% no Peru.

Ocorre que, desde o último trimestre do ano passado, a inflação aqui está descolando da observada naqueles países: atingiu 8,1% em maio na variação anual, bem acima dos 4% no grupo. Esse retrato dá uma noção do peso de nossos erros na política econômica.

Se o culpado da inflação fosse apenas o quadro internacional — por exemplo pela alta de preços de commodities —, o desvio em relação aos demais países seria mais modesto. Não à toa os juros deverão subir para 4,25% ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária nesta quarta-feira, enquanto os bancos centrais daqueles países estão mantendo os juros estáveis — na média em 1,6%.

É verdade que a base de comparação deprimida, decorrente da inflação atipicamente baixa entre março e maio de 2020 por conta do isolamento social, infla as variações anuais de inflação. O fato, porém, é que a as leituras mensais estão correndo acima do padrão dos anos anteriores.

A inflação de preços administrados (como combustíveis, gás de cozinha e energia elétrica) é a grande vilã, pois acumula alta de mais de 13%, impactada também pelos erros de gestão da economia que pressionam a cotação do dólar. Outro exemplo é a tarifa de energia elétrica, cuja elevação não decorre apenas da falta de chuvas, mas de falhas na gestão do setor elétrico.

A restrição energética é uma das facetas do baixo potencial de crescimento do país e da vulnerabilidade a choques adversos. Não se pode fechar os olhos para isso.

A inflação de preços livres traz igualmente preocupação. Não só porque atingiu 6%, mas por estar mais teimosa e disseminada na cesta do consumidor. A inflação mais alta acaba ficando também resistente, pois estimula remarcações diante de pressões de custo. Como resultado, os núcleos s de inflação — medidas que excluem movimentos muito voláteis de preços de itens da cesta — estão elevados.

O recuo da cotação do dólar deverá trazer benefício à dinâmica inflacionária, principalmente no atacado — isso se o movimento do câmbio for duradouro. Talvez a melhora para o consumidor seja modesta, pois o varejo não chegou a repassar plenamente a elevação de custos dos últimos vários meses, operando aparentemente com margens deprimidas.

O governo celebra a volta rápida do PIB, guardando semelhanças com o governo Lula, que estimulou artificialmente a economia em 2009-10, na esteira da crise global de 2008. Uma política econômica sem selo de qualidade, pois colheu-se depois inflação, juros altos e estagnação.

Está cedo para acenderem as luzes vermelhas do painel de controle, como o ocorrido no passado, mas o cenário de retrocesso no front inflacionário está presente. A inflação esperada para este ano (5,8%) está acima da meta (3,75%) e do seu limite superior (5,25%); e para 2022 também (3,8% ante a meta de 3,5%).

As sinalizações de mais gastos públicos sem medidas compensatórias engrossam o caldo do risco inflacionário.

Nenhum comentário: