- O Globo
Está cedo para acenderem as luzes vermelhas
do painel de controle, mas o cenário de retrocesso no front inflacionário está
presente
A avaliação do legado de um governo precisa
considerar pelo menos duas perspectivas: o quanto se avançou em relação à
herança recebida e o contexto internacional, que pode produzir tanto vento de
popa como de proa na economia. A mera comparação de indicadores econômicos leva
a conclusões equivocadas. Um exemplo: não se pode atribuir apenas ao atual
governo a taxa de juros baixa, pois houve importante trabalho de governantes
anteriores para isso.
No governo Temer, a taxa Selic caiu de
14,25% ao ano para 6,5%, de forma responsável, sem esticar a corda.
O comportamento da inflação é um ponto muito importante a ser avaliado. Não apenas por suas consequências econômicas e sociais, mas por ser um indicador da qualidade da política econômica. É a temperatura do paciente indicando o grau de acerto do médico no tratamento.
Temer deixou a casa relativamente arrumada nesse quesito. Depois de ter recebido de Dilma uma inflação acima de 9% que ameaçava sair do controle, entregou a fera domada em 3,75%, abaixo da meta de 4,5% para 2018 — e sem artificialismos, como represar reajustes de tarifas.
Um aspecto essencial é que, desde 2017, a
inflação passou a acompanhar mais de perto o ciclo da inflação mundial, algo
praticamente inédito. Uma boa referência é a comparação com países com regime
de política econômica parecido com o do Brasil: Chile, Colômbia, México e Peru.
A taxa média no grupo oscila em torno de 3%, que é a meta perseguida nesses
países, com exceção dos 2% no Peru.
Ocorre que, desde o último trimestre do ano
passado, a inflação aqui está descolando da observada naqueles países: atingiu
8,1% em maio na variação anual, bem acima dos 4% no grupo. Esse retrato dá uma
noção do peso de nossos erros na política econômica.
Se o culpado da inflação fosse apenas o
quadro internacional — por exemplo pela alta de preços de commodities —, o
desvio em relação aos demais países seria mais modesto. Não à toa os juros
deverão subir para 4,25% ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária
nesta quarta-feira, enquanto os bancos centrais daqueles países estão mantendo
os juros estáveis — na média em 1,6%.
É verdade que a base de comparação deprimida, decorrente da inflação atipicamente baixa entre março e maio de 2020 por conta do isolamento social, infla as variações anuais de inflação. O fato, porém, é que a as leituras mensais estão correndo acima do padrão dos anos anteriores.
A inflação de preços administrados (como
combustíveis, gás de cozinha e energia elétrica) é a grande vilã, pois acumula
alta de mais de 13%, impactada também pelos erros de gestão da economia que
pressionam a cotação do dólar. Outro exemplo é a tarifa de energia elétrica,
cuja elevação não decorre apenas da falta de chuvas, mas de falhas na gestão do
setor elétrico.
A restrição energética é uma das facetas do
baixo potencial de crescimento do país e da vulnerabilidade a choques adversos.
Não se pode fechar os olhos para isso.
A inflação de preços livres traz igualmente
preocupação. Não só porque atingiu 6%, mas por estar mais teimosa e disseminada
na cesta do consumidor. A inflação mais alta acaba ficando também resistente,
pois estimula remarcações diante de pressões de custo. Como resultado, os
núcleos s de inflação — medidas que excluem movimentos muito voláteis de preços
de itens da cesta — estão elevados.
O recuo da cotação do dólar deverá trazer
benefício à dinâmica inflacionária, principalmente no atacado — isso se o
movimento do câmbio for duradouro. Talvez a melhora para o consumidor seja
modesta, pois o varejo não chegou a repassar plenamente a elevação de custos
dos últimos vários meses, operando aparentemente com margens deprimidas.
O governo celebra a volta rápida do PIB,
guardando semelhanças com o governo Lula, que estimulou artificialmente a
economia em 2009-10, na esteira da crise global de 2008. Uma política econômica
sem selo de qualidade, pois colheu-se depois inflação, juros altos e
estagnação.
Está cedo para acenderem as luzes vermelhas
do painel de controle, como o ocorrido no passado, mas o cenário de retrocesso
no front inflacionário está presente. A inflação esperada para este ano (5,8%)
está acima da meta (3,75%) e do seu limite superior (5,25%); e para 2022 também
(3,8% ante a meta de 3,5%).
As sinalizações de mais gastos públicos sem medidas compensatórias engrossam o caldo do risco inflacionário.
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