quarta-feira, 16 de junho de 2021

Vinicius Torres Freire – A política do Risco

- Folha de S. Paulo

Medidas para evitar racionamento podem tropeçar em conflito político

O governo e os administradores do setor elétrico têm adotado medidas que devem evitar um racionamento de eletricidade neste ano, embora exista menos segurança sobre o risco de apagões pontuais. É o que dizem entendidos do setor privado, muitos com experiência de governo. Um problema maior é saber se as medidas serão implementadas.

Riscos: 1) oposição política no Congresso ou de governos locais; 2) risco de decisões acabarem na Justiça; 3) de que a oferta emergencial de energia não chegue (importação insuficiente, falta de gás para usinas termelétricas, falhas dessas usinas etc.); 4) conflito entre e instituições envolvidas na regulação da energia e do uso da água.

No final de maio, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) publicou um estudo sobre o risco de faltar energia, risco derivado em grande parte do esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas da bacia do rio Paraná. As premissas dessas previsões são muito “conservadoras” (supõe-se que quase tudo dá muito errado, em termos crus). Em novembro, os reservatórios chegariam a nível recorde de baixa; certas providências podem evitar o esvaziamento crítico. Com as represas abaixo de certo nível, as usinas geram pouca ou nenhuma energia. Se puderem gastar menos água, substitui-se a energia que não será gerada por aquela que viria de termelétricas, muito mais cara, ou de outras regiões do país.

A principal dessas medidas é mudar exigências normativas de que certa quantidade de água vaze das represas para rio abaixo de algumas usinas e de que se mantenha o nível de outras. Essas exigências existem porque a água não é usada apenas para gerar eletricidade: lagos cheios sustentam turismo, irrigação e outros negócios; uma vazão mínima evita que os rios fiquem baixos demais, o que afeta navegação, peixes e abastecimento de água.

Quem é afetado por essa mudança, já em implementação, se queixa, claro, de modo legítimo. A queixa tem efeito político, claro. O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, quer até colocar em lei um nível mínimo para o reservatório de Furnas. Se conseguir, pode ser que outros dependentes das águas apresentem a mesma reivindicação.

Um problema é equilibrar o risco de esvaziar as represas, o que pode dar no desastre do racionamento, com o prejuízo de quem depende da água para outros fins. Esse equilíbrio inclui pagar o prejuízo dos afetados, que deve ir para a conta de luz.

Dado também o risco de conflitos políticos ou judiciais, o governo planeja medida provisória que centraliza as decisões de emergência, tirando em parte poderes de instituições envolvidas no problema, como a Agência Nacional de Águas e o Ibama. Teme-se que a medida possa ser autoritária, intervencionista a ponto de passar o trator sobre interesses outros que não o da eletricidade.

Além disso, donos de usinas temem ser processados por danos causados pela mudança em níveis e fluxos de água das represas que administram.

Alexandre Zucarato diz que as medidas anunciadas contemplam as sugestões do ONS, do qual é diretor de planejamento. Ou seja, mesmo no cenário “conservador”, haveria água. A dúvida é a implementação. O ONS orienta o trânsito e a fonte de produção de eletricidade no país.

“Os próximos 45 dias são fundamentais [para a implementação]” e reduzir a vazão das hidrelétricas é “urgente”, diz Luiz Barroso, diretor-presidente da consultoria PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia. A PSR acha que o cenário do ONS foi até conservador além da conta, mas concorda com as medidas sugeridas para evitar o pior.

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