- O Estado de S. Paulo
É cada vez maior o nervosismo do mercado
sobre quão temporária é a alta da inflação
A palavra mais repetida pelos principais
banqueiros centrais do mundo nas últimas semanas é “transitório” – ou o seu
sinônimo “temporário” – para descrever o forte repique da inflação em vários
países, numa tentativa de tranquilizar os investidores de que a retirada dos estímulos
monetários adotados durante a pandemia de covid não será feita de forma
açodada.
Mas com os índices de preços ao consumidor
e no atacado surpreendendo para cima há alguns meses, é cada vez maior o
nervosismo do mercado sobre o quão temporário é esse processo de alta mais
forte da inflação e se os dirigentes dos maiores bancos centrais não estariam
atrasados em combater a aceleração de preços na economia.
Nos Estados Unidos, o índice de preços ao
consumidor subiu 0,6% em maio ante abril, enquanto as previsões de analistas
apontavam para alta de 0,4%. Com isso, a taxa anual da inflação americana ao
consumidor saltou para 5,0% em maio, maior avanço desde agosto de 2008.
Já na zona do euro, a inflação subiu 2,0% em maio ante igual mês do ano passado, em comparação com o avanço anual de 1,6% em abril. E, na China, o índice de preços ao produtor registrou salto anual de 9,0% em maio, ante a previsão de analistas de alta de 8,6%.
Em meados do ano passado, diante da
paralisação súbita da economia mundial para conter o avanço do coronavírus, os
preços recuaram significativamente na maioria dos países. Agora, basicamente,
está havendo uma volta sincronizada global da inflação. Muitos analistas
acreditam até que o pico das altas nas taxas anualizadas dos índices de preços,
registradas em vários países, aconteceu em maio ou, provavelmente, ocorrerá em
junho.
Por enquanto, os analistas concordam com os
argumentos das autoridades monetárias mundiais de que esse fenômeno é, de fato,
temporário. O primeiro deles é que a disparada nos preços está ligada a
restrições de oferta de muitos produtos, reflexo da redução dos estoques no ano
passado em meio às incertezas sobre o impacto na atividade econômica da
pandemia.
Acontece que as economias mundiais, no
geral, registraram uma retomada bem mais rápida do que se esperava no auge da
pandemia, reaquecendo a demanda de consumidores e de empresas. Além disso, na
segunda onda de contaminação de covid em boa parte do mundo, os efeitos
negativos sobre a atividade econômica foram bem menores do que em 2020.
Todavia, os estoques de vários produtos não foram normalizados na mesma
velocidade da retomada da demanda. Consumidores e fabricantes de produtos foram
pegos no contrapé e tiveram de pagar mais caro.
Mas quando os preços sobem, como vem
acontecendo, a oferta de produtos acaba por se ajustar e expandir, resolvendo a
questão dos estoques. Isso reforça o argumento de um fenômeno temporário.
Outro ponto é que a aceleração da inflação
global vem sendo causada pela disparada recente nos preços das commodities,
como minério de ferro e soja. Isso aconteceu em razão da retomada mais forte
das economias, impulsionando a demanda por matérias-primas, sem que a oferta
delas tenha acompanhado no mesmo ritmo.
Ainda assim, a maioria dos analistas diz
que esse repique inflacionário não está sendo causado por um excesso de
demanda, mas por um choque na oferta. Ou seja, não seria o caso de os bancos
centrais terem de subir os juros básicos imediatamente para conter um
superaquecimento da demanda, em razão de um mercado de trabalho apertado e um
aumento demasiado da renda.
As autoridades monetárias só precisariam
reagir mais energicamente se o choque de oferta se disseminar por outros preços
na economia. Mas os banqueiros centrais precisariam evitar que esse choque
primário nos preços tenha efeitos secundários, propagando-se na economia. O
papel das expectativas inflacionárias do mercado nessa propagação é crucial.
O risco é de os bancos centrais errarem na
avaliação sobre quão temporário será o repique inflacionário e se o choque de
oferta observado agora não terá se propagado para o resto da economia.
Nos países onde as expectativas
inflacionárias estão ancoradas, como nos EUA, os bancos centrais estão mantendo
o sangue-frio e sinalizando que vão retirar os estímulos com calma, preferindo
gerar o máximo de empregos e crescimento, correndo o risco de uma inflação mais
alta. Se esse diagnóstico se mostrar errado mais adiante, será um Deus nos
acuda.
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